Por José Dirceu
Para me prender de novo - depois de ter sido solto pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por meio de uma decisão mais do que justa e imperativa, pois estava preso há mais de 21 meses sem julgamento em segunda instância -, os procuradores de Curitiba, no mesmo dia em que seria julgado meu Habeas Corpus, 2 de maio de 2017, inventaram uma artimanha para pressionar - isso mesmo, chantagear - a Suprema Corte, oferecendo uma denúncia com base em fatos “requentados” que envolviam as empresas Engevix e UTC.
O artifício não passou despercebido ao Exmo. Ministro Gilmar Mendes que, durante o seu voto, protestou pela descarada insolência dos procuradores ao oferecer uma denúncia absolutamente vazia e inepta, apenas para reafirmar suas pretensões de poder acima da Lei e da Constituição, como está provado pelas revelações de conhecimento público, hoje incontestáveis.
Tanto é fato que, em fevereiro de 2018 – ou seja, quase um ano após o oferecimento da acusação, o então juiz Sergio Moro, percebendo a manobra espúria e ilegal, recebeu a denúncia e a suspendeu pelo prazo de um ano, com o seguinte despacho: “(...). Observo, porém, que todos os acusados já foram condenados, alguns mais de uma vez, em primeira e segunda instância a penas elevadas. Não vislumbro com facilidade interesse do MPF no prosseguimento de mais uma ação penal contra as mesmas pessoas, a fim de obter mais uma condenação. O que é necessário é a efetivação das condenações já exaradas e não novas condenações. Por outro lado, a propositura de ações penais contra multicondenados dificulta a focalização dos trabalhos judiciais nas ações penais ainda em trâmite relativamente a pessoas ainda não julgadas. Assim, apesar do recebimento da denúncia, suspendo sucessivamente o processo por um ano, após o que analisarei o prosseguimento”.
No entanto, novamente a 2ª Turma da Suprema Corte decidiu suspender a execução da minha primeira condenação, fazendo com que o então juiz determinasse, em outubro daquele ano, o prosseguimento da ação penal, que agora é alvo de novo pedido de condenação pelos procuradores.
Salta à vista a pressa e o momento -- e de novo o caráter político e de propaganda -- do pedido extemporâneo dos procuradores, pois a respeito dos fatos relacionados à Engevix, em seu recente interrogatório o réu Gerson Almada permaneceu em silêncio, fazendo apenas uma declaração direta e clara para acusar o delator Milton Pascowitch de mentir em sua delação. E para negar todos os depoimentos prestados anteriormente, inclusive perante a autoridade policial, denunciando o tratamento recebido pelos procuradores: “Eu fui enganado durante dezessete reuniões com o meu acordo de colaboração, onde foram pedidos várias informações, os dados foram fornecidos e, no final, essa colaboração não foi aceita e, não tiveram justificativas para com isso”.
Já o pedido de condenação, na mesma ação penal, pela prestação de serviços de consultoria no Peru à empresa UTC é ainda mais esdrúxulo, uma vez que seus diretores depuseram negando qualquer relação com a Petrobrás ou com propina. No entanto, para escapar do vazio e da inépcia da denúncia, os procuradores inventaram que os aditivos que, de livre e espontânea vontade – conforme depuseram os representantes da UTC -, Ricardo Pessoa decidiu me conceder quando fui preso, teriam sido descontados de uma suposta conta corrente com o PT, mesmo o empresário afirmando que eu não tinha conhecimento do fato.
Acrescente-se, como prova dos excessos “lavajatistas” praticados contra mim, o fato de que, sem provas, fui condenado duas vezes no curso da operação. Na primeira ação penal, a condenação foi fundamentada em todos contratos celebrados entre a Engevix e a Petrobrás.
Na segunda ação penal, que apurava uma licitação vencida pela empresa Apolo Tubulars, salta à vista a condenação kafkiana, utilizada para reforçar a prisão preventiva que já estava em curso há mais de 1 ano. A respeito daquele contrato, a Petrobrás realizou uma comissão interna de investigação e concluiu que não houve ilicitude e fraude no processo licitatório, nem influência externa ou sobre preço. Tanto que, ao final da instrução, o então juiz Sergio Moro absolveu os diretores da empresa Apolo, Peixoto de Castro e Sá Batista, e o colaborador Júlio Camargo, declarando legitimo o valor de 7 milhões de reais que este teria recebido da empresa de tubos a título de consultoria. No entanto, fui condenado, assim como meu irmão Luiz Eduardo, sem prova de que Júlio Camargo me repassara o valor de 4 milhões de reais a pedido de Renato Duque, o qual jamais confirmou essa versão. Como não conseguiram provar esse repasse, usaram uma dívida de uma empresa junto a um taxi aéreo que o delator Júlio Camargo pagou para comprar o avião, como suposta propina para mim de 1,440 milhão de reais, valor a que os procuradores somaram mais 1,2 milhão de reais de outros dois empresários que supostamente teriam me repassado 600 mil reais cada, fato que eles negam e que não está provado nos autos. Uma evidente e aberrante contradição, diga-se, sem prova nenhuma da minha participação ou de recebimento de propina. Nenhum diretor ou funcionário da Petrobrás ou da APOLO citou meu nome ou me envolveu na licitação ou consultoria.
Minhas condenações foram políticas e esses fatos e o momento falam por si mesmos. Nunca me recusei a obedecer as decisões da Justiça do meu país, e desde 2013 entro e saio das prisões: cumpri pena e fui indultado em razão da famigerada Ação Penal 470 na qual fui condenado sem provas, apenas com base no domínio do fato. Uma condenação vergonhosa com ministros expondo argumentos que mancham a história do Supremo Tribunal Federal, como o de que o ônus da prova cabia aos acusados e de que não havia provas, mas a literatura jurídica permitia me condenar. Depois, no curso da operação Lavajato, fui preso em três ocasiões diferentes, tendo me entregado espontaneamente em duas delas.
Já é hora de dar um basta naqueles que, acima da Lei e da Constituição, usaram e abusaram da luta contra a corrupção com fins e objetivos políticos e pessoais – por vaidade, busca do poder, exibicionismo e ascensão social, como hoje está escancarado nas trocas de mensagens entre os procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro.
É inadmissível que agora, depois de todos os bastidores da operação virem à tona evidenciando os excessos praticados pelas autoridades durante toda a investigação, os procuradores insistam em pedir a minha condenação com base em denúncia que teve a evidente intenção de me manter preso e foi, sem sombra de dúvida, um dos atos mais desnecessários e vexatórios praticados na história da Lavajato.
* Jose Dirceu foi deputado federal (PT-SP) e ministro-chefe da Casa Civil no governo Lula.
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