Por Jair de Souza
Conforme o que vem sendo noticiado, a acusação contra Deltan Dallagnol e seu criminoso “power point” contra Lula deverá ser arquivada por prescrição no tempo.
É só mais um caso daqueles em que o comportamento do Judiciário vai de encontro aos interesses dos membros da corporação e de outros grupos aos quais essa corporação serve.
Considero um grave erro isso de que muita gente de esquerda deposite excessiva esperança nas decisões do Judiciário. O funcionamento do Poder Judiciário, assim como o de todos os outros poderes do Estado, depende fundamentalmente do processo de luta de classes que se trava em um momento determinado da história.
Existe um debate no seio das forças populares sobre a validade ou não da luta através dos canais das instituições oficiais do Estado burguês. Seria acertada a posição assumida por certos lutadores do campo popular que defendem nossa presença e nosso constante combate tanto no Judiciário como nos demais espaços de luta existentes em instâncias que, em sua essência, foram formadas e moldadas para defender os interesses das classes dominantes? Ou, ao contrário, o correto seria que toda nossa dedicação se concentrasse nos esforços para construir organização e força de atuação por fora dos esquemas nos quais os setores oligárquicos e seus apoiadores pretendem nos conter e limitar?
Em meu entender, é possível encontrar razões que sirvam de sustentação a ambas essas visões. Porém, por outro lado, também não nos seria difícil descobrir motivos pelos quais a adesão exclusiva a um ou outro desses dois posicionamentos pode ser criticada e ter suas limitações expostas.
O que me parece que anda faltando aos partidos e às organizações populares é uma compreensão de que, na verdade, a luta nunca pode ser reduzida a tão somente uma dessas vertentes. Vai-nos ser muito difícil obter avanços significativos sem a consciência de que precisamos agir de modo coordenado em todos os espaços de luta imagináveis. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que lutadores de nosso campo estejam engajados em batalhas em áreas das instituições do Estado formal, outros dos nossos precisam estar presentes nas lutas para forjar as estruturas que permitam resistir aos golpes advindos das forças reacionárias e dar sustentação aos que lutam por transformações profundas, que vão afetar a própria estrutura do aparelho de Estado.
No entanto, embora tenhamos claro que a luta deve ser travada em todas as instâncias e em todos os espaços em que ela se faz necessária, não podemos deixar de ter clareza de qual é o tipo de trabalho político determinante, ou seja aquele que vai ter mais peso, para que os objetivos almejados sejam alcançados. E é a decisão sobre esta questão a que vamos ter de resolver, se desejamos realmente dar passos rumo a um futuro em que tenhamos uma sociedade mais justa, mais solidária, mais igualitária.
Atualmente, estamos em constante dependência de qual vai ser a decisão do Poder Judiciário sobre tal ou qual caso. Os crimes praticados pelo ex-juiz Sérgio Moro e a quadrilha Lava-Jato sempre estiveram visíveis para todos os que não queriam ignorá-los. No entanto, depois de todas as revelações feitas pela Vaza-Jato, mesmo os que fingiam não conseguir enxergá-los já não se sentem em condições de manter os olhos fechados.
Não obstante, apesar de todas as evidências e provas que já vieram à tona, o Judiciário não toma as decisões que seriam de se esperar caso a Justiça fosse de veras imparcial. A procrastinação no caso do julgamento da parcialidade de Sérgio Moro nos casos envolvendo o ex-presidente Lula é típica desse comportamento tendencioso por parte do Judiciário. Tudo vai sendo adiado e demorado como forma de evitar uma tomada de posição clara sobre a questão. A corporação judiciária conta com que o passar do tempo leve a causa a ser arquivada. Assim, um dos crimes mais hediondos já praticados contra os interesses da democracia e da nação vai em breve estar prescrito e o criminoso que o praticou vai sair totalmente impune. Não assim suas vítimas que, além do ex-presidente Lula, incluem os milhões de brasileiros que sofreram as consequências das medidas criminosas do ex-juiz e foram lançados ao desespero do desemprego e da miséria.
Diante disto, cabe uma pergunta: Por que o Judiciário insiste em não tomar as decisões que a leitura das leis o obrigaria a tomar? A resposta está onde sempre esteve quando se trata deste tipo de questão. O Judiciário toma ou não toma as medidas que as leis exigem em razão da luta de classes. Para deixar tudo bem mais claro, é a luta de classes o fator determinante para a atuação do Judiciário. Sim, o Judiciário está agindo desta maneira não apenas porque a maioria de seus integrantes pertencem às classes sociais a quem essas medidas antipopulares beneficiam, mas também porque não há força organizada suficiente que se contraponha a seu impulso favorável aos interesses oligárquicos.
