O que parecia ser a maior crise sanitária dos últimos 100 anos pode ficar ainda pior. Os primeiros movimentos do governo Bolsonaro no planejamento da vacinação mostra que todo o acervo de estupidez, ignorância e negacionismo está sendo convocado.
Comandado por um mau militar (criticado por colegas de farda que se envergonham de sua submissão), secundado por outros maus militares no segundo e terceiros escalões, o Ministério da Saúde tem deixado claro que não tem capacidade de coordenar o complexo processo de imunização contra a covid-19.
Morreram dezenas de milhares de brasileiros até agora por desídia e incompetência, somado a um desprezo pelas vidas em favor de projetos pessoais do presidente. Não tínhamos vacina e descartamos todas as ações responsáveis de proteção social, por palavras, gestos e protocolos.
Agora, quando o mundo começa a anunciar o uso dos imunizantes, devemos ter outras milhares de mortes evitáveis, pelo mesmo comportamento irresponsável e equívocos que se anunciam no trato com as vacinas.
No primeiro caso, pode-se falar em genocídio por passividade e inconsequência. A partir de agora, há dolo para o crime que se anuncia: estão sendo objetivamente negadas às pessoas as conquistas da ciência. Enquanto países como Inglaterra e Rússia anunciam o início da vacinação para este mês, o governo brasileiro bate cabeça e chega a falar em março do ano que vem. São três meses, com médias de mortes que podem de novo chegar a casa das 1 mil por dia. Uma conta macabra.
Em relação ao novo coronavírus o governo federal errou em tudo que era possível. No discurso anticiência; na escolha das pessoas erradas para chefiar o Ministério da Saúde, um equívoco em cascata que chegou à ponta do sistema com uma militarização absurda. Na falsa contraposição entre economia e saúde pública; na criação de protocolos com medicamentos inadequados, de vermífugos a remédios que agravam a condição dos pacientes, na contramão de pesquisas em todo o mundo.
Errou na falta de coordenação racional do combate à pandemia com linha de comando claro e descentralização; na escassez de insumos nos primeiros meses; na ausência de testes em todos os momentos. Na catimba da agência reguladora em relação às vacinas em teste oriundas de países não alinhados; na promoção ativa de aglomerações; no mau exemplo de dirigentes, a começar do presidente. No desalinhamento com entidades sanitárias internacionais, a começar pela Organização Mundial da Saúde.
O governo não protegeu populações mais expostas; não atentou para a gravidade da questão da saúde indígena; não estabeleceu um programa de formação de pessoal para combate emergencial à doença. Não houve uma linguagem única para as fases de testes, diagnósticos clínicos, tratamento de dados epidemiológicos e atendimento aos doentes em diferentes graus de gravidade da doença.
A rede de atenção federal, mesmo pontual, se mostrou desaparelhada, com profissionais em péssimas condições de trabalho, levando ao fechamento de unidades em plena pandemia. As informações foram censuradas em alguns momentos e, em outros, manipuladas contra o interesse da sociedade, obrigando a imprensa a se a adiantar aos canais oficiais para informar minimamente a população. Um dos mais estruturados e confiáveis sistemas de informação do país foi rifado por um consórcio de jornais.
O general Pazuello, que arrogava experiência em logística deixou perder milhares de testes em galpões por decurso de validade. Não parece entender da rede de frios que precisa montar desde já. Não se envolve ativamente na compra das vacinas mais viáveis, independentemente da origem. Anunciou uma licitação e voltou atrás ao primeiro pito de um capitão punido por insubordinação. Como o próprio general da ativa disse, a equação é simples: tem a gente que manda, tem a que obedece. Como militar é fraco, como gestor é ineficaz, como ministro da saúde descumpre seu mandato.
A situação parece de caos. Mas existe saída, desde que não se perca mais tempo. O Brasil tem a seu favor um sistema vitorioso em matéria de campanhas de saúde pública. Tem profissionais comprometidos, tem fortes institutos de pesquisa e produção de conhecimento, como a Fiocruz e o Butantan, a ENSP, o Instituto René Rachou, a Abrasco entre outros. Tem universidades de ponta em pesquisas na área de saúde. Tem um corpo de sanitaristas que criou a engenharia do SUS, tanto na teoria como na prática, inclusive vencendo a disputa política na época da Constituinte.
