Por Franzé Ribeiro, Eduardo Barbabela e João Feres Jr., no site Manchetômetro:
O governo do Estado do Rio de Janeiro novamente está em meio a investigações quanto a possíveis desvios de recursos públicos, desta vez envolvendo o superfaturamento na compra de respiradores e a construção de hospitais de campanha, estrutura fundamental na estratégia de combate à pandemia do novo coronavírus. Resultado: pelos menos seis secretários de Estado deixaram seus cargos, e quatro servidores e três empresários foram presos. O governador Wilson Witzel (PSC) foi alvo de mandado de busca e apreensão das investigações, foi afastado do cargo por seis meses e ainda enfrenta um processo de impeachment na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
A população tomou conhecimento de tudo isso pela imprensa local e nacional. Nesta edição da Série M, o Manchetômetro analisou oito editoriais do jornal GLOBO para entender a posição oficial do jornal sobre o tema e as opções políticas expressas fornecidas nos editoriais, sejam elas explícitas ou não. Foram dois editoriais em maio, três em junho, um em julho e um em setembro. Houve uma escalada no tom de cada editorial, à medida que os fatos surgiam das investigações e do processo jurídico. A cautela inicial em relação ao governador Witzel foi dando lugar a opiniões mais fortes ao longo da série de textos publicados, chegando a contrariar posicionamentos que o jornal adotava há anos sobre a ação do Judiciário na política.
O primeiro editorial do GLOBO foi publicado no dia 22 de maio, 15 dias após a operação Mercadores do Caos, que prendeu o ex-subsecretário de Saúde do Rio de Janeiro e seu sucessor. O editorial não ataca diretamente Witzel, mas as gestões “ineptas e fraudulentas, em que o dinheiro público é roubado de forma deslavada”. Em seu segundo editorial, O GLOBO subiu o tom sobre o escândalo na Saúde do Rio de Janeiro. O texto não afasta as “fartas evidências de grossa corrupção nos gastos do governo do estado em hospitais de campanha e na compra de equipamentos…”, por outro lado, expressa a preocupação com a cadeia de trocas de comando, desde o Ministério da Justiça até o diretor-geral da PF no Rio. Sem esconder números, valores e nem autoridades implicadas, o editorial se refere à primeira dama, Helena Witzel, “também citada nas investigações”, para concluir que, se tudo for provado, será “mais um estágio na degradação ética da política carioca e fluminense”.
A temperatura continuou alta no terceiro editorial, publicado em 6 de junho, que relembra a trajetória eleitoral para dizer que o “ex-juiz federal foi catapultado à vitória pela onda pró-Bolsonaro…”, empunhando a bandeira do combate à corrupção. Contudo, continua o texto, “o próprio governador é investigado na operação Placebo, da PF, que apura fraudes na saúde durante a pandemia”. Foi a primeira vez que a palavra impeachment aparece na série de editoriais. Outro editorial de forte conteúdo foi publicado no dia 18 do mesmo mês, sentenciando que “após sucessivos governos marcados por vultosos saques ao dinheiro público, inclusive na saúde, percebe-se que a corrupção endêmica ainda é um mal a ser extirpado no estado”.
O acompanhamento da crise na saúde gerou o quinto editorial, publicado em 27 de junho, na época da fala do ex-secretário de saúde Fernando Ferry sugerindo que a pasta é ingovernável. É também o segundo editorial da série em que aparece a palavra impeachment, processo ainda tratado com cautela pelo jornal. No sexto editorial da série, do dia 29 de julho, o GLOBO critica a estratégia do governador de deslocar a questão política do impeachment para a arena jurídica, mediante recurso ao STF. Para desconstruir o governador, o jornal retoma o apoio dele a Bolsonaro durante as eleições de 2018, aproveitando o espaço para criticar o presidente. Ao mencionar a vitória perante a Corte, em despacho do ministro Dias Toffoli, diz que Witzel se beneficiou de um “amplo espaço de manobra que o Supremo abriu na fronteira entre o Judiciário e o Legislativo”. Além da crítica à decisão de Toffoli, o editorial reclama da tomada de graves decisões de forma monocrática durante o recesso judiciário. E conclui com uma dura afirmação em relação ao que chama de “politização da Justiça e a judicialização da política”: “Nessa troca, diz um jurista, ‘a política não tem o que ganhar e a Justiça tem tudo o que perder’”.