E, para deixar ainda mais clara a essência da luta de classes neste e em outros casos, precisamos nos questionar: De onde provêm as forças que sustentam os diferentes segmentos que formam uma sociedade?
A origem da força que ampara os setores oligárquicos está à vista de todos: é sua propriedade dos principais recursos materiais da sociedade: dinheiro, terras, imóveis, fábricas, etc. São esses recursos que lhes dão a possibilidade de fazer valer seus interesses sobre o conjunto da nação. Com tais recursos eles podem também impor seu domínio ideológico sobre todo a aparato de Estado, assim como montar seus esquemas de comunicação de modo a alcançar a todos com as ideias e interpretações que lhes favoreçam. Todo este arcabouço de forças lhes permite contratar e cooptar o grosso de seus representantes, aqueles que vão atuar em defesa de seus interesses de classe, mesmo que muitas vezes esses indivíduos não provenham das elites eles mesmos.
Apesar de serem numericamente majoritários, os setores populares não dispõem de equivalente poder em termos de riquezas materiais. Por isso, sua força depende essencialmente do nível de compreensão e da capacidade de organização que venham a atingir em seu processo de luta. Sem uma força organizada e estruturada para lhe dar respaldo, nenhuma lei que beneficie a classe trabalhadora vai ser respeitada. É por isso que o trabalho constante junto às bases tem tanta importância.
Como já foi dito há muito tempo, sem a força que a garanta, uma lei não passa de palavras escritas em um papel.
Se os partidos políticos de esquerda e todas as organizações que aspiram representar o povo trabalhador querem de fato obrigar o Judiciário a cumprir com as leis que são de interesse do conjunto dos trabalhadores, vai ser preciso estar presentes nas bases para dar muita mais ênfase ao trabalho de organizar e transmitir consciência a esse povo. É, certamente, um trabalho nada fácil de ser feito, mas não pode deixar de ser feito.
Sem isso, por mais que nossos advogados e militantes da área jurídica se empenhem, o Poder Judiciário vai continuar decidindo em favor dos poderosos de sempre.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
Conforme o que vem sendo noticiado, a acusação contra Deltan Dallagnol e seu criminoso “power point” contra Lula deverá ser arquivada por prescrição no tempo.
É só mais um caso daqueles em que o comportamento do Judiciário vai de encontro aos interesses dos membros da corporação e de outros grupos aos quais essa corporação serve.
Considero um grave erro isso de que muita gente de esquerda deposite excessiva esperança nas decisões do Judiciário. O funcionamento do Poder Judiciário, assim como o de todos os outros poderes do Estado, depende fundamentalmente do processo de luta de classes que se trava em um momento determinado da história.
Existe um debate no seio das forças populares sobre a validade ou não da luta através dos canais das instituições oficiais do Estado burguês. Seria acertada a posição assumida por certos lutadores do campo popular que defendem nossa presença e nosso constante combate tanto no Judiciário como nos demais espaços de luta existentes em instâncias que, em sua essência, foram formadas e moldadas para defender os interesses das classes dominantes? Ou, ao contrário, o correto seria que toda nossa dedicação se concentrasse nos esforços para construir organização e força de atuação por fora dos esquemas nos quais os setores oligárquicos e seus apoiadores pretendem nos conter e limitar?
Em meu entender, é possível encontrar razões que sirvam de sustentação a ambas essas visões. Porém, por outro lado, também não nos seria difícil descobrir motivos pelos quais a adesão exclusiva a um ou outro desses dois posicionamentos pode ser criticada e ter suas limitações expostas.
O que me parece que anda faltando aos partidos e às organizações populares é uma compreensão de que, na verdade, a luta nunca pode ser reduzida a tão somente uma dessas vertentes. Vai-nos ser muito difícil obter avanços significativos sem a consciência de que precisamos agir de modo coordenado em todos os espaços de luta imagináveis. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que lutadores de nosso campo estejam engajados em batalhas em áreas das instituições do Estado formal, outros dos nossos precisam estar presentes nas lutas para forjar as estruturas que permitam resistir aos golpes advindos das forças reacionárias e dar sustentação aos que lutam por transformações profundas, que vão afetar a própria estrutura do aparelho de Estado.
