Depois de passar uma semana maldizendo o Mercosul, o ministro Paulo Guedes avançou truculentamente nesta segunda-feira, na reunião do Conselho do Mercado Comum, em seu propósito de liquidar com o bloco: atropelando o Itamaraty, apoiou "totalmente" a proposta do Uruguai, que autoriza cada membro a fechar acordos comerciais com outros países ou blocos.
Sem ouvir o setor privado, insistiu num corte de 20% na Tarifa Externa Comum (TEC) e trocou chumbo pesado com o ministro argentino da Economia, Martín Gusmán.
Com a reunião virtual do Conselho (órgão deliberativo máximo do bloco) ainda em curso, a chancelaria uruguaia anunciou que sua proposta de flexibilização das regras para acordos bilaterais foi apresentada "com total apoio do Brasil".
Em verdade, com total apoio de Guedes, pois o Itamaraty acabou sendo atropelado na discussão.
Agora ela será examinada e apreciada na reunião presencial que os argentinos querem realizar em maio em Buenos Aires.
Uruguai e Brasil, arrastando o Paraguai, querem suprimir a exigência de consenso entre os quatro países para a assinatura de acordos separados, especialmente com Estados Unidos e China.
A Argentina é contra, e tem peso econômico suficiente para impedir a aprovação da proposta.
No seu entendimento, se cada país puder fazer os acordos que bem entender, a integração regional, razão de ser do globo, estará comprometida.
Este foi o pivô da ácida discussão que tiveram os presidentes Lacalle Pou e Alberto Fernandes na recente reunião que celebrou o aniversário de criação do Mercosul.
Em entrevista publicada ontem pelo jornal argentino Clarín, em que abordou temas diversos da política brasileira e continental, o ex-chanceler brasileiro no governo Lula, Celso Amorim, também declarou que a flexibilização pretendida representará o fim do bloco e de seu objetivo primordial, a integração regional.
Declarou-se inteiramente identificado com a posição argentina.
O outro ponto de atrito na reunião foi a redução da TEC. O corte linear de 20% proposto por Guedes significará maior abertura para as importações, expondo as empresas do bloco a uma maior competição com produtos estrangeiros, especialmente bens industriais.
A Argentina defende uma redução de 10,5%, que incidiria sobre bens intermediários, não sobre produtos finais, protegendo as indústrias locais de uma competição mais predatória.
Entende-se que o Uruguai e Paraguai, que não tem indústrias de peso, defendam tal abertura, mas não o Brasil. Entretanto, o setor privado brasileiro não foi ouvido pelo governo antes do encaminhamento da proposta. Nem se ouviu qualquer manifestação da CNI ou de porta-vozes do setor.
As discussões acabaram enveredando para o tema do papel do Estado no impulso ao desenvolvimento.
Gusmáz afirmou que "a tal mão invisível do Estado é invisível porque não existe", referindo-se a um postulado do economista Adam Smith, adotado pelos neoliberais. Em resumo: o Estado deve ser mínimo e o mais ausente possível, deixando que o mercado resolva todos os problemas.
Guedes rebateu dizendo que metade dos economistas que já ganharam o prêmio Nobel são oriundos da Universidade de Chicago, em que ele estudou, e de onde surgiram os famosos "Chicago Boys", precursores das políticas neoliberais.
A imprensa argentina destacou a troca de farpas e o chanceler argentino Felipe Solá afirmou em vídeo que "diferenças grandes" afloraram na reunião.
A reunião de maio do Conselho acontecerá, portanto, com as relações Brasil-Argentina completamente azedadas.
E pelo andar da carruagem, o destino do Mercosul agora está atrelado ao futuro político brasileiro.
Sob Bolsonaro e Guedes, está condenado.
Resta saber se Guedes conseguirá enterrá-lo antes do final do governo Bolsonaro, antes de 2022, por impeachment, ou depois da eleição, em que deve ser derrotado. Provavelmente por Lula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: