Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:
No marco de 11 anos do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, a entidade optou por celebrar seu aniversário trazendo à tona um tema caro para o conjunto dos veículos de comunicação progressistas: a questão da falta de apoio e protagonismo das mídias, das comunicadoras e dos comunicadores negros e periféricos.
Essa marca estrutural, segundo os debatedores que participaram de live no dia 25 de maio, é nítida na mídia hegemônica, mas uma matriz que se repete, também, no próprio campo progressista. “A mídia alternativa é um nicho da comunicação. Já nós, mídias negras e periféricas, temos sido relegados a um plano no qual somos nicho do nicho”, afirma o professor Dennis de Oliveira. “Há uma marginalização dessas mídias dentro da própria mídia alternativa”, acrescenta o pesquisador da Rede Quilombação e do canal Farofa Crítica.
Os comunicadores negros, segundo Oliveira, sofrem com o racismo que os impede de ascender no mercado da comunicação como um todo, mas opina que passou da hora da esquerda e das mídias do campo progressista refletirem sobre o assunto e darem um passo adiante para não morrerem apenas no discurso.
Coordenador do Barão de Itararé e fundador do Jornal Empoderado, o jornalista Anderson Moraes mediou o papo. De acordo com ele, convidar negros para falar sobre racismo ou ter suas colunas é positivo, mas não basta. “Quantos negros e negras vocês acham que estão em posições de chefia, comandando editorias, na mídia hegemônica e progressista? Praticamente não existe, são pouquíssimos”, exclama.
Se a situação é crítica no quesito racial, ela se agrava quando somado o componente de gênero. O que é difícil para o negro é ainda pior para as mulheres negras, conforme explicam as jornalistas Katia Passos e Jéssica Moreira. A primeira, uma das fundadoras dos Jornalistas Livres e coordenadora da produtora de conteúdo Inédita Brasil, lamenta: “Não cabe mais neste país de crise pandêmica, econômica e institucional sermos mídia independente sem defender a agenda negra e isso também vale para a agenda indígena e a agenda LGBT. A gente perde muita gente boa desta área pelo simples fato de que essas pessoas não conseguem arrumar trabalho”.
Jéssica Moreira, por sua vez, relata sua experiência com o Nós, Mulheres da Periferia, veículo que se apresenta, em sua própria página, da seguinte forma: “Somos mulheres que criaram um site para escrever textos e registrar histórias que não encontravam em lugar nenhum. Em um país em que as mulheres estão à margem da liderança dos meios de comunicação, o Nós mulheres da periferia é uma empresa jornalística fundada e autogestionada por mulheres negras e periféricas”.
A jornalista conta que é comum que jornalistas procurem Nós, Mulheres da Periferia como fonte e que há dificuldade, inclusive, para receber a classificação de um meio de comunicação, sendo muitas vezes referidas como um “movimento”, por exemplo. “Não somos fonte, somos jornalistas e comunicadoras que contam histórias e produzem conteúdos sobre a periferia e desde a periferia”, diz.
Cultura e mídia alternativa
Sociólogo, João Negão integra a Rádio Cidadã FM e trabalha com rádios comunitárias desde a década de 1990. Trabalhou com grupos de hip hop e se dedicou a estudar movimentos culturais das periferias de metrópoles internacionais. Segundo ele, o processo de marginalização e exclusão por parte das classes dominantes é muito similar em todos os lugares.
“O que percebemos, porém, é que há uma consciência crítica aguçada nas juventudes das periferias e, por isso, criei o programa Cabeça de Nego, contando histórias de vida de ‘celebridades anônimas’ das periferias”, avalia. “O que eles temem é que não só falemos da nossa cultura, das nossas histórias e do nosso ponto de vista, mas também que ganhemos dinheiro com isso”.
A perspectiva abordada por João Negão remete ao caminho trilhado por Jaime Diko Lopes, articulador social do extremo sul da cidade de São Paulo. Produtor cultural e coordenador da Rádio Mixtura, Diko conta que a cultura oferece ferramentas para que os jovens periféricos contem e construam suas histórias. “Na quebrada, a cultura anda de mãos dadas com a comunicação. Foi num centro cultural do meu bairro que aprendi o que era fazer comunicação”, recorda. “A música da quebrada, o grafite no muro, tudo isso é mídia alternativa. Mas queremos mais”.
O caldo que sai desta live de 11 anos do Barão de Itararé, protagonizada por esses seis comunicadores, é que o ‘cala boca já morreu’ e que cabe, em grande parte, às mídias alternativas e do campo progressista, assimilarem e incorporarem, com urgência, a emergência e o protagonismo das vozes negras e periféricas.
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