Sérgio Buarque de Holanda observou há algumas décadas que a elite extrativista brasileira forjada na valorização do não trabalho tinha problemas em como classificar os seus poucos membros que se destacavam em atividades intelectuais ou científicas.
Afinal, havia ali um paradoxo: como valorizar uma atividade que exige trabalho se o valor maior da elite é o não trabalho?
Segundo Sérgio Buarque, foi com esse intuito que a palavra “gênio” foi introduzida no nosso país, para designar aqueles poucos casos de um Santos Dumont ou de um Ruy Barbosa que se destacaram devido aos seus conhecimentos.
Havia algo inato naqueles indivíduos que explicaria os seus feitos, uma vez que o trabalho mesmo do intelectual não podia ser valorizado. Ouso afirmar que essa questão não está resolvida e está na base do problema da elite local com títulos acadêmicos, problema que se manifesta uma vez mais na nomeação, pelo presidente Bolsonaro, de Kassio Marques para o STF.
O problema da nossa elite com os títulos acadêmicos é bastante amplo e envolve até mesmo a ex-presidente Dilma Rousseff, que achou que estava correto se auto atribuir no currículo Lattes o título de doutora apesar de ter apenas completado créditos na Unicamp, para depois corrigir a informação; Decotelli o indicado por Bolsonaro para o MEC fez o mesmo ostentando um título que a Universidade de Rosário não havia lhe concedido; ou o ex-jornalista da Folha de S.Paulo Carlos Eduardo Lins da Silva que, durante muitos anos, apresentou-se como pós-graduado pelo Wilson Center, uma instituição que não oferece cursos de pós-graduação.
Recentemente, ele teve o cuidado de corrigir esses dados no seu currículo Lattes. Lattes é o nome da plataforma do CNPq onde pesquisadores e universitários reúnem as referências aos seus trabalhos.
No entanto, o problema parece ser particularmente grave nas corporações judiciais, tal como vimos nos casos de Deltan Dallagnol, Alexandre de Moraes e agora no de Kassio Marques.
Eu entendo este problema como derivado da maneira absolutamente atrasada como o direito continua sendo ensinado no Brasil, onde a grande maioria das pessoas sai da faculdade com pouco conhecimento jurídico, mas com fortes redes pessoais.
Acrescente-se a isso a ilusão sobre o que é o direito norte-americano ou europeu e uma visão completamente equivocada da operação do sistema judicial naqueles países.
Assim, Deltan Dallagnol disse coisas absurdas sobre o sistema jurídico americano com base em um argumento de autoridade: “Sou doutor pela Harvard Law.”
No final, não era. Tinha apenas sido ouvinte de algumas disciplinas.
Ou seja, não se busca conhecimento nas universidades estrangeiras: busca-se autoridade em cursos relâmpago que algumas dessas universidades oferecem por motivos financeiros.
Recentemente um colega de uma universidade inglesa admitiu para mim que atividades com juízes federais brasileiros viraram uma das principais fontes de financiamento do seu programa.
Só tem um problema: os títulos oferecidos por essas atividades são meros certificados, sem grande valor em qualquer sistema acadêmico que preze o nome.
Daí a ficção.
Há ainda a questão dos pós-doutoramentos.
Não tenho quaisquer dúvidas: o pós-doutoramento não é um título acadêmico e não existe nenhuma universidade séria no mundo que ofereça um curso nessa modalidade.
Até mesmo no nosso sistema acadêmico, o uso do pós-doc está exagerado e ele não pode ser considerado superior ao doutorado por um motivo muito simples: ele não tem um trabalho de conclusão avaliado por pares e, portanto, é um título de natureza fortemente administrativa.
A secretaria do departamento no qual o pós-doc foi feito emite o certificado.
Isso não quer dizer que o pós-doc seja desnecessário ou que nenhum seja produtivo.
Quer apenas dizer que não há valor intrínseco ao título.
