Por Altamiro Borges
No noticiário das tevês, rádios, jornais e sites crescem os relatos dramáticos e tristes de pessoas morrendo no chão dos hospitais à espera de maca e de doentes que acordam durante a intubação por falta de sedativo. O clima é de terror! Profissionais da saúde, pacientes e familiares estão apavorados com a escassez de leitos nas UTIs.
Apesar desse cenário de guerra, o genocida Jair Bolsonaro – que tratou a Covid como "gripezinha" e fez de tudo para sabotar o enfrentamento à pandemia – segue fazendo seu teatrinho. Agora, um ano após o início da tragédia e mais de 300 mil mortos, o “capetão” anuncia a criação de "comitê nacional" para tratar do coronavírus. É um farsante!
Até o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), um dos caciques do Centrão – o bloco fisiológico que hoje está pendurado no laranjal –, parece que não gostou da encenação. O deputado já fala em "sinal amarelo" e insinua que pode até topar a abertura de um processo de impeachment contra o genocida.
Sinal amarelo e o lockdown
Em pronunciamento oficial nesta quarta-feira (24), Arthur Lira disse que não vai mais tolerar erros na pandemia. Seu discurso duro foi interpretado como um recado ao governo federal – sabe-se lá com quais interesses. “Os remédios políticos no parlamento são conhecidos e amargos, alguns, fatais”, disse o cacique do Centrão em tom de ameaça.
Enquanto a guerra política se acirra, com desdobramentos imprevisíveis, as pessoas que estão na linha de frente do enfrentamento à pandemia apelam por medidas urgentes e mais duras. No artigo intitulado “Salvação do SUS requer 30 dias de lockdown rígido”, vários autores – entre eles Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) – garantem que somente “esse esforço poderá poupar 45 mil vidas e evitar a falta crônica de leitos e insumos”. Vale conferir o contundente apelo:
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Salvação do SUS requer 30 dias de lockdown rígido
Folha de S.Paulo – 24 de março de 2021
Não se trata mais apenas de evitar a Covid-19.
Pela primeira vez em uma geração, os brasileiros já não sabem se, diante de um acidente — no trânsito, em casa, no trabalho —, seja em hospitais públicos ou privados, conseguirão receber atendimento.
Um lockdown de somente um mês, rígido e fiscalizado, nos termos sugeridos pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em carta aberta em 1º de março, é fundamental para atravessarmos a pior fase da pandemia sem agravar o estado de calamidade em que estamos.
Por que 30 dias? É o tempo para que a vacinação em massa comece a fazer efeito significativo.
Por três fatores:
1 - toda vacina impede o óbito. Após 450 milhões de pessoas vacinadas (primeira dose, de diferentes vacinas) contra a Covid-19 no mundo, não há notícia de um único óbito por Covid-19 entre elas;
2 - mais de 70% dos óbitos registrados no Brasil até aqui foram de pessoas acima de 60 anos; e
3 - devemos ter duas doses para imunizar todos os brasileiros acima de 60 anos até o início de maio, no cenário mais provável, detalhado abaixo.
E como a vacinação impacta em óbitos por dia?
Estudo da ONG Impulso Gov combinou 12 bases de dados públicas com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, por meio da Lei de Acesso à Informação, para projetar uma queda da atual média móvel de 2.300 óbitos por dia para menos de 1.000 óbitos por dia, a partir de maio, graças à vacinação. A queda continuaria daí em diante.
Ainda são números inaceitáveis.
Mas essa redução nas mortes já aliviaria a pressão insustentável que o sistema de saúde vive hoje.
O estudo traçou três cenários de vacinação (pessimista, intermediário e otimista), e estamos hoje mais próximos do cenário intermediário, com produção nacional de 78 milhões de doses – suficiente para vacinarmos todas as pessoas acima de 60 anos – até o começo de maio.
O estudo e a metodologia completa, disponível em www.CoronaCidades.org, sugere que o pior momento é o que vivemos agora e o que viveremos nas próximas semanas.
Então, se a vacinação deve melhorar a situação a partir de maio, por que precisamos de um lockdown de 30 dias? Não podemos só esperar?
Não. Primeiro, porque se o lockdown reduzir pela metade a atual média de óbitos, em um mês serão 45 mil vidas poupadas.
Há outros três motivos menos óbvios:
1 - sem lockdown, faltarão leitos para… tudo. Se o número de internações por Covid-19 não baixar imediatamente (e não somente em maio, com os efeitos da vacinação), o sistema de saúde —público e privado — pode ficar sem leitos de UTI no país todo, como já é observado em 16 dos 27 estados;
2 - quanto mais a curva sobe, mais difícil baixá-la. Já atingimos 3.000 óbitos em um único dia. Se essa cifra não cair já, não ficaremos abaixo de 1.000 óbitos nem em maio, mesmo com a vacinação; e
3 - novas variantes podem surgir. Se permanecermos muito tempo com elevadíssima circulação do vírus, o risco de novas mutações surgirem aumenta, sendo possível até que o efeito da imunização seja menos potente, e pessoas vacinadas venham a óbito.
Se isso ocorrer, as projeções acima serão invalidadas. Estaríamos de volta a uma situação sem perspectiva de melhora. Há luz no fim do túnel, e ela está próxima; mas, se não formos rápidos, poderá se apagar.
Não podemos esperar mais nenhum dia.
Após indesculpável atraso, o novo auxílio emergencial nacional, enfim, está a caminho – o que nos permite reduzir, agora, a circulação de pessoas, com medidas rígidas e de curto prazo, em todos os estados com mais de 85% de ocupação dos leitos de UTI ou internações por Covid-19 em ascensão.
Mesmo com um rígido lockdown agora, em 30 dias não estará “tudo bem”. Máscaras e distanciamento social permanecem necessários. Mas não sofreremos mais com falta generalizada de leitos e insumos médicos. Não necessitaremos de novos lockdowns nacionais. O pior terá passado.
É verdade que não será fácil: economicamente, psicologicamente. Mas março de 2021 não é março de 2020: sabemos o que fazer, e temos vacinas. Será o último esforço dessa magnitude que precisaremos realizar como nação.
Desde sua criação, há 30 anos, o SUS já salvou milhões de vidas. Agora, somos nós que precisamos fazer nossa parte para, nos próximos 30 dias, salvarmos o SUS.
* João Moraes Abreu – Diretor executivo da Impulso Gov, realizadora do CoronaCidades.org
* Marco Brancher – Coordenador de dados da Impulso Gov
* Carlos Lula – Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)
* Marcia Castro – Professora da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard
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