Por Frei Betto, no site Brasil-247:
A pandemia nos obriga a rever muitos conceitos.
Aliás, como acontece cada vez que recuamos de nossa rotina habitual, como em retiros espirituais, internação hospitalar ou prisão.
Ao deixar a reclusão, retornamos ao trivial cheios de bons propósitos.
Duram pouco. Logo somos absorvidos pelo sistema e voltamos a dançar conforme a música.
Ignoro se a humanidade ficará melhor após a quarentena.
Não me incluo entre os otimistas, porque conheço o poder do Capitaloceno, essa era na qual a apropriação privada da riqueza fala mais alto que os direitos coletivos.
Ao menos alguns de nossos hábitos pessoais haverão de mudar, como transformar a casa em local de trabalho (para maior lucro das empresas e menos tranquilidade no âmbito familiar) e usar burca com frequência.
Ficou evidente a gratidão da natureza pelo sumiço dos humanos.
Permitiu-a florescer em paz, purificar suas águas, liberar o movimento dos animais, respirar sem a quantidade de gases tóxicos que projetamos na atmosfera.
Prova de que ela pode muito bem viver sem a nossa incômoda presença.
Nós é que não podemos prescindir dela.
Quem dera que, cessada a quarentena, o consumismo exacerbado seja desacelerado.
Mas quando vejo os shoppings lotarem, como por encanto, em cidades que afrouxam medidas preventivas e abrem o comércio, fico em dúvida se isso será possível.
Um dos conceitos que deve ser revisto é o de Segurança Nacional, ainda hoje impregnado de ideologia liberal belicista.
No caso do Brasil, inútil falar em risco de interferência externa no país.
Há tempos isso acontece. E o pior, com anuência do próprio governo que, em sua sanha privatizante, banca o sujeito que vende o fogão para comprar comida.
Nosso governo é tão submisso à Casa Branca que imita até as loucuras do Trump, como prescrever cloroquina como antídoto à Covid-19.
Segurança Nacional deveria significar distribuição de riqueza, renda básica a toda a população, aprimoramento do SUS, ampliação da rede de educação (com qualidade) pública e gratuita.
Nosso inimigo não é um governo estrangeiro, e nem mesmo o terrorismo.
É a desigualdade social, a fome, o desemprego, a escalada da violência.
Nosso inimigo é a queimada, o desmatamento, a invasão de terras indígenas, o latifúndio improdutivo.
Só a cegueira do fanatismo leva alguém a enxergar como ameaça à Segurança Nacional o comunismo, enterrado sob os escombros do Muro de Berlim, em 1989.
Mas ainda há quem acredita em fantasmas.
E ameace abertamente a Segurança Nacional, com apoio explícito do gabinete presidencial, ao promover carreatas e manifestações contra as instituições republicanas e a democracia.
Ameaça à Segurança Nacional é um ministro de Estado, dentro do Palácio do Planalto (e não no balcão de um boteco), xingar ministros da Suprema Corte de “vagabundos” e propor que sejam presos.
Ameaça à Segurança Nacional é outro ministro, também em plena reunião ministerial (e não na cerca de um curral), sugerir aproveitar o período da pandemia, quando a mídia se ocupa mais com a questão sanitária, e “passar a boiada”, ou seja, flexibilizar as leis de proteção ambiental, de defesa da floresta amazônica, de punição de desmatadores e invasores de áreas indígenas, e cancelar as multas de quem agride o meio ambiente.
Pode ser que a pandemia nos conduza a um mundo melhor, mais solidário e menos desigual.
Também pode ser que nos leve, como alerta Ignacio Ramonet, à Grande Regressão Mundial ao reduzir os espaços de democracia, destruir ainda mais os ecossistemas, agravar a violação dos direitos humanos, neocolonizar o Sul do mundo, acirrar o racismo, a xenofobia, o preconceito aos migrantes, o repúdio aos refugiados, e ampliar a cibervigilância sobre a sociedade.
Como adverte o historiador britânico Neal Ascherson, “depois da pandemia o novo mundo não surgirá por um passe de mágica. Haverá que lutar por ele.”
Caso contrário, retrocederemos à anormalidade de antes.
A pandemia nos obriga a rever muitos conceitos.
