segunda-feira, 27 de julho de 2020

Algumas observações sobre as eleições de 2020

Por Ronald Freitas

As circunstâncias mais gerais em que se realizam as eleições municipais de outubro.

Como o Partido tem afirmado em seguidas resoluções, vive o Brasil e o mundo envoltos em uma crise sistêmica do capitalismo, na sua atual fase de financeirização da economia, e de predomínio das ideias neoliberais na orientação das políticas econômicas da maioria dos países ricos. Isso, tensiona povos e nações, piora de forma relativa e absoluta as condições de vida dos povos, particularmente daquelas que retiram seu sustento do trabalho assalariado, ou sobrevivem de trabalho informal. A essa realidade sócio-econômico-política, veio se agregar a Pandemia do Covid-19, com seu rastro de morte, desemprego, fome e desesperança para milhões de pessoas. No momento que escrevo, segundo dados, divulgados pela imprensa, temos no mundo 15.008.046 casos confirmados, e já ocorreram 616.985 mortes. Números eloquentes a dar a dimensão da tragédia que nos acomete.

O desenvolvimento da pandemia, é o vetor em torno do qual as várias outras facetas da crise, acima elencadas, se desenvolvem.

No que pese os ingentes esforços que a maioria dos países do mundo, e a OMS - Organização Mundial da Saúde, desenvolvem para deter a pandemia, ela continua se espraiando mundo afora, aumentando o número de infectados e de óbitos. É também digno de nota, o empenho da comunidade científica mundial e brasileira na busca de conter a pandemia, sendo que a busca de se produzir uma vacina capaz de conter a propagação do vírus, se desenvolve de forma célere, em vários países, tendo a China uma posição de destaque nessas buscas.

Mas apesar de todo esse esforço, não existe ainda nem uma vacina, nem um remédio capaz de deter a doença, e nem se tem até agora, uma visão mais objetiva de como a evolução dessa pandemia estará em novembro, mês em que serão realizadas as eleições municipais.

No Brasil, ao lado do desenrolar da epidemia, a situação econômica se deteriora a olhos vistos, na medida em que, uma crise que vem de antes do surto epidêmico, se aprofunda enormemente em função de medidas de controle sanitário, necessárias para a proteção da vida do povo, mas que restringem as atividades econômicas, principalmente das camadas mais necessitadas.

Enquanto isso, o governo Bolsonaro, tem tratado a pandemia como um acontecimento de menor importância, uma ‘gripezinha’. Gripezinha essa que conforme a mesma fonte citada acima, temos no Brasil, no momento que escrevo, 2.166.532 de infectados e 81.597 mortes.

Não existe, no país, um plano nacional de combate ao vírus, o Ministério da Saúde está ocupado por um ministro interino, militar da ativa, e o presidente insiste em orientar a população a usar medicamentos que contrariam as orientações de médicos, da OMS, da ciência enfim, enquanto os governos Estaduais e Municipais, tomam em suas mãos, a tarefa de combater a pandemia de acordo com suas possibilidades. O que, é sem sombra de dúvida, uma postura correta por parte desses gestores, mas que, não elimina as deficiências decorrentes da falta de adequadas políticas públicas de combate ao Covid-19, de forma centralizada.

Com esse tipo de política aplicada pelo governo federal, de subestimação da pandemia, de negacionismo científico, de ausência de políticas de governo para o enfrentamento, a tendência é que teremos no segundo semestre um agravamento da situação econômica do país, com um brutal desemprego, fome etc. O que será um dos principais condicionantes das campanhas.

Assim a realização dessas eleições no curso da pandemia, será fortemente impactada por ela. Seja pelo agravamento da situação econômica, provocando desemprego e fome, seja aumentando o potencial de revolta das massas, seja levando o luto e mesmo desespero a famílias que perdem entes queridos.

Um outro vetor, que é necessário levar em conta nas campanhas será o ambiente político, stritu senso. O governo Bolsonaro, desde suas origens, vem demonstrando um viés antidemocrático muito forte, e tem se pautado por uma política de implantar no país um regime policial-autoritário. O seu continuado apoio a grupos de ultradireita que reivindicam uma dita “intervenção militar constitucional”; a existência nas dependências do Palácio do Planalto, próximo ao gabinete presidencial, de um foco de disseminação de notícias falsas, o dito “gabinete do ódio”; as reiteradas declarações de que os poderes Legislativo e Judiciário, o impedem de governar etc. etc. Tudo isso leva a um acirramento das contradições políticas, entre o presidente e os demais poderes formais da República e expressivos setores da sociedade, que de forma continuada, ameaça a irrupção de uma crise de poder. Diante desse quadro, e de recentes eventos que o agravaram, como a prisão de Queiroz, ação e reação enérgica do STF no combate as Fake News, entre outros, Bolsonaro foi obrigado a fazer um recuo tático, e procura estabelecer pontes com a sociedade e instituições de Estado, que o permitam continuar no governo.