No entanto, embora tenhamos claro que a luta deve ser travada em todas as instâncias e em todos os espaços em que ela se faz necessária, não podemos deixar de ter clareza de qual é o tipo de trabalho político determinante, ou seja aquele que vai ter mais peso, para que os objetivos almejados sejam alcançados. E é a decisão sobre esta questão a que vamos ter de resolver, se desejamos realmente dar passos rumo a um futuro em que tenhamos uma sociedade mais justa, mais solidária, mais igualitária.
Atualmente, estamos em constante dependência de qual vai ser a decisão do Poder Judiciário sobre tal ou qual caso. Os crimes praticados pelo ex-juiz Sérgio Moro e a quadrilha Lava-Jato sempre estiveram visíveis para todos os que não queriam ignorá-los. No entanto, depois de todas as revelações feitas pela Vaza-Jato, mesmo os que fingiam não conseguir enxergá-los já não se sentem em condições de manter os olhos fechados.
Não obstante, apesar de todas as evidências e provas que já vieram à tona, o Judiciário não toma as decisões que seriam de se esperar caso a Justiça fosse de veras imparcial. A procrastinação no caso do julgamento da parcialidade de Sérgio Moro nos casos envolvendo o ex-presidente Lula é típica desse comportamento tendencioso por parte do Judiciário. Tudo vai sendo adiado e demorado como forma de evitar uma tomada de posição clara sobre a questão. A corporação judiciária conta com que o passar do tempo leve a causa a ser arquivada. Assim, um dos crimes mais hediondos já praticados contra os interesses da democracia e da nação vai em breve estar prescrito e o criminoso que o praticou vai sair totalmente impune. Não assim suas vítimas que, além do ex-presidente Lula, incluem os milhões de brasileiros que sofreram as consequências das medidas criminosas do ex-juiz e foram lançados ao desespero do desemprego e da miséria.
Diante disto, cabe uma pergunta: Por que o Judiciário insiste em não tomar as decisões que a leitura das leis o obrigaria a tomar? A resposta está onde sempre esteve quando se trata deste tipo de questão. O Judiciário toma ou não toma as medidas que as leis exigem em razão da luta de classes. Para deixar tudo bem mais claro, é a luta de classes o fator determinante para a atuação do Judiciário. Sim, o Judiciário está agindo desta maneira não apenas porque a maioria de seus integrantes pertencem às classes sociais a quem essas medidas antipopulares beneficiam, mas também porque não há força organizada suficiente que se contraponha a seu impulso favorável aos interesses oligárquicos.
E, para deixar ainda mais clara a essência da luta de classes neste e em outros casos, precisamos nos questionar: De onde provêm as forças que sustentam os diferentes segmentos que formam uma sociedade?
A origem da força que ampara os setores oligárquicos está à vista de todos: é sua propriedade dos principais recursos materiais da sociedade: dinheiro, terras, imóveis, fábricas, etc. São esses recursos que lhes dão a possibilidade de fazer valer seus interesses sobre o conjunto da nação. Com tais recursos eles podem também impor seu domínio ideológico sobre todo a aparato de Estado, assim como montar seus esquemas de comunicação de modo a alcançar a todos com as ideias e interpretações que lhes favoreçam. Todo este arcabouço de forças lhes permite contratar e cooptar o grosso de seus representantes, aqueles que vão atuar em defesa de seus interesses de classe, mesmo que muitas vezes esses indivíduos não provenham das elites eles mesmos.
Apesar de serem numericamente majoritários, os setores populares não dispõem de equivalente poder em termos de riquezas materiais. Por isso, sua força depende essencialmente do nível de compreensão e da capacidade de organização que venham a atingir em seu processo de luta. Sem uma força organizada e estruturada para lhe dar respaldo, nenhuma lei que beneficie a classe trabalhadora vai ser respeitada. É por isso que o trabalho constante junto às bases tem tanta importância.
Como já foi dito há muito tempo, sem a força que a garanta, uma lei não passa de palavras escritas em um papel.
Se os partidos políticos de esquerda e todas as organizações que aspiram representar o povo trabalhador querem de fato obrigar o Judiciário a cumprir com as leis que são de interesse do conjunto dos trabalhadores, vai ser preciso estar presentes nas bases para dar muita mais ênfase ao trabalho de organizar e transmitir consciência a esse povo. É, certamente, um trabalho nada fácil de ser feito, mas não pode deixar de ser feito.
Sem isso, por mais que nossos advogados e militantes da área jurídica se empenhem, o Poder Judiciário vai continuar decidindo em favor dos poderosos de sempre.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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