Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil |
Três bispos angolanos e um brasileiro da Igreja Universal do Reino de Deus, ligados à cúpula brasileira da instituição, foram detidos e levados a julgamento sumário nesta segunda-feira, 23, na comarca de Benfica, no município de Belas, em Angola. Eles foram acusados de privação de direitos humanos, desacato à autoridade e agressões a agentes da Polícia Nacional Angolana.
Os bispos angolanos Antonio Ferraz, João Mário e José Caquinda e o brasileiro José Rocha foram detidos na quinta-feira, 18 de novembro, depois de se envolverem em um tumulto entre aliados e opositores da representação brasileira da Igreja Universal. A briga culminou em agressões ao comandante da polícia e a outros agentes. Um outro pastor brasileiro, identificado como Roberto dos Santos, foi acusado de agredir o comandante com socos e pontapés, segundo o jornal O País. Santos fugiu do local da confusão, segundo relataram testemunhas, e até ontem não havia sido encontrado.
Dos quatro religiosos, detidos com outros quatro seguranças, um foi absolvido – o bispo João Mário. Os demais foram condenados a 45 dias de prisão. A pena, no entanto, foi convertida em multas de 280 kwanzas a cada um, o equivalente a 350 dólares. Roberto dos Santos e outro pastor brasileiro fugiram.
A polícia havia sido chamada para garantir a entrada de um pastor angolano – identificado como Fernando Alberto –, acompanhado de sua mulher e um filho recém-nascido, ao condomínio Laranjeiras, onde a família residia, no distrito de Talatona, província de Luanda. O condomínio pertence à Universal do Reino de Deus. Alberto foi impedido de entrar pelos pastores ligados à representação brasileira da igreja por se aliar ao grupo dissidente que rompeu com Edir Macedo.
Há um ano, bispos e pastores da Universal em Angola iniciaram um movimento de protesto, chamado por eles de Reforma, contra a cúpula brasileira da igreja. Os religiosos locais – mais de 300 de um total de 455 – assumiram o controle de 85% dos 331 templos da Universal no país. Parte dos pastores brasileiros retornou ao Brasil. Desde então, o clima entre os religiosos é de guerra civil.
Os reformistas, como se autointitulam, elaboraram um manifesto acusando a representação brasileira da prática de crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas e expatriação ilícita de capitais, além de racismo, discriminação, abuso de autoridade, imposição da prática de vasectomia aos pastores e intromissão na vida conjugal dos religiosos. As denúncias passaram a ser investigadas pela Procuradoria-Geral da República de Angola e pelo SIC, o Serviço de Investigação Criminal, o equivalente a um misto entre as polícias civil e federal no país.
Ao ser barrado no condomínio, o pastor Alberto, apoiador da Reforma, foi chamado pelos aliados da cúpula brasileira de “bandido” e “corrupto”, segundo o ex-pastor angolano da Universal Tavares Armando Cassinda. Durante mais de oito horas, o pastor, a mulher e o filho tentaram retornar à casa, sem sucesso. Alberto pediu então a ajuda de amigos, que acionaram a polícia. Os defensores da representação brasileira teriam concluído que os policiais estariam defendendo os “reformistas” e passaram a atacá-los, afirmou o ex-pastor Cassinda.
Um dos detidos, Antonio Ferraz, ligado à ala brasileira, se diz vice-presidente da Universal em Angola – cargo contestado pelo grupo rival. No tribunal, Ferraz negou envolvimento em agressões. “Eu fui ao encontro do comandante para explicar que os moradores não querem mais ter o ex-pastor Fernando Alberto como vizinho. A mais ou menos 100 metros, estavam mulheres de pastores formando um cordão pedindo que não o deixassem passar”, contou Ferraz ao jornal O País. Outro bispo, João Mário, disse que saiu de sua casa, no momento da confusão, para “ver o que se passava” e sua detenção teria ocorrido unicamente por ter se apresentado ao comandante da polícia como o responsável pelo condomínio, na ausência de Antonio Ferraz.
Após as denúncias feitas por religiosos angolanos desde novembro do ano passado, promotores e policiais cumpriram mandados de busca e apreensão em escritórios da igreja e residências de bispos e pastores. As autoridades angolanas apreenderam computadores, câmeras de segurança, livros de contabilidade e documentos bancários. Ao menos 25 catedrais e templos da Universal foram fechados e confiscados pelas autoridades do país.
A Universal, em nota emitida em julho, se disse vítima de calúnia e difamação e afirmou que seus opositores seriam ex-membros expulsos da igreja “devido à prática de atos ilícitos e à violação do código de conduta moral”.
Os bispos e pastores angolanos reclamavam do fato de o dinheiro da igreja arrecadado com os dízimos e ofertas não permanecer no país e não ser investido nas atividades religiosas ou em escolas e projetos sociais. Daí, segundo eles, veio a insatisfação. Os angolanos também denunciaram a venda de imóveis da igreja. Segundo eles, o patrimônio era vendido às escondidas, sem a aprovação dos dirigentes locais da igreja – o que seria ilegal.
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