Esse cenário, nos mostra que a campanha, será também um ambiente de acirrada luta em defesa da democracia, em defesa da independência dos poderes, em defesa do respeito às leis e a constituição, contra o abuso de autoridades, e em defesa do emprego, tudo isso imbricado com a defesa da vida. Ou seja, defender a vida contra o vírus, defender a democracia contra Bolsonaro e o autoritarismo, defender o emprego, são as faces de um mesmo triangulo, e deverão estar presentes, no nosso discurso de campanha.

Tempos difíceis esses em que se serão realizadas as eleições municipais de 2020.

Alguns problemas que merecem ser levados em consideração na campanha 

1. Diante dessa tripla tragédia- sanitária, política e econômica- que se abate sobre o povo, para conquistar o voto do eleitor, é necessário apresentar propostas políticas que estejam sintonizadas com suas necessidades e expectativas, isso sem dúvida será a chave da vitória, e o grande desafio das campanhas. Propostas que sejam capazes de atingir corações e mentes desse nosso povo sofrido, e que despertem nele a esperança de dias melhores. E a elaboração dessas propostas, exigira dos candidatos pesquisa dos problemas que existem em sua cidade, reflexão de como solucioná-los, apresentar soluções realistas e não mirabolantes. Particularmente os candidatos a vereador, que no geral, desenvolvem suas campanhas para um eleitorado específico, devem ter muito presente as demandas e aspirações de sua área. As plataformas eleitorais, de candidatos majoritários, também devem ter o mesmo escopo de serem o resultado de um planejamento de campanha onde os problemas do município que ele pretende governar sejam detectados, analisados e a luz desses procedimentos, elaboradas propostas para superá-los. Mas todos eles, candidato a vereador ou a prefeito, deverão combinar de forma adequada, sem artificialismos, a luta contra a pandemia, que significará a luta pela vida, com a denúncia de como isso tem sido enfrentado pelo governo de Bolsonaro. Mostrando que ele, governo, é o principal responsável pelo avanço indiscriminado do vírus, e que a presença de Bolsonaro na presidência, é o principal empecilho a um enfrentamento adequado da pandemia e suas consequências sociais, e da grave situação pela qual passam os municípios.

Uma tendência é que teremos eleições em ambiente muito tenso, e em meio a lutas sociais de envergadura, e com possível significativa taxa de abstenção.

2. Teremos também, de forma muito forte, o uso das mídias sociais como ferramenta destacada na busca do voto. Alguns já falam que essa será a campanha do WhatsApp. E tudo indica que será. Isso exigirá de nossa parte e dos candidatos em particular um grande esforço de dominar de forma adequada essas novas formas de comunicação. E se o uso das redes e mídias sociais já era apontado, por alguns, como a nova arena das disputas eleitorais, com a pandemia, torna-se indispensável. Mas camaradas, o uso dessas ferramentas, não é por si só uma força capaz de eleger alguém. O segredo para atingir eleitores, continua sendo antes de mais nada, falar-lhes ao coração, propor soluções para os graves problemas que ele está vivendo nesse momento de pandemia, de crise econômica, de ameaças democráticas. Com base em uma mensagem consistente o uso das mídias sociais passa a jogar um papel destacado. Então, a posse de um grande e atualizado banco de dados, de plataformas adequadas, de programas inteligentes, de algoritmos etc., capazes de potenciar o uso desses dados, aí sim, as mídias sociais, serão ferramentas importantíssimas. Aqui está o segredo da eficácia do uso das ‘mídias’. Mas isso custa caro, pois exige equipamentos adequados e competência técnica para que seja efetiva a sua utilização.

3. Nessas eleições também teremos que enfrentar dispositivos legais, que serão verdadeiras barreiras para a eleição de novos vereadores, e exigirão empenho, planejamento e decisão para superá-las.