Para quem ainda tinha dúvida sobre o posicionamento do jornal em relação ao impeachment do governador Witzel, o sétimo editorial resolve a questão. O Globo subiu mais alguns degraus na escala de temperatura política. Escreveu em letras garrafais que “independente da responsabilidade pessoal de Witzel pelo escândalo na saúde, o governo se tornou insustentável”. Sobre o envolvimento do governador, o texto se posiciona sem subterfúgios. “Independente de Witzel ter responsabilidade ou não sobre o esquema, seu governo se transformou num foco de malfeitos (…). O afastamento é importante para que os fatos sejam apurados com isenção e rigor.” O jornal informa que o vice-governador, Cláudio Castro, também foi alvo de busca e apreensão. Mas parece dar a ele um voto de confiança: o substituto de Witzel “terá muito o que fazer”. E enumera uma série de ações necessárias, urgentes e de longo prazo a serem feitas pelo sucessor Cláudio Castro que, aliás, recebe juras de amor eterno da família Bolsonaro, tal qual Witzel recebera em 2018.
No dia 2 de setembro, o pleno do Superior Tribunal de Justiça confirmou o afastamento do governador Witzel por 180 dias, e O Globo havia publicou seu oitavo editorial sobre a crise. O título: “STJ precisa dirimir dúvida jurídica sobre afastamento de Witzel” resume o seu conteúdo. O texto traz o debate sobre as últimas decisões do Judiciário e solicita uma posição que venha a corrigir eventuais falhas no processo, visando sanear qualquer irregularidade, afinal, a decisão fora tomada de forma monocrática por um dos ministros do STJ. O editorial encerra afirmando que “o trâmite legal está funcionando”. Não se pode falar, portanto, em perseguição a Witzel – que de resto ainda enfrenta um processo de impeachment, com chance exígua de vencer”.
O jornal O Globo se preocupa muito mais em construir narrativas nacionais e costuma deixar os debates sobre o estado e a cidade do Rio de Janeiro de lado. O caso de corrupção no governo Witzel faz o jornal retomar seu interesse pela política estadual. À medida que as informações preliminares demonstraram que Witzel pode estar envolvido no escândalo, o jornal foi se distanciando da posição neutra e tornando-se mais crítico ao agora governador afastado, ao passo que fortalecia seu apoio a Cláudio Castro. Embora seja destacado que o governador interino também é investigado no inquérito, o jornal ainda dá seu voto de confiança e enumera as ações necessárias para o Rio de Janeiro conseguir retomar sua recuperação econômica.
No entanto, é digno de nota o fato de que, após tantos anos de adesão entusiasmada à Operação Lava Jato, mantida mesmo quando as mensagens entre Moro e os procuradores vazaram, revelando práticas ilegais e imorais, o jornal venha a criticar a judicialização de política no caso de Wilson Witzel. Ora, a Lava Jato é o caso mais superlativo de judicialização da política e de politização do judiciário que já tivemos no Brasil, e que gerou um sem número de aberrações, entre elas a tentativa de interferência na eleição do Senado, pela qual Deltan Dallagnol foi recentemente condenado pelo CNMP. Mas o jornal se manteve silente, quando não francamente em favor da operação, mesmo em seus piores momentos. Agora, no caso Witzel tivemos a oportunidade de observar um exemplo chocante de “dois pesos, duas medidas” praticado pelo jornal. É bastante razoável criticar a decisão monocrática de um único magistrado que afasta um chefe do poder executivo, eleito pelo voto popular, como mais uma aberração da judicialização da política. Mas o jornal aplica essa régua para avaliar apenas a decisão de Toffoli em favor de Witzel, e esquece dela quando a decisão de Ministro do STJ desfavorece o governador. Aí “o trâmite legal está funcionando”, declara o Globo.
