E lá se foram 400 mil vidas em pouco mais de 13 meses, como numa guerra ou num desastre natural. Às voltas com a segunda onda da pandemia, o Brasil alcançou, nesta quinta-feira (29), o patamar de 401.417 mortes por Covid-19, conforme o balanço do consórcio de imprensa. Diferentemente do que insinuou o presidente Jair Bolsonaro, não se trata de 400 mil “CPFs cancelados”. São 400 mil histórias individuais abreviadas e interrompidas antes da hora – 400 mil tragédias num país onde o presidente da República não se cansa de negligenciar a crise e flertar com a morte.
Ao todo, já são 14,5 milhões de casos confirmados de Covid-19 no território nacional. É fato que, da primeira para a segunda onda, os brasileiros se depararam com variantes mais contagiosas do novo coronavírus, especialmente a P.1, descoberta em Manaus (AM) no final de 2020. Foi também na capital amazonense que, em janeiro, se observou pela primeira vez um repique da pandemia em proporções alarmantes – espécie de prenúncio para o reagravamento geral da crise em todo o país.
Mas nenhum desses fatores pesou mais para a segunda onda do que a criminosa negligência do governo Bolsonaro – alvo, por sinal, de uma alentadora Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada nesta semana no Senado. É por causa de uma política genocida liderada pelo próprio presidente que o Brasil superou os Estados Unidos e se tornou, neste ano, o epicentro mundial da pandemia.
Bolsonaro sabotou o quanto pôde as medidas de prevenção ao novo coronavírus, evitando usar máscara, formando aglomerações, pressionando pela reabertura de templos e de escolas, enfraquecendo o auxílio emergencial e promovendo medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina. Na crise em Manaus, o Ministério da Saúde não apenas demorou a atender à solicitação de oxigênio – mas também intercedeu de maneira precária.
Mas o descaso de maior visibilidade do bolsonarismo se dá com o chamado Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19. Depois de ignorar 11 ofertas de fornecimento de vacinas entre 2020 e 2021, a gestão Bolsonaro fracassou em todas as etapas da campanha de imunização.
É absolutamente vexatória a frequência com que o Ministério da Saúde descumpre cronogramas e metas, retardando em meses a imunidade coletiva dos brasileiros. Até o momento, depois de três meses de vacinação, 14% da população recebeu ao menos uma dose do imunizante. Em 18 estados, há cidades que interromperam a aplicação da segunda dose por falta de vacinas.
Ademais, em nenhum momento a gestão Bolsonaro aventou, de fato, a possibilidade de um lockdown. Sem uma coordenação nacional, coube aos estados e aos municípios organizarem as principais medidas de restrições – em geral, insuficientes.
Para piorar, a segunda onda parece ter encontrado um Brasil mais vulnerável do que a primeira – haja vista a acelerada reocupação dos leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) para Covid nos sistemas público e privado de saúde. O País atravessou 301 dias sob a pandemia para contabilizar, em 7 de janeiro, as primeiras 200 mil mortes. Com a segunda onda, porém, foram necessários somente 112 dias para haver mais 200 mil óbitos.
Desde março, a média de mortes no País em decorrência do novo coronavírus é superior a 2 mil – foram 78.135 apenas em abril. Apesar de só ter 2,7% da população mundial, o Brasil responde por 12,6% dos óbitos totais no mundo. De cada oito vítimas da pandemia no Planeta, uma é brasileira. Não por acaso, 86% dos brasileiros conhecem no mínimo uma pessoa que morreu de Covid-19, de acordo com pesquisa do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública (CPS) da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD).
Ao lado do empenho da comunidade científica, o trabalho de governadores, prefeitos, parlamentares e do Judiciário – notadamente o STF (Supremo Tribunal Federal) – tem sido fundamental para reduzir danos, evitar mais casos e mortes, conter o genocídio bolsonarista e aventar saídas definitivas para a crise. A isso se somam as valorosas campanhas de solidariedade organizadas por ONGs, instituições religiosas e, sobretudo, entidades dos movimentos social, sindical e estudantil.
Este também é o sentido da CPI da Covid-19, que nesta quarta aprovou a convocação de todos os gestores que ocuparam o Ministério da Saúde no governo Bolsonaro – dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello ao atual, Marcelo Queiroga. A Bolsonaro, mais do que o isolamento, pode sobrar a responsabilização pelos crimes, o impeachment e outras condenações. Depois de 400 mil perdas humanas, derrotar o bolsonarismo e a pandemia é, cada vez mais, o clamor da sociedade brasileira.
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