domingo, 29 de novembro de 2020

Meus sete minutos com Maradona, em 2006

Por Antonio Barbosa Filho

Dos muitos acasos felizes que marcaram minha vida, um dos mais inesquecíveis foi o dia em que, sem ser repórter esportivo, sem estar credenciado por nenhum veículo brasileiro, participei de uma entrevista coletiva de Diego Maradona, em Buenos Aires, nos idos de 2006.

Eu havia percorrido os maravilhosos sebos da Av. Corrientes, carregava duas bolsas plásticas cheias de livros, e parei num café para "una copa de vino". Lia os jornais locais quando deparei-me com breve nota: às 17:00 hs, haveria uma entrevista coletiva de jogadores da Argentina e do Brasil, sobre a partida de Showbol que aconteceria no dia seguinte no célebre ginásio Luna Park.

Eu estava de calça jeans, camiseta vermelha e sandálias havaianas, totalmente informal. Mesmo assim, talvez animado pelo bom vinho de Rioja, decidi procurar o Hotel Presidente, creio que numa transversal próxima. E lá fui, certo de que seria barrado pelo porteiro todo fardado em azul e dourado. Não, explicou-me que a "conferencia de prensa" aconteceria no "primero piso", e eu preferi subir a suntuosa escadaria, saindo do hall com o carpete mais espesso e macio que meus chinelos jamais pisaram.


No corredor do salão onde aconteceria o evento, uma jovem numa mesinha identificava os jornalistas que chegavam, e eu disse-lhe que trabalhava para o semanário Matéria-Prima, de Taubaté, em São Paulo, caprichando no Sao Paolo, sem anasalar. Foram as palavras que a fizeram sorrir e dar-me uma pulseirinha plástica que também me daria acesso livre ao jogo do dia seguinte.

O salão tinha duas portas, umas 50 cadeiras e uma plataforma onde estava a mesa para os entrevistados. Mas os jornalistas estavam todos aguardando ali fora, e fui trocando palavras com um ou outro.
Logo chega Deus, digo, um cara baixinho, magro mas parrudinho, calça jeans, camiseta preta e boné preto, sem qualquer propaganda ou imagem. Veio a um por um, estendendo as mãos, muito simpático e simples. (Eu havia visto imagens dele um ano e pouco antes pesando uns cem quilos, depois internado com torcedores acendendo velas na calçada do hospital. Era incrível a sua total recuperação física, novamente em forma atlética). Ele e os demais jogadores entraram pela porta do "palco" e nosotros, nos acomodamos na plateia. Éramos 34 argentinos e UM brasileiro - e eu era o único que nada entendia ou entende de Futebol!

Anotei alguns nomes na mesa dos entrevistados, além de Maradona: pelo lado argentino, Mancuso, Almeida e Goycochea e pelo Brasil, Ricardo Rocha, Djalminha e Carlos Alberto. O time brasileiro teria, além desses, em rodízio, Paulo Nunes; Aldair; Júnior Baiano; Valber; Ávilla; Zetti; Zé Carlos; Torres e Ailton.

Foi uma hora de falas e de perguntas e respostas, algumas das quais em nada me interessaram, como os pedidos para que Maradona (o centro das atenções gerais) comentasse sobre jogadores em atividade na Argentina, dos quais eu nunca havia ouvido falar. Mas houve momentos que me emocionaram, como Maradona dizendo que havia saído com uma arma para o alto contra repórteres que se aglomeravam no portão de sua casa: "Paparazzis andaram seguindo minha filha no caminho da escola! Invadem a privacidade da minha família, e isso eu não admito!".

Disse ele que fora convidado para o sorteio da Copa que ocorreria naquele ano e para assistir aos jogos no camarote reservado aos convidados da Fifa. Dom Diego afirmou: "Eu não aceito convites de ladrões. Estarei na Copa da Alemanha, contratado para comentar por uma TV alemã (ele citou o nome da emissora), E pagaria ingressos, se necessário, porque não dependo da máfia que é a Fifa".

Sobre a partida do dia seguinte, da modalidade que inventou para veteranos e propagou pelo mundo, o Showbol, disse estar ansioso: "Eu senti muita falta de concentração e de jogar. Convivo com a bola desde os meus cinco anos, depois no Boca Júnior, no Napoli, no Barcelona. Estou numa alegria imensa: quero sentir o cheiro do vestiário, o cheiro da bola". Vi ali um homem apaixonado pelo esporte, que jogaria até onde tivesse forças, ainda que não houvesse se tornado o milionário profissional e ídolo mundial que acabou sendo.

Meu papo com Deus

A entrevista terminou sem que eu fizesse nenhuma pergunta, a mesa saiu por uma porta e eu pela outra, mas no corredor vi Maradona cercado por equipes de TV, cada uma querendo a sua exclusiva. Ele acabava repetindo frases que já havia dito na coletiva, e eu achei que ele estava ficando meio entediado (pode ser impressão minha). Quando a última repórter fez menção de encerrar seu trabalho, eu me meti na rodinha e falei em Português: "Diego, por favor, uma palavrinha para o Brasil?"

Talvez por estar de saco cheio, ou talvez por notar que eu era o único brasileiro naquela fauna, ele segurou no meu ombro, virou-se para meu gravadorzinho e pude entrevistá-lo por quase sete minutos, que eu poderia estender se tivesse outras curiosidades. Fui direto à Política: "Você esteve recentemente no Rio, no Carnaval, e fez muitos elogios ao Presidente Lula. O que você acha dele?

- Lula me encanta. Creio que está ao lado de Chávez, e é próximo a Fidel (Castro, então presidente de Cuba). Lula, para mim, é um grande, um grande líder político. E tem também um imenso prestígio, dentro e fora do Brasil".

Tento aproximar-me do tema Futebol, e digo-lhe: "Você sabe que no Brasil teve grande repercussão a sua entrevista com Pelé no seu programa de televisão. Eu acho que vocês fizeram mais pela aproximação entre nossos países do que nossos diplomatas durante décadas...."(risos gerais) (a entrevista está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=yYddCpaiuRU)

Maradona: "Me alegra muito que pensem assim. Porque a paixão pelo futebol, antes de tudo, na Argentina e no Brasil, nos une. Ambos temos orgulho, queremos ganhar, mas o importante é que fazemos as pessoas erguerem o braço na hora do gol, arrancamos sorrisos das pessoas. Isso é o que nos faz felizes".

Fiz outras perguntas, toquei no seu tórax e vi que estava rijo, (eu ainda não acreditava que estava diante daquele obeso baixinho que vira nos noticiários do mundo pouco de um ano antes).

Pra concluir, disse-lhe em portuñoL: "Yo acá soy Boca, y vos en Brasil, sos corintiano?" E gargalhando Dom Digo respondeu: 'É claro que sim, sou corintiano, por Carlitos Tevez!"

Com a mão dele no meu ombro, fomos até o elevador (ele estava "concentrado" e ia pra piscina encontrar os demais). Desci as escadas e fui pra casa onde estava hospedado, contar aos incrédulos amigos, e tocar a fita várias vezes, o que o Acaso me proporcionara....

* Antonio Barbosa Filho é jornalista e escritor.

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