Por Moisés Mendes, no Diário do Centro do Mundo:
Ricardo Salles caiu, mas agora não queremos saber detalhes da queda de Salles. Não é a prioridade num dia tão cheio.
O que precisamos saber é do caso da Precisa e tentar entender por que Bolsonaro cometeu uma barbeiragem que um assessor de Odorico Paraguaçu não cometeria.
Precisamos saber tudo sobre a empresa envolvida na compra da Covaxin, a vacina de US$ 15, com chip de ouro.
Ricardo Salles será pisoteado pela boiada que ajudou a juntar e a defender, como aconteceu com todos os que se aproximaram de Bolsonaro e caíram em desgraça, ou quase todos.
Salles talvez não tenha a sorte de um Abraham Weintraub, arredado para Washington com salário de mais de R$ 100 mil.
Sem proteção, Salles pode ser entregue aos índios, para prestar contas ao Curupira.
O que importa no momento é detalhar melhor o que já se sabe do caso da Precisa, enquanto se espera o depoimento de um dos donos da empresa, Francisco Maximiano, na CPI do Genocídio, talvez daqui a 10 dias.
Sabe-se que Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, alertou o irmão, o deputado Luís Miranda (do DEM do Distrito Federal, na foto com Bolsonaro) sobre os rolos na compra da vacina.
Sabe-se, contado pelo deputado, que ele foi com o irmão ao Alvorada para um encontro com Bolsonaro, no dia 20 de março.
Nesse dia, apresentaram as provas do que estava acontecendo.
Sabe-se, também segundo o parlamentar, que Bolsonaro avisou que acionaria a Polícia Federal.
E que o próprio Luís Ricardo Fernandes Miranda denunciou depois ao Ministério Público as pressões estranhas de dentro do governo pela compra apressada e superfaturada da vacina.
Não se sabe se Bolsonaro acionou a PF.
Não se sabe ao certo quem é o coronel ou quem são os coronéis citados pelo deputado, que estariam pressionando o irmão. Não se sabe o que a Precisa ganhou ao atuar como atravessadora.
Agora precisamos saber o seguinte. Por que a Precisa se atravessou no negócio? Quem do governo permitiu ou incentivou a empresa a intermediar uma negociação que geralmente não tem intermediários? O que Bolsonaro sabia?
O dinheiro, mesmo que ainda seja virtual, é o que deve ser rastreado.
O superfaturamento é indício de rolo, para aumentar a comissão do atravessador, e o silêncio de Bolsonaro é uma informação.
Eduardo Bolsonaro já deu o recado para o deputado irmão do servidor autor da denúncia: “Ele vai ter que provar o que diz ou estará em maus lençóis”.
Numa situação normal, a intervenção do filho significaria apenas uma informação óbvia e previsível. Quem acusa, precisa provar.
Num país sob anormalidade, pode significar o alerta de um filho defendendo um pai líder de uma facção.
Pode ser um deputado defendendo um presidente aliado, ou pode ser alguém, em tom de miliciano, fazendo ameaças.
Dizem que Bolsonaro tem método, que é estrategista, que tem raciocínio lógico de militar.
Não tem nada. Bolsonaro é um corpo carregando uma cabeça desgovernada que vai no lançante, como provam todas as suas atitudes.
Se não fosse assim, não teria cometido o erro que está na origem dessa história toda. Um político comandado pela racionalidade, mesmo um político mediano, não faria o que Bolsonaro fez.
Bolsonaro recebeu o deputado e o irmão dele fora da agenda, porque sabia que ouviria o relato de um rolo. Se não fosse assim, haveria uma audiência normal, registrada formalmente.
E aí está o erro. Bolsonaro ouviu o alerta de uma suspeita de corrupção, porque o servidor talvez tentasse se livrar do risco de cumplicidade com corrupção num negócio de R$ 1,6 bilhão.
É possível que Bolsonaro tenha mandado um assessor ouvir a história.
Por meio desse assessor, foi informado de detalhes do caso. E aí tentou resolvê-lo. Bolsonaro foi o destinatário final da denúncia.
O sujeito cometeu um gesto amador. Tentou um deixa-comigo, para segurar os irmãos.
Tanto que a reunião acontece num sábado, o deputado está de camiseta e Bolsonaro veste uma camisa de mangas curtas.
Tem uma informalidade nesse encontro, que Bolsonaro tentou manter nas sombras. Mas o para-te-quieto não funcionou, e os dois irmãos decidiram sair atirando.
No mínimo, se não tomou providências diante da denúncia, Bolsonaro prevaricou ao engavetar e esconder o caso. No máximo, pode estar envolvido.
Agora, precisamos saber também o que Eduardo quis dizer com a ameaça sobre os maus lençóis.
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