sábado, 13 de março de 2021

Unidade e bandeiras para enfrentar a crise

Por João Paulo Rodrigues


Com a chegada à presidência da República de Jair Bolsonaro, expressão de uma corrente neofascista que se insurge contra a democracia e os direitos conquistados na Constituição de 1988, abriu o debate no campo progressista em relação à tática mais adequada para enfrentar os retrocessos em curso no país.

A eleição de uma figura que faz apologia ao golpe de 1964 e defende o regime militar que vigorou até 1985 acendeu na memória de muitos a campanha pelas Diretas Já, especialmente depois que a pandemia de coronavírus chegou ao Brasil e foram realizados atos autoritários contra as instituições.

A unidade de um conjunto de organizações políticas, do movimento sindical, estudantil e popular, das igrejas progressistas, entidades da sociedade civil e formadores de opinião, como artistas, jornalistas e intelectuais, pela democracia nos anos 80 se transformou num paradigma.

A conformação da maior unidade política contra a crise brasileira é alvissareira para fortalecer a resistência ao governo Bolsonaro e apontar uma saída política para o país. No entanto, a definição de um programa mínimo, com linhas de consenso e objetivos comuns que tratem dos problemas da população, é um pressuposto para construir e dar efetividade a uma frente político-social.

Em 2020, surgiram diversas iniciativas de unidade em torno de manifestos em defesa da democracia, que contaram com a adesão de um amplo leque de personalidades de diferentes visões políticas e ideológicas, que geraram muitas expectativas em muita gente bem-intencionada, preocupadas com o futuro do país.

Essas experiências foram bastante pedagógicas e tiveram a riqueza de envolver brasileiros e brasileiras que não são do meio político. Com o objetivo de agregar figuras das mais diferentes visões, o conteúdo ficou tão genérico que a adesão aos manifestos se transformou em um fim em si mesmo. Nada saiu do papel além disso, literalmente.

Desde aquele momento, defendemos que a construção da unidade precisava de um programa mínimo e apresentamos três pontos como propostas: a defesa da vida diante da covid-19, a efetivação de uma política de salário e renda para a população e a abertura do processo de impeachment do presidente Bolsonaro.

Infelizmente, esses pontos não foram absorvidos naquele momento nas diversas iniciativas com pretensão de maior amplitude. Atualmente, estão consolidados no debate público. Até mesmo o impeachment de Bolsonaro, que era um tabu, já foi abraçado por figuras como o jurista Carlos Ayres Britto.

De lá pra cá, o quadro político, econômico e social se agravou profundamente. A partir das lições da história recente, é urgente retomar o chamado de unidade, mas com uma pauta concreta e objetivos claros.

A pandemia de coronavírus ganha força mais uma vez, com o crescimento do número de contaminados e mortos, enquanto o povo brasileiro sofre com o avanço da doença, a falta de emprego e de renda para sobreviver.

O avanço da pandemia, com a disseminação mais intensa com as novas cepas de covid-19, exige a retomada das medidas de isolamento social, a ampliação dos investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) e a construção emergencial de hospitais de campanha.

Mais uma vez, a ocupação de leitos de UTI chegam ao limite, enquanto o governo federal e a maior parte de governadores e prefeitos estão preocupados com a reação de comerciantes e empresários. As cenas vistas em Manaus não podem se repetir em outras cidades do Brasil.

Por outro lado, é necessário acelerar a campanha da vacinação, com a compra e produção de uma quantidade correspondente à nossa população para imunizar de forma pública todos os brasileiros e brasileiras. Bolsonaro e o ministro Pazuello foram irresponsáveis, alimentaram desconfianças e atrapalharam os governadores, criando obstáculos para a vacinação. No atual ritmo, serão necessários mais dois anos para imunizar todos os adultos. A sociedade precisa pressionar para que o Congresso, o STF, os governadores e a comunidade internacional destravem a vacinação no país.

O país tem 67 milhões de pessoas que dependem do auxílio emergencial para sobreviver, que estão sem qualquer renda para comer e pagar o aluguel. No ano passado, a partir da iniciativa da oposição, o Congresso Nacional aprovou projeto para conceder R$ 600, que foi cortado para R$ 300. O programa terminou em janeiro e o Parlamento precisa garantir a renda de R$ 600,00 até o final da pandemia para que não morram de fome aqueles que sobreviverem à doença.

O Brasil ultrapassou a marca de 250 mil mortos e está em segundo lugar no mundo em número absoluto de mortos por covid-19, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. O risco de um morador do Brasil morrer por coronavírus é quatro vezes maior do que no resto do mundo, de acordo com estudo com dados do ano passado do economista Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

O presidente Jair Bolsonaro cometeu inúmeros crimes de responsabilidade diante da tragédia vivida no nosso país e sua permanência significa inviabilizar, atrapalhar ou adiar as medidas necessárias para enfrentar a crise sanitária e social que atinge 210 milhões de brasileiros. Já foram soterradas todas as expectativas de alguns setores de que o capitão reformado poderia ser enquadrado pelos militares, pelo Congresso ou pelo STF.

O momento exige firmeza, coragem e compromisso com o povo e com o país. Apenas com a unidade das forças democráticas em torno das bandeiras do auxílio emergencial de R$600 até o final da pandemia, da vacinação com celeridade de todos os brasileiros e do afastamento do Bolsonaro será possível edificar uma coalizão político-social para defender a democracia e impedir a deterioração das bases da Nação.

* João Paulo Rodrigues é membro da coordenação nacional do MST.

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