Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:
A base social que tem apoiado a ultradireita é um fenômeno global, consequência direta da precarização generalizada promovida pelo capitalismo em seu atual estágio. O discurso de ódio alimenta o crescimento deste fenômeno, que encontra terreno fértil nas plataformas digitais, conforme explica Marcos Dantas, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ).
Em debate dentro da programação da 23ª Plenária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, nesta terça-feira (13), o pesquisador avalia que “bancários, comerciários e industriários perderam seus empregos e a classe média também vê portas fecharem. Esta desagregação social encontra seu canal de manifestação na Internet”. “Este processo”, acrescenta Dantas, “passou a ser financiado por quem enxergou isso como uma ferramenta útil para atender seus interesses”.
Segundo ele, se este lumpesinato agressivo, violento, que ameaça a democracia, encontra nas plataformas seus meios, esses meios também atingem, nesta relação, a sua razão de existir: o lucro. “Muitos comparam a Internet com a ideia da ágora grega, mas não se diz que era uma ágora masculina, escravocrata e helênica, ou seja, excludente. Todos os elementos de conflito ficavam para fora. Agora, é o inverso. Todos os elementos de conflito estão dentro da tal ágora”.
A hegemonia liberal, explica Dantas, criou um modelo que está se mostrando disfuncional, tornando-se uma ameaça à democracia. “O problema não é a Internet. O problema é quem a controla e como a controla”, opina. “A radiodifusão também moderava conteúdo, pela sua própria burocracia: editores, jornalistas. Nas plataformas, há a mesma lógica: ela tem moderado a si própria”.
Liberdade de expressão, discurso de ódio e monopólios
A falta de transparência e critérios democráticos na moderação dos conteúdos dessas plataformas é um dos principais problemas que tornam esses espaços propícios à disseminação não apenas do discurso de ódio, mas também da desinformação. Segundo Olívia Bandeira, jornalista, antropóloga e integrante do Coletivo Intervozes, as plataformas, no geral, lucram alto com a intolerância e o caos das notícias falsas.
“A moderação feita pelas próprias plataformas é uma moderação muito pouco transparente. Sabe-se pouco sobre como seus algoritmos funcionam neste sentido e isso afeta gravemente a liberdade de expressão - e, em última instância, os processos democráticos.”, pontua. Em especial, argumenta Bandeira, este modelo afeta os grupos vulnerabilizados, que poderiam usar as plataformas para fazer ecoar suas vozes, historicamente ausentes dos meios tradicionais, mas acabam tornando-se vítimas pelo próprio protagonismo que podem alcançar nelas.
A Internet surgiu como promessa de uma alternativa à concentração midiática, com sua arquitetura propícia à horizontalidade e diversidade, mas esta promessa não está sendo cumprida, diz Bandeira. “Há a mesma lógica da concentração e do monopólio na Internet, com as plataformas corporativas controlando grande parte do mercado e dos espaços e que se beneficiam num grande negócio que é a coleta e venda de dados pessoais”, explica. “A arquitetura, o modelo de negócio e forma de funcionamento dos algoritmos ampliam a concentração de agentes dominantes”.
Como exemplo, ela cita o sistema de recomendação de conteúdos do YouTube e a promoção de ideias extremistas e conspiratórias. “Somente em 2017 o YouTube deixou de recomendar vídeos que exaltassem, por exemplo, a supremacia racial”, lembra. “Apenas ano passado este tipo de vídeo começou a ser proibido por eles.
As políticas e as arquiteturas destas plataformas alimentaram esta ascensão do ódio fascista no debate público”. Por isso, é urgente na visão dela, debater como combater a concentração e promover uma regulação que proteja a liberdade de expressão com critérios democráticos.
Para Paulo Rená, professor, pesquisador e integrante da Coalizão Direitos na Rede (CDR), o contexto de retrocesso vivido no país tem de ser levado em conta para entender a complexidade do assunto.
“Há um ambiente muito propício para a desinformação, um fenômeno complexo que vai muito além de uma mera notícia falsa. No Brasil, a notícia falsa, em si, está criminalizada há muito tempo. É um tema antigo e, pela questão da tecnologia, se renova pela impossibilidade do controle”, diz.
“O que temos de entender é que não é reduzindo a liberdade de expressão e o acesso à informação, afetando o potencial das plataformas para garantir uma Internet livre e transparente, que resolveremos o problema. O que precisamos é de mais liberdade de expressão, mais transparência e mais garantias democráticas”.
Fundador do Instituto Beta: Internet & Democracia, Rená frisa que este ambiente depende de atuação efetiva do poder público e das organizações da sociedade civil. “Soluções simples são atraentes, mas não dão conta da conta da densidade do tema e podem resultar em péssimas consequências para o direito à liberdade de expressão”, aponta.
Um discurso de ódio, muitas vozes
A hegemonia do discurso de ódio e a máquina de desinformação é um duro golpe na esperança de que a Internet promoveria a diversidade de opiniões, ideias e visões de mundo ao multiplicar as vozes no debate público. Mas este cenário não tem a ver apenas com as plataformas digitais, de acordo com Suzy dos Santos.
Para a professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), tem prevalecido um discurso único, marcado por uma identidade masculina, branca, com uma pauta bastante identitária, no sentido de que há um recorte racial profundamente forte nesta ascensão da direita e do próprio discurso de ódio no ambiente midiático.
“O próprio Jair Bolsonaro era uma figura desconhecida, um deputado bizarro do baixo clero carioca, cujo eleitorado reunia um grupo de militares e figuras conservadoras. Foi com a TV que Bolsonaro teve projeção”, avalia, tomando como exemplo o quadro “Mitadas do Bolsonabo”, do Pânico na TV, que foi ao ar em 2017. “Camuflado de humor, o ódio é ainda mais perigoso”, diz.
“O próprio Alexandre Frota foi apresentador na Rede Brasil de Televisão e teve um programa de entrevistas entre 2015 e 2016”, recorda a professora. “O primeiro programa recebeu quem? Bolsonaro. A primeira pergunta foi: ‘O senhor será nosso presidente?’. Bolsonaro responde: ‘Olha, pretendo sim. Pretendo estar num partido com outros candidatos. Quem sabe você’. E segue nessa toada. O segundo convidado foi Marco Feliciano. O terceiro, Celso Russomano. Três anos depois, Bolsonaro foi eleito e Frota também”.
Para a pesquisadora, o fio que une o sistema político e midiático no Brasil é a “paralegalidade”, o “embaçamento” dos dados e contratos. “Há um laranjal gigante que nubla o cenário da propriedade dos meios”, conforme define. A ampla gama de canais religiosos - católicos também, não apenas neopentecostais - somado à programação “militarizada” que está ‘na moda’ são refletidas em números apresentados por Santos: 94% dos proprietários de meios são homens brancos.
“As ideias misóginas e os ataques aos direitos humanos espelham esta realidade”, sublinha a estudiosa. Além disso, o discurso de ódio, ao encontrar um público ávido por consumir este tipo de conteúdo, acaba tornando-se uma saída para a sobrevivência de pequenos canais de mídia”, diz. “É preciso resgatar a programação vinculada à identidade e o desafio é justamente como fomentar este processo”.
Assista na íntegra [aqui].
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