Por fim, o zelo do jornal que clama pela solução rápida do caso em pauta não se observa em relação a outras denúncias de corrupção recentemente surgidas, como aquelas contra o senador José Serra e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB. O cão de guarda de O Globo tem antolhos que prejudicam gravemente a coerência de seu posicionamento editorial.
A população tomou conhecimento de tudo isso pela imprensa local e nacional. Nesta edição da Série M, o Manchetômetro analisou oito editoriais do jornal GLOBO para entender a posição oficial do jornal sobre o tema e as opções políticas expressas fornecidas nos editoriais, sejam elas explícitas ou não. Foram dois editoriais em maio, três em junho, um em julho e um em setembro. Houve uma escalada no tom de cada editorial, à medida que os fatos surgiam das investigações e do processo jurídico. A cautela inicial em relação ao governador Witzel foi dando lugar a opiniões mais fortes ao longo da série de textos publicados, chegando a contrariar posicionamentos que o jornal adotava há anos sobre a ação do Judiciário na política.
O primeiro editorial do GLOBO foi publicado no dia 22 de maio, 15 dias após a operação Mercadores do Caos, que prendeu o ex-subsecretário de Saúde do Rio de Janeiro e seu sucessor. O editorial não ataca diretamente Witzel, mas as gestões “ineptas e fraudulentas, em que o dinheiro público é roubado de forma deslavada”. Em seu segundo editorial, O GLOBO subiu o tom sobre o escândalo na Saúde do Rio de Janeiro. O texto não afasta as “fartas evidências de grossa corrupção nos gastos do governo do estado em hospitais de campanha e na compra de equipamentos…”, por outro lado, expressa a preocupação com a cadeia de trocas de comando, desde o Ministério da Justiça até o diretor-geral da PF no Rio. Sem esconder números, valores e nem autoridades implicadas, o editorial se refere à primeira dama, Helena Witzel, “também citada nas investigações”, para concluir que, se tudo for provado, será “mais um estágio na degradação ética da política carioca e fluminense”.
A temperatura continuou alta no terceiro editorial, publicado em 6 de junho, que relembra a trajetória eleitoral para dizer que o “ex-juiz federal foi catapultado à vitória pela onda pró-Bolsonaro…”, empunhando a bandeira do combate à corrupção. Contudo, continua o texto, “o próprio governador é investigado na operação Placebo, da PF, que apura fraudes na saúde durante a pandemia”. Foi a primeira vez que a palavra impeachment aparece na série de editoriais. Outro editorial de forte conteúdo foi publicado no dia 18 do mesmo mês, sentenciando que “após sucessivos governos marcados por vultosos saques ao dinheiro público, inclusive na saúde, percebe-se que a corrupção endêmica ainda é um mal a ser extirpado no estado”.
O acompanhamento da crise na saúde gerou o quinto editorial, publicado em 27 de junho, na época da fala do ex-secretário de saúde Fernando Ferry sugerindo que a pasta é ingovernável. É também o segundo editorial da série em que aparece a palavra impeachment, processo ainda tratado com cautela pelo jornal. No sexto editorial da série, do dia 29 de julho, o GLOBO critica a estratégia do governador de deslocar a questão política do impeachment para a arena jurídica, mediante recurso ao STF. Para desconstruir o governador, o jornal retoma o apoio dele a Bolsonaro durante as eleições de 2018, aproveitando o espaço para criticar o presidente. Ao mencionar a vitória perante a Corte, em despacho do ministro Dias Toffoli, diz que Witzel se beneficiou de um “amplo espaço de manobra que o Supremo abriu na fronteira entre o Judiciário e o Legislativo”. Além da crítica à decisão de Toffoli, o editorial reclama da tomada de graves decisões de forma monocrática durante o recesso judiciário. E conclui com uma dura afirmação em relação ao que chama de “politização da Justiça e a judicialização da política”: “Nessa troca, diz um jurista, ‘a política não tem o que ganhar e a Justiça tem tudo o que perder’”.
