Nessa semana o Senado Federal brasileiro aprovou dois projetos importantes que tratam da função do Banco Central e da política monetária de forma geral. O primeiro deles versa sobre a proposta de independência do Banco Central do Brasil – que exerce a função de banco dos bancos – e foi apresentado pelo Senador Plínio Valério, do PSDB.
Para comentar esse fato trago à baila a grande economista Maria da Conceição Tavares, que – em uma edição do programa Roda Viva – foi questionada sobre o que ela pensava da proposta de independência do Banco Central. Tavares devolveu a pergunta de forma categórica: independência de quem?
A pergunta não é retórica e enseja um amplo debate sobre a tendência liberalizante que circunda nosso país desde fins dos anos 1980, e que apregoa que o poder político é por excelência uma esfera do profano e do corrupto enquanto o mercado representa é sagrado e incorruptível.
Dessa forma, quanto mais as decisões de política econômica são relegadas aos “técnicos” em detrimento dos políticos e seus representantes, mais ela seria exercida nos plenos conformes dos ditames macroeconômicos.
A proposta aprovada no Senado leva a uma cisão entre o ciclo do mandato para presidente e diretores do Banco Central e o ciclo da política representado pelo mandato presidencial.
Dessa forma, o presidente da República nomeará, no seu último ano de gestão, o presidente e os diretores do Banco Central para exercerem seus mandatos de quatro anos. Os mandatos serão fixos, só podendo ser substituídos por decisão judicial ou por insuficiência de competência no cargo, o que também necessitará de tramitação no Senado.
As justificativas para a independência repousam na percepção de que, dessa forma, os diretores do Banco ficariam “blindados” de coerção política dos mandatários do Executivo Federal, já que, sem mandatos fixos, eles podem ser facilmente exonerados dos seus cargos.
Para os defensores da independência do BC, então, se os diretores forem eleitos pelos políticos eles ficam submetidos aos seus interesses eleitoreiros, como por exemplo, adotar uma política de redução do desemprego com possíveis riscos em outras dimensões econômicas.
Portanto, os interesses da população brasileira seriam melhor preservados passando ao largo de interesses políticos e sendo exercidos apenas levando em consideração critérios “técnicos”.
Ocorre que não existe nada em política econômica que seja “neutro”, puramente “técnico” ou que represente o “bem comum” para todos os brasileiros porque vivemos em uma sociedade capitalista e, portanto, dividida em classes sociais.
Políticas de redução das desigualdades sociais, por exemplo, terão – necessariamente – que ocorrer às custas do descontentamento dos grupos mais abastados.
A política monetária é uma das principais políticas no rol da política econômica. Ela é um instrumento para a definição de uma das variáveis mais importantes que diz respeito à atividade econômica, ao emprego e à inflação, que é a taxa de juros.
Um Banco Central independente poderia operar uma política de elevação dos juros em meio a uma recessão econômica, por critérios “técnicos”, por exemplo, em contrariedade a uma proposta política ganha nas urnas que tivesse como sustentáculo a elevação do investimento e do consumo.
Assim, nosso poder democrático de escolher um caminho de política econômica referendado no voto ficará constrangido por um Banco que opera em pouca sintonia com o presidente da República.
Além disso, não existe espaço vazio na política. Se o Banco Central for independente do Estado, ele será dependente de algum outro grupo social, sendo mais facilmente capturado pelos interesses do setor financeiro. No Brasil, por exemplo, quem regula a concorrência interbancária é o BC, e não o Cade.
Assim, se o Banco Central for capturado pelos interesses do setor financeiro, dificilmente ele operará política de ampliação da concorrência interbancária ou redução dos spreads, por exemplo. É a raposa cuidado do galinheiro.
O segundo PL aprovado no Senado é o de autoria do senador Rogério Carvalho do PT e em nada diz respeito ao tema da independência. Esse segundo projeto cria os “depósitos voluntários remunerados” dos bancos comerciais junto ao Banco Central.
