Editorial do site Vermelho:
A conjugação dos efeitos das crises econômica e sanitária resulta numa tragédia social que só o tempo poderá dimensioná-la devidamente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constata que o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 4,1% em 2020, a maior contração desde o início da série histórica atual, iniciada em 1996, superando a queda de 3,5% registrada em 2015. A economia brasileira, que tem caído de patamar em patamar – o que deve fazer o país deixar o clube dos dez maiores PIBs do mundo –, sofre as consequências da orientação ultraliberal do governo Bolsonaro, comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
É evidente que os efeitos das crises econômica e sanitária se alimentam mutuamente. O Brasil, atingido de frente pelo furacão que começou a girar em Wall Street em 2007-2008, caiu nas mãos de representantes dos interesses do cassino global, da ciranda financeira internacional, que romperam os diques de contenção da crise estrutural do sistema. Com isso, o Estado deixou de contar com seus instrumentos de fomento do desenvolvimento nacional e passou a somente gerir o circuito do mercado de títulos públicos, uma sangria que consome, em dinheiro vivo, perto de R$ 400 bilhões, segundo o próprio Guedes. Sem contar a rolagem da dívida interna.
Esse passivo sai do “ajuste fiscal”, o milagre com o qual Guedes acena para incautos engolir – a promessa de que a estabilização monetária para garantir o fluxo mirabolante de recursos públicos em direção à farra financeira proporcionará a confiança dos investidores internacionais. É um filme antigo na história brasileira, estrelado por “ortodoxos” que dirigiram a economia na ditadura militar. Em tempos passados foram chamados de “entreguistas”, hoje são também neocolonialistas.
O raciocínio exige reflexão sobre os efeitos dessa orientação macroeconômica. A economia não pode retomar o crescimento sem investimentos, públicos e privados. Sem essa premissa, o resultado é a estagnação e quedas drásticas, como essa constada pelo IBGE. Guedes não diz, mas sua tese repete a calamitosa teoria do bolo, de que era preciso gerar o produto para depois reparti-lo, levada a cabo nos anos de ditadura militar, que partiu o Brasil em dois campos antagônicos e os escancarou na “era FHC”. A uns foi dado o acesso aos padrões de vida de uma sociedade industrial e a outros apenas a cota de sacrifícios necessária àquela aventura dos golpistas de 1964.
Guedes agora tenta impor um violento arrocho fiscal para a sua estabilidade monetária, repetindo a falsa promessa de que essa é a condição para a retomada do crescimento. No seu embrulho entram as estatais, o orçamento público, os direitos sociais do povo e a soberania nacional. Sua retórica embolorada, com ameaças reacionárias como essa de que o Brasil pode virar Argentina ou Venezuela – uma discurseira que põe palavras onde faltam ideias e fatos – lembra os “ortodoxos” da ditadura militar e seus “clones malditos” da “era neoliberal”, como definiu o jornalista e analista econômico Aloisio Biondi.
Os fatos demonstram as consequências nefastas dessa política na vida do povo. Além do desemprego elevado e da inflação de gêneros de primeira necessidade, o Estado se vê amarrado pela ditadura do pensamento único dos interesses representados por Guedes e tábua de salvação do presidente Bolsonaro. Todas as medidas emergenciais para enfrentar a pandemia e seus efeitos ficam sujeitas ao “ajuste fiscal” ultraliberal e neocolonial, deixando a população à mercê da propagação desenfreada da Covid-19, resultando nessas cifras astronômicas, como as 1910 mortes ocorridas neste 3 de março e o descontrole da contaminação, levando ao colapso da rede hospitalar do país.
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