Por Tereza Cruvinel, no site Brasil-247:
O recado dos bolivianos nas urnas de domingo, com a eleição do candidato Luis Arce no primeiro turno foi inequívoco: eles rejeitaram, de forma decidida, o golpe do ano passado, que forçou a renúncia do ex-presidente Evo Morales. E com isso, repudiaram também as forças estrangeiras que colaboraram com o golpe, especialmente os governos dos Estados Unidos e do Brasil.
Jair Bolsonaro, que recriminou os argentinos pela eleição de Alberto Fernandez, deve estar furibundo com a vitória da esquerda na Bolívia, que representa não só a volta ao poder do MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Morales, mas também a vitória dos povos originários da terra, das organizações populares, dos sindicatos e de todas as forças progressista golpeadas no ano passado.
Mas fazer o quê contra o resultado, se nem os adversários bolivianos de Arce, por um só momento colocaram em dúvida a lisura do pleito e sua vitória?
Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araujo só podem engolir mais uma derrota da política externa desastrosa que vêm executando.
Com a Argentina, as relações bilaterais seguem manquejando. Os dois países estão amarrados pelo Mercosul e pela complementaridade de suas economias mas o Brasil já deixou de ser o pais de quem a Argentina mais importava.
Fernandes, diferentemente de Bolsonaro, não reconheceu o governo da presidente golpista Jeanine Añez e acolheu Evo Morales como exilado, proporcionando-lhe o tratamento de ex-presidente. Ponto para a Argentina.
Ao norte Bolsonaro-Araújo têm a Venezuela de Nicolás Maduro, que os Estados Unidos, com a vergonhosa colaboração brasileira, vêm tentando em vão derrubar.
Pela primeira vez desde que se tornou República, o Brasil está de relações rompidas com um de seus vizinhos fronteiriços.
Agora vem a Bolívia, a exigir também algum pragmatismo do governo brasileiro. O vizinho menor e mais pobre pode precisar do Brasil, mas o Brasil é muito mais dependente do gás boliviano. Ele não pode faltar à indústria brasileira, ainda.
O que falta, para o isolamento maior do governo Bolsonaro na geopolítica das Américas, é a derrota de Trump e a eleição de Biden nos Estados Unidos.
Se isso acontecer, não será fácil para o Brasil adequar-se ao novo poder norte-americano.
O próprio chanceler Araújo talvez tenha que ser jogado ao mar.
É mesmo difícil compreender a política externa conflitiva que Bolsonaro e Araujo vêm impondo ao Brasil, na contramão da tradição e do exercício do soft power, como disse-nos em entrevista ao Bom Dia 247 o ex-chanceler Celso Amorim, lembrando as hostilidades frequentes do próprio presidente ao maior parceiro comercial do Brasil, que é a China.
Confesso que não consigo compreender esta política externa, à qual falta inclusive o que poderíamos chamar de “decoro diplomático”.
O Brasil, nem no pior momento da ditadura militar, chegou por exemplo a dizer que determinada bactéria era soviética, ou coisa assim.
Rompeu relações com Cuba, o que foi um erro, mas não faziam uso da grosseria, do palavreado e desta brutalidade estranha à diplomacia, que precisa até ser estudada. É uma conduta anti-intelectual no sentido mais profundo da expressão.
Arce, em suas falas iniciais, falou em governo nacional e superação das divisões na Bolívia.
Na política externa regional também deve fazer acenos amistosos a Bolsonaro, assim como Fernandez também fez, inutilmente.
Bolsonaro não foi à posse dele, e só na última hora escalou o vice-presidente Mourão para representar o Brasil. Bolsonaro talvez não vá também à posse de Arce.
Ele e Araújo não estão interessados em liturgias diplomáticas e menos ainda nas relações com os vizinhos, se forem de campo ideológico que consideram “adversário”.
Até aqui, todas as mesuras foram reservadas a Trump, que agora pode ser derrotado por Biden.
Até que ponto Bolsonaro e Araújo trabalharão pelo isolamento e pela irrelevância do Brasil no plano internacional?
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