domingo, 25 de julho de 2021

As Forças Armadas e o Centrão

Por Gilberto Maringoni, no Diário do Centro do Mundo:


Escrevi há pouco um post dando conta da entrada do Centrão no núcleo do governo, ação que desaloja as Forças Armadas dos principais espaços decisórios da administração federal.

Com isso, julgo ter fracassado a tentativa de se constituir um governo militar e estaria fora da agenda a possibilidade de um golpe até a realização das eleições de 2022.

Dois amigos me procuraram, argumentando que a análise seria precipitada e que eu não teria levado em consideração o papel do Centrão como expressão política da maior parte do PIB, vale dizer, da Faria Lima. São observações procedentes e vou tentar refletir sobre elas.

1. Claro que eu não prevejo o futuro. Quando digo que o golpe saiu de cena, busco explicitar que as tentativas putschistas de Bolsonaro e dos militares serviram para isolá-los ainda mais.

A última tentativa presidencial de repetir, com sua internação, a chantagem emocional da facada de 2018 deu com os burros n’água.

A encenação acabou, sem maiores consequências favoráveis ao governo;

2. As investidas de Braga Netto e do chefe da FAB caíram no ridículo.

Em três semanas foram três ameaças de intervenção militar – a nota dos quatro, a entrevista do brigadeiro Júnior e o recado do ministro da Defesa – que acabaram em coisa alguma. Quem tem poder para dar golpe não avisa.

Vai lá e golpeia. Ao não agirem assim, os chefes militares deixaram patente suas fraquezas;

3. Outro amigo observa o seguinte: “Não é que o Centrão esteja tentando salvar as instituições principalmente porque elas sejam pressupostos do poder dos deputados, a questão mais importante é que o grande capital não tem interesse numa ditadura militar, em colocar um Bonaparte no poder e se submeter a ele. Os riscos para o status quo de uma situação ditatorial seria enorme”.

Bom argumento. Seria preciso esmiuçar os motivos pelos quais um golpe bonapartista não teria êxito. Na linha de frente estaria o absoluto isolamento externo do governo.

Claro que se o PIB julgasse que a ruptura institucional seria uma saída, a história iria por outro caminho. Mas nas condições normais de temperatura e pressão, o setor exportador está bombando com a alta das commodities e o setor varejista interno encontrou o caminho das pedras num mercado menor que o dos anos petistas, mas de alta rentabilidade.

As fusões e aquisições no setor de serviços reportadas pela mídia – concentração acelerada de capital – mostram que o topo da pirâmide não tem do que reclamar da situação e não deseja mudar;

4. Mais uma observação: “É também um erro do artigo subestimar a mudança de equilíbrio de forças nas ruas e na opinião pública. Se Bolsonaro tivesse colocando mais gente na rua do que a esquerda, o quadro político seria muito diferente”. Sim, mas aqui entramos no terreno das conjecturas.

“Se” algo diferente acontecesse, muita coisa mudaria. No entanto, a situação concreta de Bolsonaro leva a um refluxo de seu apoio popular.

Quem coloca multidões nas ruas agora são os setores democráticos de variadas matizes;

5. Por fim, é importante dizer: o poder foi repactuado, mas a dominação de classe segue igual.

A pandemia segue causando tragédias, o desemprego continua, bem como a fome e as demais hecatombes nacionais.

Há uma mudança das cadeiras dentro do palácio. Por isso, reitero, temos uma mudança lampedusiana.

Conta feita, há uma marca decisiva nessa mudança de comando.

O Centrão surge após a queda da ditadura, no processo constituinte de 1987-88.

Ou seja, emerge na democracia, especialmente como reação de antigos latifundiários às pregações pela reforma agrária.

Logo recebe adesões do que se considerava como coronéis do nordeste e ex-lideranças da Arena, o partido da ditadura.

Ato contínuo, o grupo parlamentar vinculou-se a parcelas do que seria considerada a burguesia moderna do sul-sudeste (começando pela área de telecomunicações até chegar ao capital financeiro, passos dados nas gestões tucanas).

É um setor com raízes oligárquicas muito fortes, que se modernizou e aprendeu a disputar o aparelho de Estado por dentro.

Fez isso nos governos do PSDB e do PT.

Apesar de não ter um compromisso sólido com a democracia, hoje não precisa de um regime de força para se expandir. Em outras palavras, hoje o golpe tiraria espaço do Centrão em favor dos militares.

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