Essa operação ocorre para enxugar a liquidez de moeda na economia e não permitir que as taxas juros cobradas nos empréstimos interbancários seja menor do que a taxa básica de referência da economia, que é a Selic. Portanto, o BC tem que operar sobre o excesso de oferta de moeda quanto ela for superior a demanda por ela.
Não atuar nesse manejo da liquidez e permitir que as taxas do interbancário caiam a baixo do patamar da Selic significa que o Banco Central perde todo o seu poder de determinar a taxa de juros, portanto, perde o seu poder na economia real.
Para que cotidianamente as taxas de juros convirjam para o patamar estipulado na taxa Selic, o Banco Central “enxuga” essa liquidez vendendo títulos da dívida pública do Tesouro Nacional e recolhendo esse recurso excedente no caixa dos bancos, já que o Banco Central não pode emitir títulos.
Ao fazer isso dessa forma, que denominamos de “operações compromissadas”, o estoque da dívida pública brasileira se eleva. No entanto, o nosso indicador de dívida é incapaz de separar o que é efetivamente títulos públicos lançados para o Estado financiar suas despesas correntes, e o que é o lançamento de títulos públicos para, tão somente, o exercício da política monetária.
Assim, a proposta de Rogério Carvalho apenas cria um novo instrumento para a gestão da política monetária, com nenhuma diferenciação em relação ao quanto e como o Estado remunera o excesso de caixa dos bancos comerciais, mas tão somente como uma modificação contábil, a saber: agora essas operações não serão contabilizadas na dívida federal.
Um instrumento mais adequado e usado por quase todos os Bancos Centrais do mundo, para dar mais transparência e separar o que é “laranja” e o que é “banana”. É tão somente uma proposta que relega mais transparência ao sistema e separa o que é Tesouro Nacional e Banco Central.
Além disso, esse PL é importantíssimo nesse momento em que se sustentam ideologicamente diversas políticas de austeridade fiscal ancorados na frase “nossa dívida está elevada demais”. Ainda que a situação patrimonial do setor público não se altere, o tamanho da dívida em relação ao PIB passará a ser mais fidedigno e com capacidade de comparação internacional.
Para comentar esse fato trago à baila a grande economista Maria da Conceição Tavares, que – em uma edição do programa Roda Viva – foi questionada sobre o que ela pensava da proposta de independência do Banco Central. Tavares devolveu a pergunta de forma categórica: independência de quem?
A pergunta não é retórica e enseja um amplo debate sobre a tendência liberalizante que circunda nosso país desde fins dos anos 1980, e que apregoa que o poder político é por excelência uma esfera do profano e do corrupto enquanto o mercado representa é sagrado e incorruptível.
Dessa forma, quanto mais as decisões de política econômica são relegadas aos “técnicos” em detrimento dos políticos e seus representantes, mais ela seria exercida nos plenos conformes dos ditames macroeconômicos.
A proposta aprovada no Senado leva a uma cisão entre o ciclo do mandato para presidente e diretores do Banco Central e o ciclo da política representado pelo mandato presidencial.
Dessa forma, o presidente da República nomeará, no seu último ano de gestão, o presidente e os diretores do Banco Central para exercerem seus mandatos de quatro anos. Os mandatos serão fixos, só podendo ser substituídos por decisão judicial ou por insuficiência de competência no cargo, o que também necessitará de tramitação no Senado.
As justificativas para a independência repousam na percepção de que, dessa forma, os diretores do Banco ficariam “blindados” de coerção política dos mandatários do Executivo Federal, já que, sem mandatos fixos, eles podem ser facilmente exonerados dos seus cargos.
Para os defensores da independência do BC, então, se os diretores forem eleitos pelos políticos eles ficam submetidos aos seus interesses eleitoreiros, como por exemplo, adotar uma política de redução do desemprego com possíveis riscos em outras dimensões econômicas.
Portanto, os interesses da população brasileira seriam melhor preservados passando ao largo de interesses políticos e sendo exercidos apenas levando em consideração critérios “técnicos”.