Aliás, como acontece cada vez que recuamos de nossa rotina habitual, como em retiros espirituais, internação hospitalar ou prisão.
Ao deixar a reclusão, retornamos ao trivial cheios de bons propósitos.
Duram pouco. Logo somos absorvidos pelo sistema e voltamos a dançar conforme a música.
Ignoro se a humanidade ficará melhor após a quarentena.
Não me incluo entre os otimistas, porque conheço o poder do Capitaloceno, essa era na qual a apropriação privada da riqueza fala mais alto que os direitos coletivos.
Ao menos alguns de nossos hábitos pessoais haverão de mudar, como transformar a casa em local de trabalho (para maior lucro das empresas e menos tranquilidade no âmbito familiar) e usar burca com frequência.
Ficou evidente a gratidão da natureza pelo sumiço dos humanos.
Permitiu-a florescer em paz, purificar suas águas, liberar o movimento dos animais, respirar sem a quantidade de gases tóxicos que projetamos na atmosfera.
Prova de que ela pode muito bem viver sem a nossa incômoda presença.
Nós é que não podemos prescindir dela.
Quem dera que, cessada a quarentena, o consumismo exacerbado seja desacelerado.
Mas quando vejo os shoppings lotarem, como por encanto, em cidades que afrouxam medidas preventivas e abrem o comércio, fico em dúvida se isso será possível.
Um dos conceitos que deve ser revisto é o de Segurança Nacional, ainda hoje impregnado de ideologia liberal belicista.
No caso do Brasil, inútil falar em risco de interferência externa no país.
Há tempos isso acontece. E o pior, com anuência do próprio governo que, em sua sanha privatizante, banca o sujeito que vende o fogão para comprar comida.
Nosso governo é tão submisso à Casa Branca que imita até as loucuras do Trump, como prescrever cloroquina como antídoto à Covid-19.
Segurança Nacional deveria significar distribuição de riqueza, renda básica a toda a população, aprimoramento do SUS, ampliação da rede de educação (com qualidade) pública e gratuita.
Nosso inimigo não é um governo estrangeiro, e nem mesmo o terrorismo.
É a desigualdade social, a fome, o desemprego, a escalada da violência.
Nosso inimigo é a queimada, o desmatamento, a invasão de terras indígenas, o latifúndio improdutivo.
Só a cegueira do fanatismo leva alguém a enxergar como ameaça à Segurança Nacional o comunismo, enterrado sob os escombros do Muro de Berlim, em 1989.
Mas ainda há quem acredita em fantasmas.
E ameace abertamente a Segurança Nacional, com apoio explícito do gabinete presidencial, ao promover carreatas e manifestações contra as instituições republicanas e a democracia.
Ameaça à Segurança Nacional é um ministro de Estado, dentro do Palácio do Planalto (e não no balcão de um boteco), xingar ministros da Suprema Corte de “vagabundos” e propor que sejam presos.
Ameaça à Segurança Nacional é outro ministro, também em plena reunião ministerial (e não na cerca de um curral), sugerir aproveitar o período da pandemia, quando a mídia se ocupa mais com a questão sanitária, e “passar a boiada”, ou seja, flexibilizar as leis de proteção ambiental, de defesa da floresta amazônica, de punição de desmatadores e invasores de áreas indígenas, e cancelar as multas de quem agride o meio ambiente.
Pode ser que a pandemia nos conduza a um mundo melhor, mais solidário e menos desigual.
Também pode ser que nos leve, como alerta Ignacio Ramonet, à Grande Regressão Mundial ao reduzir os espaços de democracia, destruir ainda mais os ecossistemas, agravar a violação dos direitos humanos, neocolonizar o Sul do mundo, acirrar o racismo, a xenofobia, o preconceito aos migrantes, o repúdio aos refugiados, e ampliar a cibervigilância sobre a sociedade.
Como adverte o historiador britânico Neal Ascherson, “depois da pandemia o novo mundo não surgirá por um passe de mágica. Haverá que lutar por ele.”
Caso contrário, retrocederemos à anormalidade de antes.
Frei Betto sempre atento aos problemas e contradições gritantes de nosso país neste momento dramático de nossas vidas.
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