Por Victor Calcagno, na revista CartaCapital:
Nenhum outro político no Brasil, nem mesmo Jair Bolsonaro, representou de forma tão perfeita quanto Wilson Witzel o fenômeno mal descrito como “nova política”. A uma semana do primeiro turno das eleições de 2018, o ex-juiz era um ilustre desconhecido, candidato de um partido inexpressivo, confinado a um irrelevante quarto lugar nas pesquisas de opinião para o governo do Rio de Janeiro. Os cariocas mal sabiam pronunciar seu sobrenome. A ascensão meteórica até a vitória nas urnas, após colar a imagem à campanha de Bolsonaro e à luta anticorrupção, foi o corolário da aversão do eleitorado ao “mais do mesmo”, estimulada pela manipulação das redes sociais.
Em idêntica medida, nenhum outro político no Brasil traduz tão claramente a fragilidade e o envelhecimento precoce da tal “nova política”. Um ano e cinco meses após tomar posse, Witzel corre um sério risco de sofrer impeachment. E, pior, por denúncias de corrupção. Um dos focos da Operação Placebo, da Polícia Federal, que investiga desvios nos gastos em saúde para o combate ao coronavírus, o governador foi atropelado pelos deputados estaduais, um péssimo sinal a respeito de seu futuro. Por impressionantes 69 a 0, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou, em 10 de junho, a abertura do processo de cassação. Houve apenas uma abstenção. Cinco dias depois, instalou-se a comissão especial que vai conduzir o julgamento político. O recado não poderia ser mais claro.
Ainda que a votação para a abertura do processo ocorresse de maneira simbólica, uma vez que a decisão normalmente deveria ser tomada por ação monocrática do presidente da casa, André Ceciliano, do PT, que resolveu abri-la aos colegas, o resultado unânime representou o ápice de uma relação conturbada entre o governador e a Assembleia, agravada pelas denúncias da Operação Placebo. Witzel ficara malvisto entre os parlamentares após ampliar os poderes de Lucas Tristão, então secretário do Desenvolvimento Econômico. Tristão, que não fazia questão de esconder os atritos com os deputados, é acusado de organizar dossiês contra parlamentares, além de mandar grampear gabinetes. Sua exoneração, no início de junho, foi um aceno à negociação após a PF fechar o cerco, estratégia que pode ter sido adotada tarde demais.
Por ter assinado contratos que somam 835 milhões de reais com a organização social Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) para a construção de sete hospitais de campanha no combate ao coronavírus, dos quais seis estão atrasados e apenas um funciona parcialmente, Witzel é apontado pelos investigadores como chefe do esquema. A acusação de fraude na Saúde também atingiu o ex-subsecretário Gabriell Neves, preso por suposto superfaturamento na compra de respiradores, além de ligar o governador à figura do empresário Mário Peixoto, que tem contratos de 129 milhões de reais com o estado e foi preso, em maio, em um dos desdobramentos da Operação Lava Jato.
Antes vice-líder do governo na Assembleia e agora afastado do governador por discordâncias, o deputado Léo Vieira, do PSC, líder do partido na Comissão Especial de impeachment, crê que a situação de Witzel é bastante delicada e não enxerga uma mobilização para a sua defesa entre os colegas. A decisão dos 69 deputados pela abertura do processo, mesmo os integrantes de seu partido, “deixa claro”, segundo Vieira, o isolamento político que vive o mandatário: “Não vejo nenhuma movimentação pró-governador hoje na casa, nenhuma corrente se levantando para defendê-lo”.
Um dos autores do processo de impeachment que indica crime de responsabilidade com base tanto na investigação da PF quanto nas irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas nos gastos do ano passado, o deputado tucano Luiz Paulo afirma acreditar que, se o parecer da comissão especial fosse encaminhado hoje, seria aprovado, o que levaria ao afastamento temporário do governador do cargo e a formação de um tribunal misto, composto de juízes e deputados, para decidir definitivamente pelo impedimento.
Para além das razões criminais, Luiz Paulo lembra da relação de Witzel, político outsider em seu primeiro cargo público, com o Legislativo: “O governador entrou em rota de colisão começando com o racha do PSL, depois o alçamento do Tristão como uma espécie de ‘imperador do palácio’, e a divisão em grupos de poder que queriam cargos, um ligado a Mário Peixoto e outro ao Pastor Everaldo (presidente do PSC, partido de Witzel)”. Segundo o tucano, Witzel teria dado pouca atenção à Assembleia e se submetido ao “sonho meteórico de ser presidente”, de forma que “as bases dele foram ruindo”.
A deputada Martha Rocha, do PDT, presidente da comissão formada no início de junho para fiscalizar os gastos no combate à pandemia, vê um recado claro dos 69 parlamentares: “Os deputados entenderam haver problemas nas medidas contra o coronavírus. Não temos uma notícia boa sobre esse enfrentamento público desde que começamos a tratá-lo por aqui”. Martha também lembra que, na Lei de Calamidade Pública, aprovada em abril para conter o avanço da doença, Witzel vetou um artigo que criava uma comissão mista na Assembleia para o acompanhamento desses gastos. A deputada não adianta o voto, mas afirma que o governador parece “não ter entendido que a democracia é feita pelo diálogo com os outros” e que a denúncia dos dossiês contra os parlamentares mostra “o gesto de um mundo que não é democrático, que obrigaria os deputados a votarem não segundo seus entendimentos”.