Para quem ainda tinha dúvida sobre o posicionamento do jornal em relação ao impeachment do governador Witzel, o sétimo editorial resolve a questão. O Globo subiu mais alguns degraus na escala de temperatura política. Escreveu em letras garrafais que “independente da responsabilidade pessoal de Witzel pelo escândalo na saúde, o governo se tornou insustentável”. Sobre o envolvimento do governador, o texto se posiciona sem subterfúgios. “Independente de Witzel ter responsabilidade ou não sobre o esquema, seu governo se transformou num foco de malfeitos (…). O afastamento é importante para que os fatos sejam apurados com isenção e rigor.” O jornal informa que o vice-governador, Cláudio Castro, também foi alvo de busca e apreensão. Mas parece dar a ele um voto de confiança: o substituto de Witzel “terá muito o que fazer”. E enumera uma série de ações necessárias, urgentes e de longo prazo a serem feitas pelo sucessor Cláudio Castro que, aliás, recebe juras de amor eterno da família Bolsonaro, tal qual Witzel recebera em 2018.
No dia 2 de setembro, o pleno do Superior Tribunal de Justiça confirmou o afastamento do governador Witzel por 180 dias, e O Globo havia publicou seu oitavo editorial sobre a crise. O título: “STJ precisa dirimir dúvida jurídica sobre afastamento de Witzel” resume o seu conteúdo. O texto traz o debate sobre as últimas decisões do Judiciário e solicita uma posição que venha a corrigir eventuais falhas no processo, visando sanear qualquer irregularidade, afinal, a decisão fora tomada de forma monocrática por um dos ministros do STJ. O editorial encerra afirmando que “o trâmite legal está funcionando”. Não se pode falar, portanto, em perseguição a Witzel – que de resto ainda enfrenta um processo de impeachment, com chance exígua de vencer”.
O jornal O Globo se preocupa muito mais em construir narrativas nacionais e costuma deixar os debates sobre o estado e a cidade do Rio de Janeiro de lado. O caso de corrupção no governo Witzel faz o jornal retomar seu interesse pela política estadual. À medida que as informações preliminares demonstraram que Witzel pode estar envolvido no escândalo, o jornal foi se distanciando da posição neutra e tornando-se mais crítico ao agora governador afastado, ao passo que fortalecia seu apoio a Cláudio Castro. Embora seja destacado que o governador interino também é investigado no inquérito, o jornal ainda dá seu voto de confiança e enumera as ações necessárias para o Rio de Janeiro conseguir retomar sua recuperação econômica.
No entanto, é digno de nota o fato de que, após tantos anos de adesão entusiasmada à Operação Lava Jato, mantida mesmo quando as mensagens entre Moro e os procuradores vazaram, revelando práticas ilegais e imorais, o jornal venha a criticar a judicialização de política no caso de Wilson Witzel. Ora, a Lava Jato é o caso mais superlativo de judicialização da política e de politização do judiciário que já tivemos no Brasil, e que gerou um sem número de aberrações, entre elas a tentativa de interferência na eleição do Senado, pela qual Deltan Dallagnol foi recentemente condenado pelo CNMP. Mas o jornal se manteve silente, quando não francamente em favor da operação, mesmo em seus piores momentos. Agora, no caso Witzel tivemos a oportunidade de observar um exemplo chocante de “dois pesos, duas medidas” praticado pelo jornal. É bastante razoável criticar a decisão monocrática de um único magistrado que afasta um chefe do poder executivo, eleito pelo voto popular, como mais uma aberração da judicialização da política. Mas o jornal aplica essa régua para avaliar apenas a decisão de Toffoli em favor de Witzel, e esquece dela quando a decisão de Ministro do STJ desfavorece o governador. Aí “o trâmite legal está funcionando”, declara o Globo.
Por fim, o zelo do jornal que clama pela solução rápida do caso em pauta não se observa em relação a outras denúncias de corrupção recentemente surgidas, como aquelas contra o senador José Serra e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB. O cão de guarda de O Globo tem antolhos que prejudicam gravemente a coerência de seu posicionamento editorial.
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