Por Mariana Serafini, no site Carta Maior:
Neste domingo (7) os equatorianos vão às urnas para escolher o próximo presidente. Da última vez que fizeram isso, em 2017, eles decidiram continuar com o projeto político de Rafael Correa, a Revolução Cidadã, mas foram traídos por Lenín Moreno, que se elegeu sob a influência do correísmo e imediatamente após assumir o cargo deu uma guinada completa à direita. Passados cinco anos, mesmo com a perseguição implacável de Lenín contra seus opositores, a esquerda está de volta no Equador e promete retomar a Revolução Cidadã, agora adaptada às novas necessidades, uma vez que o país é um dos mais atingidos pelo coronavírus nas Américas.
A disputa está concentrada em 3 candidatos, mesmo que 16 estejam concorrendo ao cargo. Quem lidera as pesquisas desde novembro é Andrés Arauz, da União Pela Esperança, movimento político herdeiro da linha progressista de Rafael Correa. Em segundo lugar está o empresário neoliberal Guillermo Lasso, do Partido Criando Oportunidades, que foi derrotado nas eleições passadas; e em terceiro, o dirigente indigenista Yaku Pérez, do Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik, que defende uma agenda ambiental e identitária não necessariamente desassociada da pauta liberal.
O governo de Lenín Moreno foi um desastre. E chega ao fim com apenas 7% de aprovação popular. Políticas de austeridade e má condução da pandemia jogaram os equatorianos numa profunda crise econômica e social. O desemprego atingiu 6,6%, a maior taxa desde 2009, e o subemprego é a única forma de sobrevivência para 23,4% dos trabalhadores. Mesmo antes da crise sanitária, o presidente já vinha fazendo cortes impopulares, na Educação, por exemplo, o orçamento foi reduzido em 25%. E no momento mais crítico da pandemia, Lenín anunciou um corte de mais de 4 bilhões de dólares e aproveitou o momento para aprovar a lei que flexibiliza a legislação trabalhista.
Enquanto sufocava a população com políticas de austeridade, o presidente também empenhou muita energia para perseguir seus opositores e fez da lawfare sua principal arma. O vice-presidente Jorge Glas está preso desde 2017, acusado de envolvimento em corrupção com a Odebrecht; se tivesse continuado no Equador, Correa provavelmente teria tido o mesmo destino. Mas desde que deixou o cargo, o ex-presidente vive com a família na Bélgica, de onde agiu para ajudar a rearticular a esquerda em seu país.
Mesmo com a perseguição sistemática de Lenín, a esquerda se reconfigurou e volta à disputa repaginada e com ampla base social. O candidato apoiado por Correa, Andrés Araús, promete uma “Revolução Cidadã 2.0” e se coloca como uma “nova versão de Correa”, não “uma cópia”, mas um herdeiro de um projeto político que em dez anos tirou mais de 2 milhões de pessoas da linha da extrema-pobreza e impulsionou a integração na América Latina.
Aos 36 anos, Arauz será o presidente mais jovem da América Latina caso seja eleito. Mas a pouca idade não o impediu de construir uma sólida trajetória política e acadêmica. Ele foi ministro do Conhecimento e do Talento Humano entre 2015 e 2017, atuou em projetos junto ao Banco Central do Equador e ao Clacso (Conselho Latino-Americano e Ciências Sociais) e é investigador na Escola de Política Pública Gerald Ford e do Instituto de Investigação Social, ambos ligados à Universidade de Michigan, onde é mestre em Economia e Matemáticas. E atualmente é doutorando em Economia Financeira pela Universidade Autônoma do México. Não parece má ideia um presidente tão jovem e com uma carreira tão dinâmica na política e na academia neste país onde 40% da população tem entre 16 e 39 anos.
Para ser eleito no primeiro turno, são necessários 50% dos votos, ou 40% e dez pontos de vantagem sobre o segundo colocado. Se a disputa for levada ao segundo turno, muda o cenário para, Guillermo Lasso, que terá dois meses para fortalecer sua campanha neoliberal. É importante destacar que a estabilidade política não é uma marca do Equador. Na verdade, Correa foi o presidente que permaneceu mais tempo no poder e mudou este cenário. Antes dele, 7 presidentes ocuparam o Palácio de Carondelet em apenas dez anos, foi uma longa e profunda crise política que só estabilizou com a chegada da Revolução Cidadã.
