Capitaneadas pelo próprio Jair Bolsonaro no Twitter, as matilhas fascistas espalham pela internet que o Dr. Davi Uip, chefe do staff médico que assessora João Dória nas medidas restritivas adotadas em São Paulo contra a epidemia de coronavírus tomou a tal hidroxicloriquina que o presidente (seguindo o exemplo de Donald Trump) aponta como cura milagrosa para a doença.
Servem-se do ‘jornalismo policial” de José Luiz Datena perguntando ao infectologista, que foi vítima do Covid-19 se ele “tomou ou não tomou” a tal droga, o que, com todas as razões de ética médica e prudência pública, o médico não respondeu.
Não cabe aqui discutir a eventual eficácia desta substância – intoxicante e mortal, aliás, se não dosada com extrema cautela – no tratamento. Possibilidade, em ciência, não é uma regra válida.
Tudo do que se tem certeza, até o momento, é que a droga é um sucesso mais de marketing que de medicina e uma longa e detalhada reportagem do jornal inglês The Guardian, hoje, conta “a história de como a hidroxicloroquina foi ungida como a droga milagrosa do governo Trump para a pandemia de coronavírus”, com a utilização de ensaios sem rigor, com grupos pequenos e mal selecionados e tratados, eliminação de resultados “negativos”, agitadores de direita e overdoses de charlatanismos.
Separem-se as coisas.
Neste momento, há no mundo 293 mil pessoas que se curaram da infecção e não consta que tenham sido tratadas com a droga.
Há, portanto, quase 300 mil casos a mostrar que há processos de formação de antígenos à doença que precisam de tempo e ciência para serem (ou não) explicados.
A hidroxicloriquina, se eventualmente aplicada em alguns deles, pode ser um caminho?
Pode – como vários antivirais tem tido resultados promissores em testes in vitro, laboratoriais.
Mas não há qualquer evidência séria de que seja assim e muito menos há mensuração dos riscos que a sua administração indiscriminada representaria, até porque seus efeitos adversos, entre outros, são mais comuns justo nos grupos de risco ao Covid-19: diabéticos e portadores de doenças cardiovasculares.
Portanto, se Uip tomou ou não a cloroquina e se foi isso que o curou é absolutamente irrelevante diante do papel que lhe cabe de prover a sociedade e o governo de informações e análises científicas que devem orientar decisões.
Dizer “não” seria desfazer de uma porta aberta à investigação científica; dizer “sim” seria o aval a uma irresponsabilidade.
Há centenas de milhares de médicos e cientistas procurando desesperadamente ferramentas para enfrentar a pandemia e não serão os “cientistas” Trump, Bolsonaro ou Datena que darão as respostas a isso.
Negacionismos e charlatanismos são do que menos precisamos neste momento.
Ciência depende de investigação, de provas, de confirmações.
Tudo o que os canalhas e oportunistas desprezam, com seus milagres de “cognição primária”.
Aliás, leia a frase acima e pense como, em outros campos, isso acontece por aqui e no desastre a que isso nos levou, por seus efeitos colaterais.
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