Por Marcelo Zero, no site Brasil-247:
A Terra não é plana.
Dá voltas sobre seu próprio eixo. As estações vêm e vão e tudo que é sólido se desmancha no ar.
Foi o que aconteceu com a parceria Brasil/EUA, ou melhor, com a vergonhosa submissão de Bolsonaro a Trump.
Construída com base em delírios ideológicos da extrema-direita, que incluíam o negacionismo climático e sanitário, o racismo, a hostilidade às minorias, o ódio aos diferentes e ao progressismo social, bem como o total descompromisso com a democracia e os direitos humanos, tal parceria era tudo, menos sólida.
Era gasosa e desmanchou-se num átimo.
Afinal, já havíamos advertido inúmeras vezes que uma parceria bilateral sólida e de longo prazo não se constrói com base em idiossincrasias de governos específicos. Muito menos com base em alianças de forças políticas singulares.
Bastou que houvesse alternância de poder nos EUA, algo bastante comum, para que a parceria gasosa entre o governo Bolsonaro, um fiel e dedicado vira-lata, e seu dono, o rubicundo e autoritário Trump, se esfumasse num limbo diplomático.
O ex-embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, muito ligado ao Partido Democrata, acabou de publicar um artigo intitulado “A delicada verdade sobre uma velha parceria”, no qual dá um belo puxão de orelhas no governo Bolsonaro.
Lá pelas tantas, Shannon adverte, a respeito da aliança subalterna de Bolsonaro a Trump, que:
“A preferência partidária baseada na amizade pessoal é perdoável, assim como a defesa da soberania nacional. No entanto, atacar a integridade e a credibilidade do processo eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à presidência de Joe Biden. É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido.”
Com efeito, Bolsonaro, para agradar Trump, não apenas adiou o quanto pode o reconhecimento da vitória legítima e incontestável de Biden, como fez coro aos delírios conspiratórios dos republicanos trumpistas sobre as imaginárias fraudes nas eleições. Erro crasso e estúpido, inimaginável em governos anteriores.
O tom hostil e ameaçador de Shannon se espraia pelos conselhos que dá ao governo Bolsonaro, instado agora a mudar sua conduta na área ambiental e na condução do combate à pandemia. Há também advertências à necessidade de um compromisso efetivo com a democracia, os direitos humanos e o Estado de Direito.
Até aí, nenhuma surpresa.
A curiosa surpresa vem da reação do bolsonarismo, principalmente de sua área militar.
Segundo a Nota sobre o artigo do site Defesanet:
“O agressivo artigo do ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon, e influente, mesmo aposentado, do Departamento de Estado e ligado umbilicalmente ao Partido Democrata publicado na Revista Crusoé marca o início de um ciclo.
DefesaNet o considera como o início da Task Force Brazil (Força Tarefa Brasil - TFBR), ou a formação do grupo de intervenção e desestabilização do Governo Brasileiro, independentemente de ser Jair Bolsonaro ou não o Presidente, e do Brasil como Nação.
A TFBR já tinha o ex-ministro Sérgio Moro, como agente desestabilizador e interventor agindo para os dos Departamentos da Justiça e do Tesouro (possivelmente incluindo a área de inteligência).
A lista membros da Task Force Brazil é ampla e inclui vários nomes ativos na política, imprensa e judiciário nacional.
Também o eterno interventor, o ex-presidente FHC.”
Muito interessante.
O bolsonarismo descobriu, só agora, que os EUA desestabilizam governos, na América Latina.
É curioso, no entanto, que, quando a presidente Dilma Rousseff foi derrubada por um evidente “golpe branco”, apoiado e insuflado pelos EUA, não houve nenhuma manifestação contrária da nossa direita. Ao contrário, o vergonhoso golpe contra as forças populares foi aplaudido entusiasticamente.
Também não houve reação adversa à ignóbil “lawfare” contra o ex-presidente Lula, levada a cabo por Sérgio Moro e a Lava Jato, sob instrução do DOJ dos EUA.
Na época, Moro era “herói” e foi convidado por Bolsonaro para ser seu Ministro da Justiça, pois, sem ele, dificilmente o capitão teria chegado ao poder.
Mas o mais curioso é reação de indignação contra Shannon.
Os bolsonaristas estão raivosos com o chute que levaram. E com os próximos que virão.
Ora, queriam o quê?
O governo Bolsonaro leva chute porque se colocou na posição de vira-lata abjeto.
Nunca houve uma política externa tão subalterna como a de Bolsonaro.
Para agradar Trump, Bolsonaro jogou por terra os princípios constitucionais da nossa política externa, uma longa e honrosa tradição diplomática e nossos autênticos interesses nacionais.
Com ele, viramos um país minúsculo, um pária mundial que não é mais respeitado por ninguém.
Vira-lata leva chute. É praticamente uma lei natural.
Tomam o que merecem, o que procuraram.
Para que o Brasil volte a ser respeitado e não tome mais chutes, precisaremos de um novo governo, que realmente defenda nossa soberania. Esse que aí está, que vendeu o Brasil e seus interesses a Trump, será sempre um vadio cachorrinho.
O título do artigo de Shannon é uma citação de Machado de Assis.
Machado escreveu também que “lágrimas não são argumentos”. Não adianta agora chorar sobre a soberania intencionalmente derramada.
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