domingo, 23 de agosto de 2020

Defesa contra a educação

Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:

Tem chamado atenção e despertado críticas a proposta de orçamento para 2021, que prevê mais recursos para a defesa do que para a educação. Invertendo um perfil histórico e a lógica da civilização, as Forças Armadas seriam vestidas com o tecido cortado das escolas. Sai o uniforme, entra a farda. Menos merenda e mais rancho. Salário de professor em baixa para manutenção dos privilégios da caserna.

O país não está em guerra. A não ser contra a pandemia. No entanto, os recursos para a saúde, mesmo nesse contexto, têm sido reduzidos a patamares inferiores em alguns estados. Em Minas Gerais, por exemplo, o governador Romeu Zema sequer chegou a cumprir o mínimo constitucional de investimentos no setor. Assim, o corte em educação se soma à faca passada na saúde para compor um panorama assustador.

O método do governador mineiro é claro: não faz testes para não aumentar o número de casos, deixa hospitais prontos de portas fechadas para não se comprometer com contratações de pessoal, evita liderar um esforço coletivo se escudando em protocolos formais. Num discurso que afronta a realidade – já que o estado lidera número de novos casos e mortes nas últimas semanas – comemora a chegada ao topo da curva, apontando que agora a tendência é de queda. Seria cruel se não fosse irresponsável.

O mandatário vem colecionando ações antipopulares no campo das políticas públicas desde sua posse. Além do ataque à saúde e à educação em diferentes oportunidades, demonstrou recentemente sua maldade ao comandar o despejo de famílias de sem-terra no Sul de Minas, em plena pandemia. Para deixar a marca do selo de iniquidade que acompanha Zema em tudo que faz, não faltou nem mesmo a destruição da escola erguida pela comunidade. Além de não fazer, destrói o que os outros constroem.

Há uma vontade de emular Bolsonaro por parte de Romeu Zema, só que guarnecida de certa reserva em termos de comportamento e postura. O governador mineiro não vocifera, é sorrateiro. Não costuma comprar brigas em defesa do conservadorismo, prefere o cinismo. Em vez de buscar fortalecer suas bases pelas redes sociais, como seu mestre, adota o feitio discreto das alianças feitas por cima.

Tem se aproximado do presidente para canalizar a aprovação em seu gado cativo, mas, escorregadio, passa sebo no lombo para preservar o apoio de setores menos tacanhos, embora igualmente reacionários. Mantém um figurino de crítico do sistema, embora tenha recheado sua equipe de caciques de partidos de direita e seus indicados. Acha que é esperto, quando na verdade é apenas covarde.

A dicotomia entre defesa, de um lado, e educação, de outro, pode ser reescrita simbolicamente como a contraposição entre passado e futuro; conservadorismo ou renovação; preservação das diferenças ou inclusão; atraso ou progresso. Quem coloca a defesa na frente quer manter o atual estado de coisas. Quem aposta na educação, tem como fundamento a perspectiva de transformação. De um lado as armas, de outro as almas.

Um governo que afirma seu propósito de gastar mais com a repressão, deixa clara sua intenção de jogar contra a liberdade. Por isso o descrédito com o conhecimento, a ciência, a pesquisa, a cultura, a tolerância, a diversidade e a diminuição das desigualdades. Em tal situação, mesmo o investimento em educação formal passa pelo crivo dos valores da defesa, ao considerar que o conhecimento é fruto de verdades inquestionáveis, alinhadas por um lado com o autoritarismo e a ortodoxia e por outro com o mercado e suas necessidades.

Por tudo isso, não espanta que orçamento que vai ser votado tenha assumido essa vertente reativa. O atual governo não quer outra mudança que não o aprofundamento de suas diretrizes conservadoras em moral e ultraliberais em economia. O grande projeto do bolsonarismo é conseguir juntar essas duas pontas. Foi para isso que o evangelismo e boçalidade se aliaram ao capital e à imprensa familiar. Educação, nesse sentido, só atrapalha.

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