São muitas as conquistas históricas do movimento sanitário brasileiro. Da qualidade da atenção básica à reforma psiquiátrica. Da defesa da saúde do trabalhador ao combate ao uso de venenos na agricultura. Da redução da mortalidade infantil à estratégia Saúde da Família. Da universalização do atendimento aos parâmetros de equidade. Da montagem de um sistema potente de informações em saúde às campanhas de vacinação. Dos programas de controle de endemias à transversalidade com políticas de saneamento e educação.
Esse panorama poderia ser um patrimônio nesse momento, em que se coloca como desafio planejar a maior campanha de saúde pública da história mundial. O que deveria ser um ponto de partida, no entanto, surge com uma plataforma de luta. É preciso um consenso nacional sobre a incapacidade do governo federal em levar adiante esse processo: ele não quer, não sabe e não se interessa. E joga contra. Os brasileiros estão convocados a tomar nas mãos a política de saúde em torno da pandemia.
Os sanitaristas brasileiros já mostraram do que são capazes em outro momento de nossa história recente. A ação agora, no entanto, não se dá no horizonte da criação de uma política pública estruturante, voltada para o futuro. É hora de assumir o controle da pandemia, tirando-o do governo federal para entregá-lo à ciência, aos especialistas, aos sanitaristas e às entidades ligadas ao conhecimento, à pesquisa, à assistência e ao planejamento.
Não precisamos de um novo ministro, mas de um novo centro de decisão, racional, democrático e comprometido com a vida. Seja um comitê, um grupo de assessoramento, um colegiado com poder de decisão e deliberação. Como fazer isso não é uma questão teórica, mas uma exigência inadiável que precisa de base popular e consenso político.
Ficar meramente na oposição a Bolsonaro e seus sequazes infames no trato da pandemia é uma capitulação que não será perdoada pela história, por mais duras que sejam as palavras e mais abalizadas as críticas. É, literalmente, um caso de vida ou morte. Sanitaristas, uni-vos.
Comandado por um mau militar (criticado por colegas de farda que se envergonham de sua submissão), secundado por outros maus militares no segundo e terceiros escalões, o Ministério da Saúde tem deixado claro que não tem capacidade de coordenar o complexo processo de imunização contra a covid-19.
Morreram dezenas de milhares de brasileiros até agora por desídia e incompetência, somado a um desprezo pelas vidas em favor de projetos pessoais do presidente. Não tínhamos vacina e descartamos todas as ações responsáveis de proteção social, por palavras, gestos e protocolos.
Agora, quando o mundo começa a anunciar o uso dos imunizantes, devemos ter outras milhares de mortes evitáveis, pelo mesmo comportamento irresponsável e equívocos que se anunciam no trato com as vacinas.
No primeiro caso, pode-se falar em genocídio por passividade e inconsequência. A partir de agora, há dolo para o crime que se anuncia: estão sendo objetivamente negadas às pessoas as conquistas da ciência. Enquanto países como Inglaterra e Rússia anunciam o início da vacinação para este mês, o governo brasileiro bate cabeça e chega a falar em março do ano que vem. São três meses, com médias de mortes que podem de novo chegar a casa das 1 mil por dia. Uma conta macabra.
Em relação ao novo coronavírus o governo federal errou em tudo que era possível. No discurso anticiência; na escolha das pessoas erradas para chefiar o Ministério da Saúde, um equívoco em cascata que chegou à ponta do sistema com uma militarização absurda. Na falsa contraposição entre economia e saúde pública; na criação de protocolos com medicamentos inadequados, de vermífugos a remédios que agravam a condição dos pacientes, na contramão de pesquisas em todo o mundo.
Errou na falta de coordenação racional do combate à pandemia com linha de comando claro e descentralização; na escassez de insumos nos primeiros meses; na ausência de testes em todos os momentos. Na catimba da agência reguladora em relação às vacinas em teste oriundas de países não alinhados; na promoção ativa de aglomerações; no mau exemplo de dirigentes, a começar do presidente. No desalinhamento com entidades sanitárias internacionais, a começar pela Organização Mundial da Saúde.
