sexta-feira, 19 de março de 2021

A perversidade autoritária da alta dos juros

Editorial do site Vermelho:


A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de elevar a taxa de juros básica, a Selic, de 2% para 2,75% ao ano revela o grande dilema vivido pela economia brasileira. É a velha armadilha da dogmática e “ortodoxa” teoria de controle da inflação por meio de juros cavalares, o que esmaga a economia, que acaba de ganhar força com a “independência” do BC. O orçamento, corroído por esse mecanismo autoritário, se contrai e compromete a capacidade do Estado de investir em questões básicas nas áreas sociais e de infraestrutura.

A crueldade dessa prática ganha mais gravidade por conta da dura realidade do povo, que enfrenta os trágicos efeitos da combinação das crises econômicas e sanitária. É uma sucessão de nocividade, uma sobrepondo a outra. Os juros sangram o Estado, que se paralisa e, além de não cumprir suas funções constitucionais, não fomenta os investimentos públicos e privados, fundamentais para a retomada da economia. A atividade econômica se retrai, inviabilizada pelo encarecimento do crédito, afetando a arrecadação pública. Um efeito gerando outro.

É uma verdadeira reversão da roda da economia, a completa falência da tese neoliberal, pregada pelo ministro da Economia do governo Bolsonaro Paulo Guedes, de que a lógica dos ”guardiões da moeda” garante um fluxo mirabolante de capital – uma avalanche de investimentos, como diz o ministro –, desde que o país promova ”reformas estruturais”. Na realidade, o fluxo é de riquezas nacionais para o exterior, enquanto a demanda interna é ainda mais asfixiada, uma vez que a retração econômica afeta o emprego e a renda.

Com essa política, na verdade o país exporta comida para pagar juros. O saldo da balança comercial, decorrente essencialmente das exportações de produtos in natura, entra na conta dos juros e concentra riquezas. Ele gera divisas usadas para o pagamento de juros e encargos da dívida, enriquecendo uma minoria da sociedade. É um problema de gerenciamento político, com forte viés autoritário — uma marca, aliás, do projeto neoliberal.

A gestão da economia pelo governo Bolsonaro é um mundo de negócios separado dos reais problemas do país — no qual a razão cedeu lugar à adivinhação, à cartomancia e a apostasias no que diz respeito aos interesses do povo e do país. Uma ilha de fantasia e embromação. Aliás, um problema histórico brasileiro, em grande medida responsável pelas mazelas sociais que castigam o povo. Os economistas que assumiram o controle depois do golpe militar de 1964 chegaram dizendo que o dilema inflação-desenvolvimento era discussão da pré-história.

Segundo Roberto Campos, ícone brasileiro desse pensamento, este dilema era um “idílio” — ou produto de fantasia; devaneio, utopia. A política econômica da ”era militar” chegou à crise dos anos 1980, que levou à guinada ”ortodoxa” da linha de condução da economia quando o país ingressou na “era neoliberal”. Foi pelo caminho da prioridade à política de “estabilização monetária” em detrimento da postura desenvolvimentista que o país entrou no ciclo de uma grande crise.

Na verdade, o dilema inflação-desenvolvimento é o ponto fundamental da grande questão da economia brasileira sob a orientação dessa teoria monetária. Não existem uma ou duas causas determinantes tanto da inflação quanto do desenvolvimento. Há sim uma variada relação de causas e efeitos igualmente importantes, monetários e estruturais. E isso tornou-se claro depois da experiência dos neoliberais, quando todo o tempo foram afirmadas teses ditas únicas para a economia brasileira que chegaram a resultados melancólicos. Quando se fala nisso, é inevitável a lembrança da necessidade de criação de emprego e renda. Exatamente o oposto do que acaba de fazer o Copom.

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