Editorial do site Vermelho:
As declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro, sobre a urgência da vacina contra a Covid-19 reafirmam a dimensão do descaso do seu governo diante da grave situação de propagação descontrolada da pandemia e suas consequências trágicas. Nos últimos dias foram pelo menos dois pronunciamentos inaceitáveis, especialmente para um chefe de Estado. Primeiro ele disse que não “dá bola” para o fato de vários países já haverem iniciado seus programas de imunização. Depois fez uma série de ressalvas sobre as vacinas.
Para ele, a “pressa em obter uma vacina, segura, eficaz e com qualidade, fabricada por laboratórios devidamente certificados”, depende da “questão da responsabilidade por reações adversas de suas vacinas”, um “tema de grande impacto, e que precisa ser muito bem esclarecido”. Não consta que haja alguma vacina que contrarie as premissas apontadas pelo presidente. O sentido de sua fala tem o propósito de reafirmar seu proselitismo ideológico, especialmente contra a Coronavac, a vacina da China, desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan.
É uma espécie de complemento do seu dar de ombros quando se pronunciou sobre o atraso do Brasil em relação à imunização. Bolsonaro não “dá bola” na verdade para o drama do povo, que enfrenta, além do descontrole da pandemia, os efeitos da crise econômica. Esses dois fatores se combinam para criar um cenário de verdadeira tragédia social, com o agravante de que não há perspectiva de solução a curto prazo para uma nem para outra.
A rigor, uma decorre da outra. À medida em que o bolsonarismo mergulhou o país na crise que se aprofundara no curso do processo golpista de 2016, o povo foi sentindo os efeitos da irresponsabilidade social do governo, enfrentando principalmente a escalada do desemprego. Com ele chegaram as travas ultraliberais e neocoloniais que frearam os mecanismos de Estado voltados para o fomento da economia e para as políticas sociais, resultando num saldo extremamente perverso para o povo.
Com a chegada da pandemia, tudo isso ganhou uma dimensão gigantesca. O pensamento bolsonarista, manifestado desde o início, de que restavam as alternativas de enfrentar o coronavírus ou morrer de fome permanece imutável na sua conduta de indiferença em relação à imunização. Para Bolsonaro, basta ao seu governo gerir o Estado de acordo com o receituário do ministro da Economia, Paulo Guedes – de saque ao país, como na sanha privatista, e de controle do orçamento público pelo sistema financeiro –, e com suas pitadas de falsos moralismos de extrema direita.
Para esse projeto de poder, qualquer mediação democrática é uma anomalia. O bolsonarismo não tem simpatia pelos demais Poderes da República e a menor empatia com o povo. Basta a sua conduta autoritária. E o Judiciário e o Executivo que tratem de segui-lo. Essa incompatibilidade com a ordem democrática do país se manifesta em atitudes como essa sobre a vacinação, que certamente não teria guarida entre muitos magistrados e parlamentares. Muito menos entre o povo, se o país vivesse num cenário iluminado pelo debate democrático.
O clima de fim de ano não pode arrefecer os ânimos na denúncia dessa conduta de Bolsonaro e no enfrentamento às suas causas. A confraternização do povo precisa ser lembrada como um momento também de reflexão, de busca da elevação da consciência social para a gravidade do momento. E ao mesmo tempo semear o terreno da resistência para os embates que virão tão logo o país volte às atividades do pós-fim de ano. Cada vez mais se impõe a lógica de somar amplas forças para isolar e derrotar Bolsonaro.
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