A mudança de comando nos ministérios da Saúde e de Relações Exteriores impulsionou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a tentar um apelo ao governo brasileiro.
No início da semana, a entidade pediu apoio à suspensão de patentes das vacinas contra o coronavírus.
Movimentações governamentais em torno do tema, no entanto, não dão indicativos de que a postura do Brasil irá mudar.
A gestão de Bolsonaro se recusa a engrossar o coro dos que tentam criar um mecanismo para combater a desigualdade na distribuição das doses.
Índia e África do Sul tentam avançar com o tema desde outubro do ano passado na Organização Mundial do Comércio (OMC).
A proposta tem apoio de mais de 100 países.
Na última quarta-feira (7), poucos dias após a tentativa de sensibilização por parte da OMS, um projeto de lei sobre suspensão de patentes que tramita no Senado foi retirado de pauta, respondendo à pressão do Poder Executivo.
Um dia depois, o assunto foi debatido na comissão geral da Câmara sobre a pandemia.
Representantes do governo afirmaram que o problema está na falta de capacidade de produção e não na manutenção das patentes, e citaram riscos jurídicos.
Em conversa no podcast A covid-19 na Semana, o médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que as justificativas não fazem sentido para um momento de emergência global.
"A gente fala muito em quebrar patente, mas na maior parte das vezes nem chega a ser uma quebra de fato, mas uma suspensão temporária. A gente já enfrentou esse debate em outros momentos de crise", diz ele.
Cardona explica que a negativa do governo brasileiro em apoiar a suspensão das patentes joga por terra um protagonismo histórico construído pelo país.
"Ainda na década de 1990, o Brasil foi um dos países que liderou o movimento, que naquele momento não chegou a concretizar a queda das patentes, mas a movimentação política serviu para se chegar a um acordo com um laboratório que fabrica uma importante droga contra o HIV".
O médico complementa que, mais recentemente, em 2007, o país esteve à frente de outro movimento dessa natureza.
Na ocasião, houve a quebra de patente de um antirretroviral também usado no tratamento da Aids.
"Não foi por conta disso que a indústria farmacêutica quebrou, não foi por conta disso que a indústria deixou de investir em pesquisa" avalia Cardona.
Desigualdade global
O especialista faz um alerta sobre a importância da imunidade coletiva,
"Não adianta a gente vacinar somente uma parte da população e continuar como a gente está agora. Grande parte das vacinas foi para os países ricos, e os países pobres ainda não receberam".
A Organização das Nações Unidas (ONU) alerta que, hoje, mais de 75% das doses está nos países ricos. Quem concentra a maior parte do imunizante são Estados Unidos, China e nações da Europa.
Na defesa pela manutenção das patentes, também estão as nações com mais poder financeiro: EUA, Reino Unido, Suíça, Noruega, Japão e países da União Europeia.
Seria possível defender que o governo tenta estabelecer uma aliança estratégica com essas regiões. Mas, pelo menos para a área da Saúde, não há indícios de acordos que possam sugerir essa possibilidade.
"Até agora, a diplomacia brasileira não nos ajudou em absolutamente nada. Aliás, para não dizer que é nada, os Estados Unidos, no ano passado, enviaram uma remessa de cloroquina para cá", relembra Cardona, sobre a remessa do medicamento, que não tem eficácia comprovada para a covid.
Na opinião do médico, frente à história, o país deveria se colocar em outra posição neste momento,
"O Brasil, pela importância e pela força que tem, deveria estar na liderança para democratizar o acesso à vacina. Sem o Brasil, o próprio movimento perde muita força, e a gente segue como está no mundo todo, com muita dificuldade para vacinar."
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