Por Altamiro Borges
Acatando pedido da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), que deve estar muito preocupada com a queda dos dízimos, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou a realização de cultos religiosos com a presença do público no momento mais dramático e mortal da pandemia da Covid-19 no Brasil. A decisão foi publicada em pleno sábado (3) e derruba decretos municipais e estaduais que impunham restrições a cultos e missas.
Em seu parecer de 16 páginas, o ministro argumentou: “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável por conferir acolhimento e conforto espiritual".
A sua decisão irritou outros ministros do STF, que já trabalham pela reversão da sentença do novo "ministro terrivelmente evangélico" indicado pelo "capetão" Jair Bolsonaro. Gilmar Mendes, por exemplo, manteve as medidas de isolamento social aprovadas pelo governo de São Paulo.
"O novato tem expertise", ironiza Marco Aurélio
Já o decano Marco Aurélio Mello, que se aposentará em julho, questionou a legitimidade da Anajure para entrar com o pedido no Supremo. Ele também criticou a pressa de Kassio Nunes para tomar uma decisão individual, monocrática. Em entrevista ao jornal Estadão, ele foi bem irônico: “O novato, pelo visto, tem expertise no tema. Pobre Supremo, pobre Judiciário. Atendeu a associação de juristas evangélicos? Aonde vamos parar? Tempos estranhos!”.
Segundo relatos da imprensa, neste domingo de Páscoa houve aglomeração de fiéis em missas e cultos em várias partes do Brasil. Algumas igrejas e templos inclusive ignoraram os protocolos fixados na decisão do STF, que limitava a 25% a capacidade dos locais e exigia uso de máscara. Desta forma, o coronavírus circulou à vontade em cultos e missas.
Um dos mais animadinhos com a decisão do ministro Kassio Nunes foi o “apóstolo” Valdemiro Santiago, o dono da Igreja Mundial do Poder de Deus que vende “semente de feijão que cura a Covid”. Em um culto realizado no domingo na sede nacional da seita, no bairro do Brás, na capital paulista, ele festejou: "Foi determinado por um ministro que as igrejas voltassem a ministrar culto. Mas o mérito não é do ministro, é de Deus", disse o mercador da fé.
"Vai ao templo para testemunhar o cofre"
Mas nem todas as denominações religiosas aprovaram a decisão irresponsável do ministro do STF. Em nota, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) criticou a realização de cultos e missas presenciais. "O Conic orienta que, mesmo neste período de Páscoa, o ideal é que as pessoas #FiquemEmCasa. A celebração da Páscoa é algo muito importante para nós, cristãos. Mas é fato que vivemos tempos difíceis. Tempos atípicos. Neste sentido, a ida a um culto ou missa pode ser uma oportunidade a mais de se expor ao vírus".
Em entrevista ao site UOL, o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, também rebateu o ministro Kassio Nunes Marques. “É interessante que, na sentença, ele diz que isso é a essencialidade da liberdade religiosa. Que engano. A essencialidade da liberdade religiosa é o testemunho. Não é ir no templo. Tem muita gente que vai no templo e não testemunha Jesus. Vai no templo para testemunhar o cofre. Vai no templo para testemunhar o lucro, não Jesus. Nós não precisamos ir no templo para testemunhar Jesus. Nós precisamos testemunhá-lo na vida. O testemunho de Jesus no Brasil, hoje, é garantir proteção social para todo o povo, é garantir vacina para todo o povo”.
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