Recuperação econômica
O Equador foi um dos países mais atingidos pelo coronavírus na América Latina. Com 17 milhões de habitantes, já passam de 14.500 mortos pelo vírus e não há horizonte para a chegada da vacina a toda a população. As 4 mil doses que chegaram até agora foram distribuídas entre uma elite política e seus familiares, enquanto os grupos de risco e os profissionais da saúde permanecem sem o imunizante.
O ex-ministro das Relações Exteriores de Correa, Guillaume Long, estima que a crise econômica será a pior desde 1927, uma vez que a queda do PIB será de 10%, a mais aguda dos últimos anos. Não bastasse a pandemia, a economia em queda vertiginosa e um presidente incompetente, o Equador ainda tem uma dívida pública que ultrapassa 62,1% do PIB (quando Correa entregou o governo era de 27,7%).
Serão muitos os desafios e Arauz aposta no desenvolvimento interno e na distribuição de renda para ativar novamente a economia. Um dos projetos emergenciais de sua plataforma de governo é o pagamento de mil dólares a um milhão de famílias pobres logo na primeira semana de governo. Trata-se de uma espécie de auxílio emergencial, que será pago em apenas uma parcela, para dinamizar o consumo e incentivar os pequenos empreendimentos. “Nossa principal e quase única prioridade em curto prazo é a recuperação econômica. Mas esta depende da recuperação da saúde. Enquanto não há vacina, podemos fazer muitas coisas, mas é urgente que a atividade econômica seja reativada, por isso consideramos que a vacina também é uma prioridade”, explicou o candidato em entrevista à Jacobin América Latina.
E depois de vencer a pandemia, ainda haverá todo um novo mundo para construir. Para isso, Arauz acredita que o investimento em educação e tecnologia será a chave para o futuro. “Meu sonho é que possamos ter o melhor sistema educativo da América Latina através da ciência, tecnologia, inovação, conhecimento, conectividade universal e internet, onde os jovens equatorianos possam ser protagonistas de sua sociedade e das mudanças que nosso país precisa”.
O Equador e a integração da América Latina
Durante alguns anos, o Equador foi considerado “a capital da América do Sul”, porque foi na capital do país, Quito, que foi instalada a sede da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). O objetivo da organização, criada em 2008, composta por 12 países da América do Sul, é promover a integração social e econômica da região com um caráter menos voltado às questões comerciais e cambiárias, como é o caso de outros organismos de integração, como o Mercosul, por exemplo.
O problema é que com o enfraquecimento do ciclo progressista e a chegada de líderes de direita à presidência da maioria dos países membros, a Unasul foi deixada de lado. Lenín aproveitou o momento e achou que era uma boa ideia pegar de volta a sede em Quito e deixar a organização sem um escritório principal. E assim jogar a pá de cal que faltava para destruir a organização.
Diferente de seu antecessor, Arauz está disposto a trabalhar pela reconstrução da Unasul, porque vê na integração da América Latina uma forma mais humana de sair da crise que está atingindo a todo os países, uns mais, outros menos. “Esperamos voltar à Unasul e melhorá-la porque não é só um projeto de integração entre governos ou entre políticos, mas também de integração entre pessoas. Isso inclui um grande esforço para criar um programa de intercâmbio educativo, como o programa europeu Erasmus, onde estudantes de países latino-americanos podem estudar um semestre no estrangeiro em qualquer outro país da região. Isso ajudará a construir relações entre os latino-americanos que durarão décadas”.
Com cooperação e solidariedade entre os países da região, a crise econômica que já começa a nos atingir poderá ser superada mais facilmente. Mas para isso, é necessário que o campo progressista retome postos de liderança, uma vez que os neoliberais estão estrangulando nossas economias com medidas de austeridade. Ano passado foi a Bolívia, agora pode ser o Equador e depois o Peru, que é o próximo país a realizar eleições presidenciais em abril. A chamada “onda rosa” parece estar novamente ganhando corpo. Que a disputa deste domingo abra caminho para estes novos tempos.
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