Estupidez e imoralidade são contagiantes. O pensamento conservador brasileiro abdicou da inteligência e da ética.
Substitui-as por dois simulacros: esperteza oportunista e culto da mentira.
Não é à toa que sua vitrine é o composto indigesto de uma salada lúgubre: um presidente miliciano que mente sem parar com sua família insana, militares de pijama ou de farda incompetentes, falaciosos ao extremo, além de viciados na “boquinha financeira” dos cargos governamentais, um aparato judiciário que atua sobre os escombros do Direito, parlamentares e outros políticos viciados em favores orçamentários, jornalistas e outros “influencers” que viralizam argumentos comprados no marketing das ideias fajutas, pastores e outros religiosos que se equiparam aos antigos vendilhões do templo, que Jesus expulsaria a chicotadas como consta na Bíblia que fez em Jerusalem, médicos e outros pseudo-agentes sanitários que alardeiam curas milagrosas, empresários e rentistas que se lixam para o país que os alimenta e enriquece, e por aí vai. E pior: vem.
Um dos objetivos dos golpes de estado deflagrados a partir de operações como a Lava-Jato, foi alijar as esquerdas do debate sobre políticas públicas nacionais.
Este objetivo foi alcançado em parte. Não foi totalmente vitorioso graças à mídia alternativa.
Esta, embora fragmentária, mantém um espaço aberto para a circulação de um ideário não ortodoxo de diferentes matizes.
A mídia comercial, apesar de agora pretender ensaiar uma oposição ao ocupante do Palácio do Planalto e seu comportamento maníaco-obsessivo, mantém sua fidelidade ao ideário maníaco-depressivo do fundamentalismo econômico que governa seu desgoverno.
A vitória no afastamento das esquerdas teve um efeito paradoxal: o pensamento conservador triunfante ficou sem uma “referência oposta”, pois não consegue reconhecer pertinência num debate com ideias que não sejam as próprias.
O paradoxo está em que a vitória trouxe dois outros efeitos colaterais que se tornaram centrais nesta trajetória.
O primeiro efeito colateral foi a substituição da disputa política por uma guerra de quadrilhas e quadrilheiros.
Os próceres do pensamento conservador deixaram de apresentar projetos para o país.
Em seu lugar passou-se a uma espécie de luta feroz pelo butim-Brasil, envolvendo desde milicianos paroquiais até cúpulas judiciais, militares, midiáticas e outras, passando por olavistas, pastores, beatos, carolas e anacrônicos militantes de uma fanada guerra-fria contra o comunismo.
O outro efeito colateral sobre o pensamento conservador foi a institucionalização da mentira deslavada como prática discursiva.
Este segundo efeito traz um dano permanente: a mentira torna-se um Rubicão sem retorno, isto é, depois dele transposto, não há como voltar atrás.
Deve-se mentir sempre mais e mais, pois institui-se entre o discursante e os discursados um pacto fantasioso que elide completamente qualquer senso de realidade.
Exemplos recentes: diz o ocupante do Palácio do Planalto que sobre a pandemia “não errou uma única vez”, ou algo parecido.
Bom, eis uma mentira que é verdade: de fato, ele não errou uma única vez, ele errou todas as vezes que abriu a boca a respeito. Já a sua claque de basbaques aceita esta mentira como a mais absoluta e sagrada verdade verdadeira.
Há outras mentiras que vão se infiltrando por todos os lados e poros.
Tornou-se comum e de bom tom, entre comentaristas que se acham conceituados, comparar o atual ocupante do Palácio do Planalto com Lula e Dilma, na base da crença de que no fim de contas os extremos se encontram porque são faces de uma mesma moeda, numa fantasia política.
O equilíbrio estaria em outra fantasia, o “centro político”. Fantasia? Sim, fantasia, porque o que existe mesmo não é o centro, mas o “Centrão”.
Outra destas mentiras, que invade os discursos até mesmo de comentaristas que não se julgam conservadores: compara-se o atual ocupante do Palácio do Planalto com Hugo Chavez e Nicolás Maduro.
Qual é o pano de fundo desta atitude mentirosa: é a descrença que exista algo chamado de “imperialismo norte-americano”, uma fantasia de grande calado.
O desministro da deseconomia alardeia que ou se segue o mantra de seus desmandos ou o Brasil afunda. A verdade, que nem ele nem seus cúmplices podem aceitar é que o Brasil já afundou, graças a suas politiquices econômicas, e se esvai em pandemia, sangue e desemprego.
O ocupante do Itamaraty alardeia que sente orgulho em que o seu país esteja se tornando um pária internacional, como se isto fosse uma condecoração. Vai a Israel em busca de um spray milagroso que substitua a falida cloroquina.
Ele e a ministra dos direitos desumanos comparecem a uma reunião da ONU para falarem sobre um país de fantasia que não existe a não ser talvez num planeta plano. Comparar esta turma com Pinóquio é um insulto ao boneco de pau.
Comentaristas que ajudaram a criar esta situação escabrosa hoje posam de democratas, tentando tapar suas vergonhas com uma peneira, pois sabem muito bem o que fizeram no verão passado.
Todos os próceres deste pensamento conservador não se limitam a falar de um Brasil que não existe.
Falam de um mundo que não existe.
Colocam-se como arautos de uma modernidade triunfante que só existe na sua falta de imaginação contumaz e costumeira.
O mundo inteiro está encharcado de pandemia e fracassos retumbantes do rentismo desenfreado que multiplicou a fortuna dos bilionários de sempre e de alguns novos, ao lado da multiplicação da miséria mais miserável da história humana, porque vivida numa época em que já temos recursos plenos para elimina-la ou pelo menos mitiga-la em grande parte.
Este rosário de lágrimas de crocodilo não tem fim.
Por isto paro por aqui.
Ainda um último lembrete: tenho dito, para escândalo de alguns correligionários, que faz falta no Brasil um pensamento conservador coerente e consistente. Sua existência afiaria a força de debate das esquerdas.
Mas duvido que isto venha a acontecer, pelo menos no curto e médio prazo. O pensamento conservador afundou no pântano que inventou para si mesmo. As esquerdas terão de se virar por si mesmas para sair desta areia movediça.
Como de costume, as nossas “élites” (assim, escrito em francês pedante), continuam se mostrando capazes apenas de se oferecer aos grandes centros do capitalismo internacional como meras administradoras locais do seu poderio, dispostas a entregar os dedos para manter o privilégio dos seus anéis, às custas de seu país, que tratam como se ainda fosse uma capitania hereditária, e seu povo, por quem nutrem profundo e irremediável desprezo.
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