Tudo depende do que se fez em um pós-doc, se houve publicações, resultados de pesquisa que justificam o trabalho e os custos.
E, diferentemente do título atribuído no doutorado, o pós-doc não expressa uma avaliação da qualidade do trabalho.
Por isso, encaixa-se tão bem no funcionamento do nosso sistema judicial. Serve para status e promoções administrativas, ainda que nada tenha sido feito durante o período, na boa tradição da doutrina do não trabalho das nossas elites.
Tenho dúvidas se a falta de comprovação das atividades do candidato Kassio Marques ao STF terá qualquer impacto.
Kassio Marques não terá sido o primeiro integrante do STF a ter um pós-doc para inglês ver, ou a ter concluído o pós-doutorado antes do doutorado que, a se julgar pelos poucos exemplos que vêm a público, parece ser comum entre os membros das corporações judiciais do nosso país.
Não é necessário ter qualquer saber jurídico especializado para se tornar membro do Supremo Tribunal Federal.
Há toda uma carreira que passa pelos quintos da OAB e pelas famílias judiciais e que permitem a ascensão nos meandros do sistema.
Quem tiver dúvidas, assista a sabatina para desembargadora feita pela filha de Luiz Fux.
Está disponível no Youtube e teve um minuto e trinta segundos.
Kassio Marques parece ser apenas mais um caso e não será por isso que ele deixará de ser juiz do STF.
Afinal, se Sergio Buarque de Holanda estiver certo, é muito mais importante assistir ao jogo do Palmeiras com Alcolumbre e Toffoli do que ter respeitabilidade acadêmica, quando o assunto é nomeação para o STF.
Há ainda a questão dos pós-doutoramentos.
Não tenho quaisquer dúvidas: o pós-doutoramento não é um título acadêmico e não existe nenhuma universidade séria no mundo que ofereça um curso nessa modalidade.
Até mesmo no nosso sistema acadêmico, o uso do pós-doc está exagerado e ele não pode ser considerado superior ao doutorado por um motivo muito simples: ele não tem um trabalho de conclusão avaliado por pares e, portanto, é um título de natureza fortemente administrativa.
A secretaria do departamento no qual o pós-doc foi feito emite o certificado.
Isso não quer dizer que o pós-doc seja desnecessário ou que nenhum seja produtivo.
Quer apenas dizer que não há valor intrínseco ao título.
Tudo depende do que se fez em um pós-doc, se houve publicações, resultados de pesquisa que justificam o trabalho e os custos.
E, diferentemente do título atribuído no doutorado, o pós-doc não expressa uma avaliação da qualidade do trabalho.
Por isso, encaixa-se tão bem no funcionamento do nosso sistema judicial. Serve para status e promoções administrativas, ainda que nada tenha sido feito durante o período, na boa tradição da doutrina do não trabalho das nossas elites.
Tenho dúvidas se a falta de comprovação das atividades do candidato Kassio Marques ao STF terá qualquer impacto.
Kassio Marques não terá sido o primeiro integrante do STF a ter um pós-doc para inglês ver, ou a ter concluído o pós-doutorado antes do doutorado que, a se julgar pelos poucos exemplos que vêm a público, parece ser comum entre os membros das corporações judiciais do nosso país.
Não é necessário ter qualquer saber jurídico especializado para se tornar membro do Supremo Tribunal Federal.
Há toda uma carreira que passa pelos quintos da OAB e pelas famílias judiciais e que permitem a ascensão nos meandros do sistema.
Quem tiver dúvidas, assista a sabatina para desembargadora feita pela filha de Luiz Fux.
Está disponível no Youtube e teve um minuto e trinta segundos.
Kassio Marques parece ser apenas mais um caso e não será por isso que ele deixará de ser juiz do STF.
Afinal, se Sergio Buarque de Holanda estiver certo, é muito mais importante assistir ao jogo do Palmeiras com Alcolumbre e Toffoli do que ter respeitabilidade acadêmica, quando o assunto é nomeação para o STF.
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