Por Jorge Gregory, no site Vermelho:
Já famoso mundialmente, não só por seu negacionismo relativo à pandemia, mas também pelo seu negacionismo ambiental, com o governo enredado em uma série de polêmicas envolvendo o Ministério do Meio-Ambiente, o pronunciamento de Bolsonaro na Cúpula do Clima foi cercado de expectativas. Conhecido o conteúdo, ainda se discute se finalmente o arremedo de ditador mudou de opinião e se o pronunciamento representará de fato uma alteração na política ambiental, ou se foi meramente um discurso para inglês ver.
Para quem ainda tem alguma ilusão de que o fato representa uma mudança de rumo na política de devastação da Amazônia, retroceda a pouco mais de um mês atrás. Após reunião, no Palácio do Alvorada, com os recém-eleitos presidentes das casas legislativas, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, o presidente do STF, Luiz Fux, alguns governadores bolsonaristas e vários ministros e assessores, Bolsonaro anunciou a criação de um comitê de coordenação nacional do combate à pandemia e prometeu empenho para ampliar a capacidade de aquisição e produção de vacinas. Antes da reunião, já havia trocado o ministro da Saúde e na sequência o ministro das Relações Exteriores. Muitos se perguntaram se tal mudança de rumo teria sido resultado do acordo com o Centrão e se de fato ocorreria uma mudança de rumos na condução da política sanitária.
Cerca de três dias antes da reunião, um manifesto assinado por 200 economistas e banqueiros viera a público. Na carta, os signatários pediam medidas efetivas de enfrentamento à pandemia e apontavam que o agravamento da situação sanitária não decorria da falta de recursos e sim da falta de priorização da vacinação por parte do governo federal. Obviamente, tal manifesto não reflete tão somente o pensamento daqueles que o assinam. Expressa hoje o sentimento da grande maioria dos empresários brasileiros que, se por um lado não gostam das medidas restritivas dos governadores e prefeitos, por outro lado tomam consciência de que, se a disseminação de contágio não for controlada por meio da vacinação, não haverá outra alternativa senão a adoção de lockdowns.
Dependesse de Bolsonaro, mandaria as vacinas às favas, manteria Pazuello distribuindo cloroquina e Ernesto Araújo ofendendo China e Biden. Muito provavelmente imitaria o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que foi a público declarar que a pandemia havia acabado. Os resultados foram catastróficos. Com o anúncio, milhares e milhares de pessoas se aglomeraram para participar do famoso ritual do banho no Ganges, na cidade de Haridwar. O número de contaminados explodiu e com este crescimento veio o colapso do sistema de saúde, transformando a Índia, neste momento, no país com a situação mais dramática em todo o planeta. Caso isto ocorresse no Brasil, Bolsonaro não estaria nem aí.
A estratégia de Bolsonaro, durante toda a pandemia, foi tentar jogar o empresariado contra os governadores e prefeitos. O objetivo principal era, e continua sendo, aniquilar todo e qualquer possível adversário, ou bases de apoio a estes, nas eleições de 2022. Como não havia vacina, apresentava a cloroquina como solução milagrosa para o enfrentamento da doença e atacava as medidas restritivas para contenção da disseminação adotadas pelos governantes estaduais e municipais. Nunca, em nenhum momento, teve como preocupação o enfrentamento da crise sanitária.
O manifesto dos economistas e banqueiros acendeu o sinal amarelo para a cúpula palaciana e para o Centrão. Com as vacinas começando a ser disponibilizadas por vários laboratórios e diante da inércia e incompetência do governo, parcela do empresariado, importante base de apoio do governo, decidiu reagir. Como diz o ditado popular, onde passa boi, passa boiada. Caso Bolsonaro se mantivesse irredutível, fazendo campanha contra as vacinas, dificultando a sua aquisição junto aos laboratórios e governos estrangeiros, rapidamente perderia totalmente o apoio deste segmento da elite brasileira. Sob pressão do lobby empresarial, inevitavelmente o Centrão e o próprio Lira cederiam ao impeachment. Assim, Bolsonaro se viu obrigado a ceder.
O recuo, que a princípio parecia representar uma mudança radical na política sanitária e externa, revelou-se rapidamente não passar de mera encenação. Bolsonaro nomeou no lugar de Ernesto Araújo um ministro menos agressivo, que abandonou as manifestações permanentes de ataques a líderes e governos estrangeiros, mas que pouco empenho tem mostrado na perspectiva de negociar novas doses de vacinas. A obtenção de mais imunizantes ficou terceirizada a Queiroga que, até o momento, só conseguiu estender o calendário fictício de vacinação estabelecido por Pazuello.
Bolsonaro, por sua vez, sem falar nas vacinas e esforços do governo em obtê-las para uma rápida imunização, voltou a fazer propaganda da cloroquina. A máscara que usou ao anunciar o resultado da reunião no Alvorada deve ter sido jogada e abandonada em alguma gaveta qualquer. Os atos políticos pelo país e os rolezinhos, sem máscara e provocando aglomerações, voltaram a ser uma constante nas cidades satélites de Brasília nos finais de semana. Ou seja, a política sanitária de Bolsonaro, que se baseia na obstinação de confrontar os governadores, não mudou absolutamente nada. Ele apenas passou a fazer um discurso que não desagrada os empresários, não atacando e não desacreditando a vacinação.
O inusitado pronunciamento de Bolsonaro na Cúpula do Clima se dá exatamente neste contexto, o do acordo estabelecido com o Centrão de não atacar as vacinas e de não promover confrontações externas que possam inviabilizar negociações para obtenção de novas doses. Fez um discurso palatável aos líderes estrangeiros, porém recheado de falsas informações e que não significará nenhuma alteração na política ambiental. Assim como com relação à pandemia fez um discurso para agradar ao segmento empresarial, também na questão do meio-ambiente procurou não confrontar a comunidade internacional para não prejudicar o apoio que tem por parte deste mesmo segmento.
A política ambiental continuará sendo exatamente a mesma, a de vistas grossas ao garimpo e mineração, a do desmatamento descontrolado e grilagem de terra. É a visão relativa ao meio-ambiente aprendida pelo genocida na Academia Militar e que tanto agrada aos oficiais do exército: a da devastação, seguida pela ocupação populacional da Amazônia, o que corresponde a uma visão anacrônica de defesa do território. A política ambiental não mudará um milímetro, pois agrada aos militares, que acreditam ser esta uma estratégia de defesa, agrada aos grileiros, garimpeiros e madeireiros, que ficam livres para devastar, agrada à maior parte do agronegócio, que acredita que, independente do que fizermos com o meio ambiente, a China e os países do Oriente Médio continuarão comprando nossos produtos. Quanto aos empresários, estão preocupados com a vacina e não com a política ambiental. Bolsonaro não está nem um pouco preocupado com recursos externos para preservação da Amazônia: seu discurso foi para inglês ver. Para empresários brasileiros verem, também.
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