A mais presente em nossas discussões, é a proibição de coligações proporcionais. É a primeira vez que essa norma será aplicada. Ela tem manifesto conteúdo antidemocrático, e se volta contra os partidos pequenos, mormente os chamados ‘ideológicos’, como se todos não o fossem. Esse viés antidemocrático, é tão flagrante que, para as disputas majoritárias, é permitido coligações. Mas existe uma outra norma, que é a primeira vez que será usada em eleições municipais, mas já foi usada nas eleições gerais de 2018, que é a exigência de que um candidato para ser eleito, terá que ter pelo menos 10% de votos do total de votos que sua legenda terá que ter para fazer o quociente eleitoral. Na realidade trata-se de uma forma de ‘cláusula de barreira’, pois o Partido, para eleger um vereador, além de atingir o quociente eleitoral, terá esse vereador de obter 10% dos votos do quociente. E isso se repete para se conseguir uma segunda vaga, e assim sucessivamente.

4. A defesa da democracia e a luta contra o autoritarismo bolsonarista estarão no centro da disputa do voto do eleitorado mais esclarecido, mais politizado, ou seja, a disputa do que se convencionou chamar voto de opinião.

Esse assunto merece ser acompanhado e analisado de perto. O fato é que diante do quadro político que se criou com o Governo Bolsonaro, de ameaça à democracia, de busca incessante e metódica de se instaurar um regime policial-autoritário, da incapacidade manifesta do ocupante do planalto de governar o país, e do seu estilo canhestro, rude, primário mesmo no trato das questões inerentes ao cargo que ocupa, uma importante parcela de eleitores, principalmente de grandes cidades, com nível maior de escolaridade, e mesmo algum nível de politização, que votaram em Bolsonaro, ou anularam o voto no segundo turno, com o argumento de evitar o mal maior, que para eles era o PT, estão decepcionados com o resultado do voto que deram, e são um público alvo que devemos tentar conquistar, ou reconquistar. Nesse sentido, a disputa desse voto se dará no terreno da disputa política, da luta de ideias, contra o autoritarismo e o abuso das autoridades, de defesa da democracia. Nossos candidatos deverão estar preparados para esses embates. Particularmente os candidatos a Prefeito de grandes cidades, poderão ter um bom resultado nesse tipo de embate. Mas isso, não deve e nem pode ser feito, dissociado da apresentação de um diagnóstico e propostas de soluções para os problemas das cidades.

5. Existe uma situação onde campanhas se desenvolverão em Estados e Cidades, governados por gestores do campo progressista e mesmo de esquerda, e com os quais estamos aliados, e em certos casos fazemos parte desses governos, em vários níveis. Onde isso ocorre podemos ser tentados a desenvolver nossa campanha com base em experiencias passadas, onde nossa disputa era fortemente dependente dessas alianças e relações institucionais.

Onde isso ocorre, não devemos apoiar nossa estratégia, de campanha, fundamentalmente, no apoio e uso de instrumentos disponibilizados por esse tipo de alianças. Mormente nas disputas para vereador, mas em disputas majoritárias também. Creio que a tendência é que esse tipo de apoio reflua bastante nessas eleições, particularmente onde temos candidato majoritário.

Embora esse tipo de estratégia de campanha, tenha sido largamente utilizada por nós até agora, é necessário levarmos em conta, com seriedade, a nova conjuntura que vivemos: ascensão da direita; derrota de 2018; desgaste da política; desgaste da esquerda e principalmente do PT etc. Isso tudo impactará na disputa, e terá consequência sobre o papel de quem detém cargos executivo, na esfera municipal e estadual. Podendo existir situações, de que esses executivos não sejam boas companhias na disputa.

Diante disso, ao mesmo tempo que estamos aliados com esses governos, devemos ampliar nossas campanhas para além das esferas institucionais, e procurar levantar bandeiras que atinjam o povão, os empregados formais, pequenos e médios empresários e mesmo empresários de maior porte. Concretamente, além e destacadamente, de exigir que o governo Bolsonaro mantenha a ajuda emergência de R$ 600,00, libere créditos aos empresário para que mantenham seus negócios funcionando e assim existam empregos etc., necessitamos também de estimular e reivindicar que os governos estaduais e municipais, prestem solidariedade ativa a população nessa hora, mormente aos mais necessitados. Abrindo “frentes de trabalho” para os desempregados e mais carentes, estimulando pequenos e médios empresários com medidas fiscais que aliviem suas dificuldades etc. Para isso nossos candidatos devem apresentar propostas, e não ficarem limitados a apoiar e repetir as medidas que esses governos estejam tomando. No fundo, marcar um certo distanciamento dos governantes. Sair da ‘bolha’ institucional.

