Em 1975, o Exército aceitou e disseminou a informação que o jornalista Wladimir Herzog, assassinado sob tortura nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, havia se suicidado. De joelho, como mostra a foto do inquérito policial militar, à época.
Apontado como subversivo pela ditadura militar, Herzog, funcionário da TV Cultura, se apresentou voluntariamente à unidade do Exército para dar esclarecimentos sobre sua atuação política. Submetido a choques elétricos e a um espancamento brutal, o jornalista morreu durante o interrogatório.
Em 1981, o Exército aceitou e disseminou a informação que dois militares, o capitão Wilson Dias Machado e o sargento Guilherme Pereira do Rosário, haviam sido vítimas de um ataque terrorista no Centro de Convenções do Riocentro, na Zona Oeste do Rio, onde milhares de pessoas estavam reunidas para um show comemorativo de Primeiro de Maio.
Ligados à linha dura da ditadura militar, Machado e Rosário pretendiam explodir bombas no Riocentro, matar o máximo de civis e colocar a culpa em grupos de esquerda. Uma das bombas explodiu no colo do sargento, matando-o na hora, e ferindo gravemente o capitão, que sobreviveu para fazer parte de uma farsa grotesca comandada pelo coronel Job de Lorena, que emprestou o nome e a patente para produzir um relatório favorável aos companheiros de farda.
Machado e Lorena estão vivos, coronel e general da reserva, respectivamente. Nunca pagaram por seus atos infames.
É dessa linhagem de mentiras que deriva a recente decisão do mesmíssimo Exército Brasileiro de garantir impunidade ao general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde responsável direto, por ação e omissão, pela morte de centenas de milhares de brasileiros, durante a pandemia da Covid-19.
Ressalte-se que a discussão em tela, levada ao alto comando do Exército – um clube privado de generais de quatro estrelas – sequer dizia respeito à responsabilidade de Pazuello pela morte de mais de 300 mil pessoas, mas à singela participação do general em um ato político, sem máscara e sem pudores, ao lado de Jair Bolsonaro, no alto de um carro de som.
Exigia-se, apenas, o cumprimento do artigo do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que explicita a proibição de militares da ativa de participar de atos político-partidários. Mas nem essa concessão ao bom senso o Exército nos deu. Preferiu escorar-se no velho histórico de vilania incrustado como medalha no peito da força terrestre, desde sempre um exército de ocupação e de contenção social, a serviço das classe dominantes.
O bolsonarismo, de certa forma, revolveu as entranhas do militarismo brasileiro e trouxe à tona uma geração de oficiais generais que, para espanto da sociedade brasileira, parece ter sobrevivido a uma experiência de criogenia da Guerra Fria.
Relegados, desde a redemocratização do País, em 1985, a educarem a si mesmos, os militares se mantiveram congelados nas políticas de doutrina de segurança nacional dos anos 1960, prisioneiros de velhas apostilas de guerra revolucionária da Escola Superior de Guerra.
O resultado foi o envenenamento ideológico de extrema-direita que produziu essas figuras risíveis, totalmente distanciadas da realidade, entreguistas e envolvidas numa luta quixotesca contra uma fantasiosa ameaça comunista internacional.
A única maneira de retirar as Forças Armadas desse ridículo sem fim é fazer uma intervenção radical nos cursos de formação de praças e oficiais, de modo a moldar novas gerações de militares com formação democrática real e conectados à realidade social do País onde vivem e trabalham.
É uma tarefa urgente e necessária, sem a qual estaremos relegados a ser, para todo o sempre, uma patética república de bananas.
E o Manoel Fiel Filho ?
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