Tanto Vieira quanto Luiz Paulo e Martha Rocha, três integrantes da comissão especial do impeachment, descrevem a necessidade da Assembleia em dar prosseguimento a esses ritos como uma atitude necessária diante dos indícios de crime de responsabilidade, além da situação agravada pela pandemia no estado. Em nota distribuída à imprensa, Witzel afirmou receber “com espírito democrático e resiliência” a abertura do processo e que está “absolutamente tranquilo” quanto à sua inocência, a ser provada na apresentação da defesa durante as próximas sessões da Assembleia. A contagem regressiva começou.
Em idêntica medida, nenhum outro político no Brasil traduz tão claramente a fragilidade e o envelhecimento precoce da tal “nova política”. Um ano e cinco meses após tomar posse, Witzel corre um sério risco de sofrer impeachment. E, pior, por denúncias de corrupção. Um dos focos da Operação Placebo, da Polícia Federal, que investiga desvios nos gastos em saúde para o combate ao coronavírus, o governador foi atropelado pelos deputados estaduais, um péssimo sinal a respeito de seu futuro. Por impressionantes 69 a 0, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou, em 10 de junho, a abertura do processo de cassação. Houve apenas uma abstenção. Cinco dias depois, instalou-se a comissão especial que vai conduzir o julgamento político. O recado não poderia ser mais claro.
Ainda que a votação para a abertura do processo ocorresse de maneira simbólica, uma vez que a decisão normalmente deveria ser tomada por ação monocrática do presidente da casa, André Ceciliano, do PT, que resolveu abri-la aos colegas, o resultado unânime representou o ápice de uma relação conturbada entre o governador e a Assembleia, agravada pelas denúncias da Operação Placebo. Witzel ficara malvisto entre os parlamentares após ampliar os poderes de Lucas Tristão, então secretário do Desenvolvimento Econômico. Tristão, que não fazia questão de esconder os atritos com os deputados, é acusado de organizar dossiês contra parlamentares, além de mandar grampear gabinetes. Sua exoneração, no início de junho, foi um aceno à negociação após a PF fechar o cerco, estratégia que pode ter sido adotada tarde demais.
Por ter assinado contratos que somam 835 milhões de reais com a organização social Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) para a construção de sete hospitais de campanha no combate ao coronavírus, dos quais seis estão atrasados e apenas um funciona parcialmente, Witzel é apontado pelos investigadores como chefe do esquema. A acusação de fraude na Saúde também atingiu o ex-subsecretário Gabriell Neves, preso por suposto superfaturamento na compra de respiradores, além de ligar o governador à figura do empresário Mário Peixoto, que tem contratos de 129 milhões de reais com o estado e foi preso, em maio, em um dos desdobramentos da Operação Lava Jato.
Antes vice-líder do governo na Assembleia e agora afastado do governador por discordâncias, o deputado Léo Vieira, do PSC, líder do partido na Comissão Especial de impeachment, crê que a situação de Witzel é bastante delicada e não enxerga uma mobilização para a sua defesa entre os colegas. A decisão dos 69 deputados pela abertura do processo, mesmo os integrantes de seu partido, “deixa claro”, segundo Vieira, o isolamento político que vive o mandatário: “Não vejo nenhuma movimentação pró-governador hoje na casa, nenhuma corrente se levantando para defendê-lo”.
Um dos autores do processo de impeachment que indica crime de responsabilidade com base tanto na investigação da PF quanto nas irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas nos gastos do ano passado, o deputado tucano Luiz Paulo afirma acreditar que, se o parecer da comissão especial fosse encaminhado hoje, seria aprovado, o que levaria ao afastamento temporário do governador do cargo e a formação de um tribunal misto, composto de juízes e deputados, para decidir definitivamente pelo impedimento.
Para além das razões criminais, Luiz Paulo lembra da relação de Witzel, político outsider em seu primeiro cargo público, com o Legislativo: “O governador entrou em rota de colisão começando com o racha do PSL, depois o alçamento do Tristão como uma espécie de ‘imperador do palácio’, e a divisão em grupos de poder que queriam cargos, um ligado a Mário Peixoto e outro ao Pastor Everaldo (presidente do PSC, partido de Witzel)”. Segundo o tucano, Witzel teria dado pouca atenção à Assembleia e se submetido ao “sonho meteórico de ser presidente”, de forma que “as bases dele foram ruindo”.
A deputada Martha Rocha, do PDT, presidente da comissão formada no início de junho para fiscalizar os gastos no combate à pandemia, vê um recado claro dos 69 parlamentares: “Os deputados entenderam haver problemas nas medidas contra o coronavírus. Não temos uma notícia boa sobre esse enfrentamento público desde que começamos a tratá-lo por aqui”. Martha também lembra que, na Lei de Calamidade Pública, aprovada em abril para conter o avanço da doença, Witzel vetou um artigo que criava uma comissão mista na Assembleia para o acompanhamento desses gastos. A deputada não adianta o voto, mas afirma que o governador parece “não ter entendido que a democracia é feita pelo diálogo com os outros” e que a denúncia dos dossiês contra os parlamentares mostra “o gesto de um mundo que não é democrático, que obrigaria os deputados a votarem não segundo seus entendimentos”.
Tanto Vieira quanto Luiz Paulo e Martha Rocha, três integrantes da comissão especial do impeachment, descrevem a necessidade da Assembleia em dar prosseguimento a esses ritos como uma atitude necessária diante dos indícios de crime de responsabilidade, além da situação agravada pela pandemia no estado. Em nota distribuída à imprensa, Witzel afirmou receber “com espírito democrático e resiliência” a abertura do processo e que está “absolutamente tranquilo” quanto à sua inocência, a ser provada na apresentação da defesa durante as próximas sessões da Assembleia. A contagem regressiva começou.
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