O governo não protegeu populações mais expostas; não atentou para a gravidade da questão da saúde indígena; não estabeleceu um programa de formação de pessoal para combate emergencial à doença. Não houve uma linguagem única para as fases de testes, diagnósticos clínicos, tratamento de dados epidemiológicos e atendimento aos doentes em diferentes graus de gravidade da doença.
A rede de atenção federal, mesmo pontual, se mostrou desaparelhada, com profissionais em péssimas condições de trabalho, levando ao fechamento de unidades em plena pandemia. As informações foram censuradas em alguns momentos e, em outros, manipuladas contra o interesse da sociedade, obrigando a imprensa a se a adiantar aos canais oficiais para informar minimamente a população. Um dos mais estruturados e confiáveis sistemas de informação do país foi rifado por um consórcio de jornais.
O general Pazuello, que arrogava experiência em logística deixou perder milhares de testes em galpões por decurso de validade. Não parece entender da rede de frios que precisa montar desde já. Não se envolve ativamente na compra das vacinas mais viáveis, independentemente da origem. Anunciou uma licitação e voltou atrás ao primeiro pito de um capitão punido por insubordinação. Como o próprio general da ativa disse, a equação é simples: tem a gente que manda, tem a que obedece. Como militar é fraco, como gestor é ineficaz, como ministro da saúde descumpre seu mandato.
A situação parece de caos. Mas existe saída, desde que não se perca mais tempo. O Brasil tem a seu favor um sistema vitorioso em matéria de campanhas de saúde pública. Tem profissionais comprometidos, tem fortes institutos de pesquisa e produção de conhecimento, como a Fiocruz e o Butantan, a ENSP, o Instituto René Rachou, a Abrasco entre outros. Tem universidades de ponta em pesquisas na área de saúde. Tem um corpo de sanitaristas que criou a engenharia do SUS, tanto na teoria como na prática, inclusive vencendo a disputa política na época da Constituinte.
São muitas as conquistas históricas do movimento sanitário brasileiro. Da qualidade da atenção básica à reforma psiquiátrica. Da defesa da saúde do trabalhador ao combate ao uso de venenos na agricultura. Da redução da mortalidade infantil à estratégia Saúde da Família. Da universalização do atendimento aos parâmetros de equidade. Da montagem de um sistema potente de informações em saúde às campanhas de vacinação. Dos programas de controle de endemias à transversalidade com políticas de saneamento e educação.
Esse panorama poderia ser um patrimônio nesse momento, em que se coloca como desafio planejar a maior campanha de saúde pública da história mundial. O que deveria ser um ponto de partida, no entanto, surge com uma plataforma de luta. É preciso um consenso nacional sobre a incapacidade do governo federal em levar adiante esse processo: ele não quer, não sabe e não se interessa. E joga contra. Os brasileiros estão convocados a tomar nas mãos a política de saúde em torno da pandemia.
Os sanitaristas brasileiros já mostraram do que são capazes em outro momento de nossa história recente. A ação agora, no entanto, não se dá no horizonte da criação de uma política pública estruturante, voltada para o futuro. É hora de assumir o controle da pandemia, tirando-o do governo federal para entregá-lo à ciência, aos especialistas, aos sanitaristas e às entidades ligadas ao conhecimento, à pesquisa, à assistência e ao planejamento.
Não precisamos de um novo ministro, mas de um novo centro de decisão, racional, democrático e comprometido com a vida. Seja um comitê, um grupo de assessoramento, um colegiado com poder de decisão e deliberação. Como fazer isso não é uma questão teórica, mas uma exigência inadiável que precisa de base popular e consenso político.
Ficar meramente na oposição a Bolsonaro e seus sequazes infames no trato da pandemia é uma capitulação que não será perdoada pela história, por mais duras que sejam as palavras e mais abalizadas as críticas. É, literalmente, um caso de vida ou morte. Sanitaristas, uni-vos.
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