A eleição de 2020 no Brasil traz duas tendências claras:
- os candidatos aventureiros (de "fora da política") perderam força; provavelmente, o eleitor compreendeu que apostar em Witzel e outros seres vindos do pântano da "antipolítica" é o caminho para a tragédia;
- a derrota pessoal de Bolsonaro nas principais capitais brasileiras.
Já tratei do primeiro ponto em outros textos. Dessa vez, vou-me debruçar sobre a segunda tendência, que fica clara após as últimas pesquisas eleitorais.
Bolsonaro é um presidente sem partido: saiu do PSL e não conseguiu viabilizar outra legenda. Mas nas duas maiores cidades brasileiras embarcou nas candidaturas do partido Republicanos, controlado pela turma de Edir Macedo: Crivella no Rio e Russomano em São Paulo.
Na capital paulista, o candidato colou sua imagem a Bolsonaro na campanha de TV: vídeos, declarações do presidente, metáforas com o futebol... Russomano fez de tudo para se aproximar do bolsonarismo. E o resultado: um tombo de sete pontos nas pesquisas.
Russomano caiu de 27% para 20% em duas semanas de propaganda na TV, segundo o Datafolha. Tornou-se provável um segundo turno entre Covas (PSDB) e Boulos (PSOL), com a extrema direita afastada da disputa.
No Rio, Crivella usou a imagem do capitão em panfletos, apresentou-se como fiel escudeiro presidencial e levou para sua chapa de vereadores membros da família Bolsonaro. E o resultado: Crivella chega à reta final do primeiro turno em queda nas pesquisas.
O mais provável é que a disputa final se dê entre Eduardo Paes (DEM), e Martha (PDT) ou Benedita (PT) - com o candidato de Edir Macedo/Bolsonaro varrido do mapa.
Em Porto Alegre, não há bolsonaristas entre os cinco primeiros na disputa. A esquerda lidera com Manuela (PCdoB/PT)
Em Salvador, o líder é do DEM (descolado de Bolsonaro, tem apoio de ACM Neto), e a segunda colocada é do PT. Só 18% aprovam o bolsonarismo na capital baiana.
No Recife, Mendonça Filho do DEM até tentou surfar na ligação com o presidente, e foi ficando pra trás nas pesquisas. Segundo turno pode opor João Campos (PSB) e Marilia Arraes (PT).
Em BH, o atual prefeito do PSD se opôs ao bolsonarismo na pandemia, e impôs distanciamento social na cidade: Kalil tem mais de 50% nas pesquisas e é favoritíssimo pra ganhar no primeiro turno.
Só em Fortaleza, há um bolsonarista bem colocado: Capitão Wagner (PROS) disputa a liderança com Luiziannne Lins (PT). Wagner, no entanto, sente que a imagem bolsonarista é um peso, e tenta agora se descolar do presidente.
De uma forma geral, o quadro eleitoral indica uma grande pulverização nas principais cidades do país. Aparentemente, não haverá um partido vencedor, mas uma dispersão - com vantagem para o bloco de centro-direita (DEM, PSD, MDB, PSDB), e com a esquerda recuperando terreno (mas com o triunfo dividido em várias legendas: PT, PSB, PSOL, PCdoB e PDT).
O grande derrotado, no entanto, está claro quem é: Jair Bolsonaro.
O presidente sairá chamuscado no eixo Rio-SP, e enfraquecido em outras capitais importantes. Para sobreviver, dependerá cada vez mais do Centrão, o que tira fôlego do discurso extremista/terraplanista que foi fundamental para dar vitória a ele em 2018.
Depois da derrota golpista na Bolívia, e do avanço dos democratas no Chile, a onda de extrema direita parece perder força também nas eleições municipais no Brasil.
Mais um bom sinal, nesse fim de 2020.
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