Por Gilson Reis, na revista CartaCapital:
Informações divulgadas na imprensa há cerca de duas semanas apontam que uma análise dos dados móveis de celulares, a partir de rastreamento feito pelo Google, evidenciou uma alta movimentação de pessoas em áreas públicas simultaneamente aos períodos que antecederam o aumento do número de casos de Covid-19 no Brasil.
Em outras palavras, o crescimento alarmante de contaminações, internações e mortes por Covid-19 está atrelado à exposição a que os brasileiros se submeteram e ainda têm se submetido. Isso teve relação com as compras de Natal, com as festas de Ano Novo, com as viagens em janeiro, com os blocos clandestinos de Carnaval, com a flexibilização das medidas de distanciamento em diversas cidades e estados do país e, por que não dizer, pode também ter a ver com o retorno precipitado e irresponsável às aulas presenciais, onde essas voltaram, sem que houvesse a segurança sanitária para tanto.
Aliado a essas movimentações da sociedade, que agiu de forma irresponsável, também somos vítimas de um presidente da República que, desde o começo da pandemia, age no sentido de aumentar e potencializar a contaminação e, consequentemente, o número de doentes e de óbitos.
Em diversas ocasiões, Jair Bolsonaro negou a potencial disseminação da doença e suas consequências. Afirmou que era uma “gripezinha”; atentou contra o isolamento social; realizou propaganda de medicamentos incompatíveis com a cura e/ou proteção da sociedade; intrometeu-se nas decisões de ministros da Saúde, demitindo quatro deles; reduziu investimentos na ciência e na tecnologia, atingindo em cheio a pesquisa e a produção de vacinas; negou compras de vacinas em 2020, com informações distorcidas; estimulou e orientou prefeitos e governadores do seu campo político a proceder da mesma maneira; e jogou parte da sociedade contra aqueles que defendiam a ciência e as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de organismos de saúde pública nacionais e internacionais.
Aliando-se a esses conceitos negacionistas, outras vozes somaram-se a essa deformação humanitária, dentre as quais os setores de escolas particulares e das grandes corporações do ensino privado, cujos interesses estão mais do que explícitos: o lucro acima da vida.
Estudo realizado pela Universidade de Edimburgo e publicado na revista científica The Lancet Infectious Disease em outubro do ano passado apontou que, após 28 dias da volta às aulas, houve uma elevação de 24% na taxa utilizada para medir a propagação do coronavírus. Os dados foram calculados com políticas de relaxamento de contenção da Covid-19, incluindo a reabertura de escolas, adotadas por 131 países. Segundo a pesquisa, a reabertura de escolas e a liberação de eventos públicos, como shows e jogos de futebol, por exemplo, foram as medidas que mais impactaram nos índices de transmissão da Covid-19 no mundo.
Há países que adotaram a máxima de que as escolas deveriam ser as últimas a fechar e as primeiras a serem reabertas e isso faz todo sentido considerando que a educação é, sim, essencial do ponto de vista de um direito constitucional, que deve ser garantido a cada cidadão e cidadã.
Acontece que, no Brasil, os que têm reivindicado a pretensa “essencialidade” da educação estão longe de ter em mente a Constituição ou o dever do Estado em garanti-la — senão estariam cobrando que esse mesmo Estado agisse para assegurar outro direito constitucional essencial, no caso, o direito à saúde. Essa, porém, não parece ser a preocupação de quem se volta apenas para os próprios ganhos financeiros. Tanto é assim que, nos países em que se adotou a máxima citada, a retomada das atividades escolares presenciais não foi acompanhada de uma reabertura generalizada de todas as atividades, em todos os setores. No Brasil, porém, querem que ela aconteça mesmo que o necessário distanciamento em outras áreas - também por motivos financeiros - sequer tenha havido.
É igualmente claro também que há outros profissionais sendo constantemente expostos durante todo esse tempo. Não se trata apenas dos profissionais da saúde, mas dos trabalhadores do transporte público, do comércio, da indústria, da construção civil, dos cemitérios. Há quem (donos de escolas, em especial) use esse argumento para, desonestamente, argumentar que professores e técnicos administrativos não querem “voltar” ao trabalho, como se em algum momento tivessem parado.
Em primeiro lugar, cabe destacar que os profissionais da educação seguiram trabalhando remotamente, sem cessar, desde o início da pandemia, muitas vezes com reduções salariais e o dobro de tarefas a executar. Esse falso argumento insinua que profissionais da educação não estariam mais expostos do que outros trabalhadores. Não levam em conta que a abertura das escolas impacta, além de professores e técnicos administrativos, os estudantes e seus pais, que também são trabalhadores. Impacta os trabalhadores da saúde, porque maior circulação de pessoas é condição certeira para a sobrecarga nos hospitais. Impacta os trabalhadores do transporte, com o aumento do número de passageiros, sobretudo em horários de pico. Impacta os trabalhadores do comércio, os da indústria, os da construção civil, os dos cemitérios. Porque a abertura das escolas, neste país onde quaisquer medidas de contenção de riscos e danos são questionadas até pelo próprio presidente da República, impacta toda a comunidade e as milhões de pessoas que a ela pertencem.
A falta de testes, de vacinas, de recursos humanos, de materiais, de controle da curva e de políticas efetivas adotadas pelo Estado brasileiro inviabiliza qualquer possibilidade de retorno às aulas presenciais neste momento. E, onde ela foi feita, de forma atabalhoada e sem o mínimo de responsabilidade, os números, em crescente assustadora, provaram por si só que era preciso voltar a fechar.
Finalmente, é preciso afirmar que o retorno às aulas presenciais é um desejo de todos os profissionais da educação. Contudo, precisaremos enfrentar a maneira autoritária com que os donos de escolas tratam a pandemia e a relação entre capital e trabalho. Nós, profissionais da educação, queremos apresentar e discutir protocolos que garantam a tranquilidade no espaço escolar e o retorno, mesmo que híbrido e parcial, de forma segura, ampla e democrática. Propomos, nesse sentido, quatro protocolos estruturantes: 1) Protocolo Sanitário; 2) Protocolo Pedagógico; 3) Protocolo Trabalhista; e 4) Protocolo Psicológico. Em referência a todos esses protocolos, estamos dispostos a abrir um amplo e necessário diálogo entre todos diretamente vinculados à educação. Entretanto, esperamos que a vacinação de todos os trabalhadores em educação seja colocada na ordem do dia, para que 55 milhões de brasileiros tenham tranquilidade para o retorno às aulas e para enfrentar várias outras adversidades que acompanham essa terrível e monstruosa pandemia.
* Gilson Reis é presidente da Confederação Nacional de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee).
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