terça-feira, 22 de junho de 2021
EUA já não impõem seus desígnios à China
Os Estados Unidos acabam de lançar um ultimatum à China para que franqueie a seus agentes de espionagem o acesso a todos os seus dados relacionados com o aparecimento do vírus da covid-19, sob pena de sofrer fortes represálias. Os chineses responderam deixando claro que vão retrucar com igual ou maior violência às tentativas de ingerência inamistosa por parte dos Estados Unidos.
Até pouco tempo atrás, as ameaças de sanções feitas pelos representantes do imperialismo estadunidense tinham o poder de intimidar e encurralar a seus países desafetos, por maiores que estes fossem. Para fazer valer seus pontos de vista em detrimento do que aspiravam os demais, além de sua enorme superioridade militar, os Estados Unidos contavam com a força incomparável e a pujança de sua economia. Sim, assim eram de fato as coisas até recentemente.
Por sua vez, ao longo da história, com o avanço do mercantilismo e a expansão do colonialismo ocidental para a Ásia, a China passou a sofrer as consequências de sua debilidade bélica face às potências europeias e do atraso de suas estruturas econômicas em relação ao capitalismo que começava a preponderar no Ocidente.
Foi por isso que, embora contasse com uma história e uma cultura muito mais rica e diversificada do que a de seus invasores europeus, a China foi por eles subjugada e dominada. Por longos anos, os chineses foram material e moralmente ultrajados e humilhados por expedições armadas de países que nem de longe tinham alcançado o nível de sua riqueza cultural.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos despontaram como a principal potência do mundo capitalista, contando com uma imensa máquina bélica como jamais havia sido visto e, para reforçar seu predomínio, com a economia mais avançada e pujante entre todas as do planeta.
A partir do tratado de Bretton Woods, os Estados Unidos conseguiram transformar a sua moeda (o dólar estadunidense) na referência de trocas para o comércio internacional. Com isso, o caminho para o exercício indisputado da liderança mundial viu-se bastante facilitado. Posteriormente, com o fim da convertibilidade do dólar e sua transformação prática em moeda fiduciária generalizada, os Estados Unidos deixaram de se preocupar com a questão do déficit no comércio exterior, visto que, no final das contas, caberia às outras nações arcar com o rombo orçamentário estadunidense, que ia se agigantando como nunca antes.
A incapacidade da União Soviética de adequar seu desenvolvimento tecnológico do campo militar ao econômico acabou por impedi-la de resistir com êxito aos choques com os Estados Unidos. Como resultado desse fracasso, os Estados Unidos se impuseram como a única grande potência do planeta, tanto a nível militar como no econômico.
Para os desavisados, isto indicaria também uma definitiva vitória ideológica. Tudo parecia se dirigir em confluência para aquilo que o teórico pró-capitalismo Francis Fukuyama chamara de “O fim da história”, com a supremacia definitiva do capitalismo sobre o socialismo, e com os Estados Unidos à cabeça da nova ordem mundial.
No entanto, naqueles momentos de turbulência, entre a liderança da Revolução Chinesa, havia gente que não estava de acordo com esse destino já traçado que dava como certa a vitória final do capitalismo e a imposição eterna do domínio dos Estados Unidos sobre o resto da mundo.
Diferentemente do que ocorrera com os soviéticos, os líderes chineses souberam explorar a necessidade de crescimento do capital internacional e puderam atraí-lo para seu território. Para construir sua base industrial moderna e tecnologicamente avançada, os governantes chineses ofereceram aos conglomerados industriais dos países capitalistas condições extremamente favoráveis para a obtenção de altas taxas de lucro.
Sendo assim, em pouco mais de duas décadas, boa parte das grandes empresas dos Estados Unidos e de outros países capitalistas ocidentais tinham redirecionado suas plantas industriais para a China.
Em contraste com o que costuma acontecer com os países não desenvolvidos quando recebem investimentos do exterior, as autoridades chinesas se preocuparam em criar condições para que os sacrifícios aceitos para desenvolver a base industrial lhes rendessem também a possibilidade de alcançar sua independência real.
Hoje, não há dúvidas de que a China é um país independente, dono de seu próprio destino. Não apenas isto. A China se tornou o centro do dinamismo da economia mundial. Ao permitir que o capital estrangeiro se instalasse em seu território para se aproveitar das vantagens em função da média salarial muito mais baixa, os líderes chineses tomaram os cuidados para garantir que a tecnologia para lá levada não servisse tão somente para a satisfação dos ganhos imediatos de seus proprietários capitalistas estrangeiros.
Portanto, atualmente, a China conta com o maior parque industrial do planeta. Os produtos feitos na China estão presentes em todos os mercados imagináveis. E com um peso e uma intensidade tão significativas que não podem simplesmente ser eliminados sem que haja consequências muito sérias para os países relacionados.
Também foi parte das preocupações dos responsáveis pelo destino econômico da China a melhoria do padrão de vida das massas populares chinesas e, consequentemente, com o crescimento acelerado do mercado interno. Em vista disto, a China se tornou um dos mais importantes importadores de bens e produtos de países de todos os continentes.
Em relação com o que acabamos de nos referir, basta observar o que ocorre com a economia de um país como o nosso Brasil. Embora Bolsonaro e seus ministros sejam torpes, preconceituosos, filo-estadunidenses e imbecis antichineses, eles simplesmente não têm como impedir a continuidade dos negócios entre Brasil e China. O que seria de nossa economia se Bolsonaro decidisse pôr em prática seu sonho de cortar todos os vínculos com a China? O Brasil entraria em colapso, nosso agronegócio (tão bolsonarista) seria destruído, entre outras catástrofes.
É por isso que também a nível mundial os Estados Unidos não têm como impor suas decisões por sobre todos os outros países. A própria economia dos Estados Unidos depende para seu funcionamento da economia chinesa. Para tirar a China do mercado, os Estados Unidos teriam que estar dispostos a arrasar com sua própria economia. Além de sua importância direta no intercâmbio de mercadorias, a China é o maior credor da dívida externa estadunidense. São mais de 1 trilhão de dólares em títulos que estão em mãos chinesas.
O dinamismo da economia chinesa já ultrapassou em muito à dos Estados Unidos. Devido a isto, na atualidade, seria impossível para os Estados Unidos exercer qualquer protagonismo econômico global sem se aproveitar da vantagem artificial de ser o dono da moeda de aceitação generalizada. À medida que os países vão procurando fugir do comércio com base no dólar estadunidense, a situação vai se tornando mais crítica para a supremacia dos Estados Unidos no conjunto das nações.
Não é à toa que a China já não se amedronta diante das ameaças externadas pelos agentes do imperialismo estadunidense. A cada golpe sofrido, os chineses sabem que podem revidar com contragolpes muito mais demolidores.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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