sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Caetano Veloso é vítima de uma infâmia

Por Gilberto Maringoni

Caetano Veloso está sendo usado numa campanha de interdição do debate e de cancelamento, como virou moda falar.

Caetano é acusado de "stalinista" por gente de má-fé extrema.

Caetano não é e nunca foi stalinista, até por ser anacrônico classificar alguém como tal, fora do contexto histórico em que viveu Josef Stalin. Pode-se debater a vida e o tempo do líder comunista à exaustão.

Só penso ser pauta para lá de lateral no Brasil de hoje, a não ser para uma bolha apartada das urgências da vida.

Falemos de Caetano. A polêmica começou por ele recusar o epíteto de "liberalóide" em uma entrevista concedida a Pedro Bial. O que Caetano faz é - genericamente - mencionar experiências socialistas que passou a respeitar. Genericamente. Na entrevista, Caetano cita Jones Manoel e remete ao livro "Contra-história do liberalismo", de Domenico Losurdo. Ponto.

Losurdo foi um sólido intelectual comunista italiano, com pesquisas nos campos de história, política e filosofia.

Acontece que, entre outros, Losurdo escreveu uma importante avaliação histórica sobre Josef Stálin (1878-1953). Como o autor italiano se recusa a fazer o terraplanismo usual contra o georgiano e usa a métrica da honestidade intelectual para avaliar a História, logo Losurdo é stalinista

(Ninguém entre seus detratores se lembra que Losurdo critica firmemente os processos de Moscou e o terror. Mas também examina os inegáveis avanços sociais da URSS na primeira metade do século XX).

Não importa, o rótulo é grudento.

Pontuemos aqui: Stálin não estava em pauta na conversa de Caetano.

Mas quem ele pensa que engana? Caetano disse não ser liberalóide, mas será que ninguém percebe que isso está a um passo de defender execuções, matanças a granel e uma ditadura feroz? Até os tocos queimados do Pantanal sabem disso.

A fieira fica assim: Caetano fala de Jones que fala de Losurdo que – entre dezenas de assuntos – fala de Stálin.

Logo, todo mundo é stalinista! Lacrou!

O problema para os que atacam Caetano-Jones-Losurdo é que defender o liberalismo real é muito complicado. 

Veja o pacote que segue no mesmo embrulho: racismo, trabalho escravo, Paulo Guedes, queimadas na Amazônia, Trump, Líbia, Afeganistão, Iraque, Guantanamo, crise de 2008, pandemia etc. etc.

O liberalismo traz consigo uma imensa zona cinza, um kit gray.

Pesado.

É mais fácil criar um espantalho e inverter a pauta.

E a inversão se dá acusando Caetano de ser partidário dos processos de Moscou, dos gulags e da matança de 20 milhões de comunistas russos (não importa que não existissem tantos seguidores do marxismo-leninismo assim).

Caetano revelou-se vil ao revelar que seu ídolo é alguém comparável a Hitler....

Pronto, está criada a rota alucinógena da lacração e do cancelamento do debate. 

Sigamos, nós grande mídia, a defender cortes de gastos, austeridade, desmonte do Estado etc. etc.

Acabou o ruído. Quem daqui por diante atacar o liberalismo já tem um nome: stalinista! Stalinista de Ipanema!

Não contavam com nossa astúcia!

(Discutir R$ 600 na mão do povo até o fim da pandemia, nem pensar! Vamos lacrar em cima de Stálin, que é muito mais negócio).

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