Ocorre que não existe nada em política econômica que seja “neutro”, puramente “técnico” ou que represente o “bem comum” para todos os brasileiros porque vivemos em uma sociedade capitalista e, portanto, dividida em classes sociais.
Políticas de redução das desigualdades sociais, por exemplo, terão – necessariamente – que ocorrer às custas do descontentamento dos grupos mais abastados.
A política monetária é uma das principais políticas no rol da política econômica. Ela é um instrumento para a definição de uma das variáveis mais importantes que diz respeito à atividade econômica, ao emprego e à inflação, que é a taxa de juros.
Um Banco Central independente poderia operar uma política de elevação dos juros em meio a uma recessão econômica, por critérios “técnicos”, por exemplo, em contrariedade a uma proposta política ganha nas urnas que tivesse como sustentáculo a elevação do investimento e do consumo.
Assim, nosso poder democrático de escolher um caminho de política econômica referendado no voto ficará constrangido por um Banco que opera em pouca sintonia com o presidente da República.
Além disso, não existe espaço vazio na política. Se o Banco Central for independente do Estado, ele será dependente de algum outro grupo social, sendo mais facilmente capturado pelos interesses do setor financeiro. No Brasil, por exemplo, quem regula a concorrência interbancária é o BC, e não o Cade.
Assim, se o Banco Central for capturado pelos interesses do setor financeiro, dificilmente ele operará política de ampliação da concorrência interbancária ou redução dos spreads, por exemplo. É a raposa cuidado do galinheiro.
O segundo PL aprovado no Senado é o de autoria do senador Rogério Carvalho do PT e em nada diz respeito ao tema da independência. Esse segundo projeto cria os “depósitos voluntários remunerados” dos bancos comerciais junto ao Banco Central.
Essa operação ocorre para enxugar a liquidez de moeda na economia e não permitir que as taxas juros cobradas nos empréstimos interbancários seja menor do que a taxa básica de referência da economia, que é a Selic. Portanto, o BC tem que operar sobre o excesso de oferta de moeda quanto ela for superior a demanda por ela.
Não atuar nesse manejo da liquidez e permitir que as taxas do interbancário caiam a baixo do patamar da Selic significa que o Banco Central perde todo o seu poder de determinar a taxa de juros, portanto, perde o seu poder na economia real.
Para que cotidianamente as taxas de juros convirjam para o patamar estipulado na taxa Selic, o Banco Central “enxuga” essa liquidez vendendo títulos da dívida pública do Tesouro Nacional e recolhendo esse recurso excedente no caixa dos bancos, já que o Banco Central não pode emitir títulos.
Ao fazer isso dessa forma, que denominamos de “operações compromissadas”, o estoque da dívida pública brasileira se eleva. No entanto, o nosso indicador de dívida é incapaz de separar o que é efetivamente títulos públicos lançados para o Estado financiar suas despesas correntes, e o que é o lançamento de títulos públicos para, tão somente, o exercício da política monetária.
Assim, a proposta de Rogério Carvalho apenas cria um novo instrumento para a gestão da política monetária, com nenhuma diferenciação em relação ao quanto e como o Estado remunera o excesso de caixa dos bancos comerciais, mas tão somente como uma modificação contábil, a saber: agora essas operações não serão contabilizadas na dívida federal.
Um instrumento mais adequado e usado por quase todos os Bancos Centrais do mundo, para dar mais transparência e separar o que é “laranja” e o que é “banana”. É tão somente uma proposta que relega mais transparência ao sistema e separa o que é Tesouro Nacional e Banco Central.
Além disso, esse PL é importantíssimo nesse momento em que se sustentam ideologicamente diversas políticas de austeridade fiscal ancorados na frase “nossa dívida está elevada demais”. Ainda que a situação patrimonial do setor público não se altere, o tamanho da dívida em relação ao PIB passará a ser mais fidedigno e com capacidade de comparação internacional.
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