6. Outra questão política, que surgiu recentemente, estimulada pelo movimento de reação ao assassinato pela polícia, do negro americano George Floyd, diz respeito a onda de revisionismo histórico que grassa no mundo e tem seus reflexos entre nós e nas incipientes campanhas eleitorais. Derrubam-se estatuas, retira-se bustos de personalidades de locais públicos etc.

Concretamente, em reuniões de acompanhamento de projetos eleitorais em Estados, já me deparei com esse tipo de problema. Mormente em Capitais e certas grandes cidades, existem círculos de intelectuais, de artistas, de jovens, que começam a discutir a necessidade se reescrever as histórias desses estados e cidades. A guisa de exemplo, e sem entrar no mérito, cito dois casos. Em Teresina, um candidato nosso a vereador, artista de renome, que está ativo nas mídias sociais, e que é nosso candidato nessa área, relatou que um grupo de WhatsApp, que ele participa, estava muito envolvido, numa discussão sobre a retirada de uma escultura, que fica no acesso ao campus da universidade federal local, e que é uma homenagem a fundação de Teresina. Argumenta-se que a cidade foi construída com trabalho escravo etc. Já no Ceará, foi colocado que surge um debate com o fito de questionar o fato de que na história cearense, o Estado teria tido um papel precursor na abolição da escravatura.

Esse problema é real, exige sensibilidade no trato, e atinge círculos sociais onde o voto de opinião é significativo.

Ao exercer a correta crítica histórica, ao papel de como as elites dominantes, em cada momento de sua existência, foram brutais, e mesmo desumanas, isso deve ser feito de forma dialética, onde a necessária contextualização histórica desse eventos permita que os mesmos sejam avaliados a luz do processo de desenvolvimento civilizacional da humanidade.

Em resumo, devemos evitar a armadilha de enveredarmos pela discussão desse revisionismo histórico, de forma idealista. Ativos círculos de intelectuais e de ativistas sociais realizam esse debate e fazem proposições políticas dele decorrentes baseados em uma visão teórica e histórica, generosa, mas idealista, que abstrai as circunstancias em que esses fatos ocorreram, negando com isso a noção básica de que a evolução da humanidade é um processo contraditório, marcado por muitas injustiças, mas que no fundamental é um processo de avanço, de construção civilizacional, que se desenrola de forma processual, com saltos revolucionários, e que nos conduziram aos dias de hoje, onde a humanidade atingiu patamares nunca antes existentes, seja nas condições de vida material; desenvolvimento científico, tecnológico etc., seja nas condições de vida espiritual; educação, cultura, artes, etc.

O nosso Partido, em seu documento, 500 anos de luta (SP 22 de abril de 2000), divulgado quando das comemorações dos quinhentos anos da chegada dos europeus, ao litoral do que hoje é o Brasil, analisa de forma correta o processo de construção da Nacionalidade e da Nação brasileira. Cito abaixo um trecho desse documento, que a meu juízo, coloca de forma correta e feliz, o cerne dessa questão, e deve ser a linha orientadora de nossas argumentações nesses debates:

“Nação nova, entre tantas outras de civilização e cultura milenares, a despeito de estruturas sociais e políticas arcaicas que persistem, o Brasil é resultado do convívio histórico de gerações sucessivas que forjaram uma cultura original, base de uma civilização flexível, criativa, aberta e assimiladora, temperada pelos conflitos e lutas que pontuaram a trajetória de milhões de homens e mulheres que aqui viveram, trabalharam e agiram através dos séculos.”

“O povo brasileiro é o autor e o herói dos avanços ocorridos em nosso país; ele resulta do amálgama de povos do Novo e do Velho mundos. O processo histórico desta formação foi doloroso, brutal, marcado pela escravidão e pela violência, condicionado pelos interesses de uma elite colonizada. Mas o resultado é grandioso: um povo novo, uno, com um modo original de afirmar sua identidade e assimilar as diferenças, que tem uma contribuição efetiva a oferecer à convivência entre os seres humanos.”


* Ronald Freitas é advogado e membro da direção nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

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