domingo, 11 de julho de 2021

O horizonte imprevisível de Bolsonaro

Por Igor Felippe Santos

O estouro das denúncias sobre o esquema de corrupção na compra das vacinas para o coronavírus aprofundou a crise do governo Bolsonaro. Diante disso, as forças populares convocaram uma nova manifestação para 3 de julho, em uma reunião extraordinária. A terceira manifestação da campanha "Fora Bolsonaro" teve apenas sete dias para a convocação, agitação, mobilização e organização.

A meta entre os mais realistas era manter o mesmo padrão de mobilização para, em curto espaço de tempo, incidir na conjuntura dentro das condições impostas pela crise política. A aposta era que os depoimentos de Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, e seu irmão Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, na CPI da Pandemia no Senado Federal elevariam a temperatura política e precipitaram uma série de acontecimentos que impulsionariam a mobilização, especialmente pelas redes sociais.

O #3JForaBolsonaro reuniu em torno de 800 mil pessoas, em 312 municípios no Brasil, além de 35 cidades em 16 países no exterior, atendendo as expectativas de uma jornada com caráter extraordinário. Ou seja, atingiu o objetivo mais realista, repetindo o mesmo patamar das duas últimas rodadas, embora aqui e acolá os relatos indiquem que alguns atos tenham sido menores, maiores ou iguais. A mobilização dos setores médios, da juventude estudantil e dos dirigentes das organizações da classe trabalhadora manteve o vigor neste 3 de julho, com abrangência nacional e consolidação da capilaridade em dezenas de cidades médias e pequenas.

A manutenção do 24 de julho na agenda de manifestações concede aos setores populares um tempo maior para efetivar as articulações em curso. O engajamento do movimento sindical, com a organização de assembleias nos locais de trabalho, e a atuação dos movimentos populares nos territórios são fundamentais para o salto de qualidade necessário na luta popular. O processo de acúmulo de forças passa pelo aumento da mobilização de faixas da classe trabalhadora.

O aprofundamento da crise do governo, que se agudiza com as denúncias de corrupção, e o fortalecimento da luta pelo "Fora Bolsonaro" têm forçado deslocamentos de personalidades e franjas da direita para uma posição mais firme de oposição. Tanto a adesão de ex-bolsonaristas ao superpedido de impeachment como a participação de setoriais do PSDB no ato em São Paulo refletem o fortalecimento da luta.

Nesse processo, a campanha Fora Bolsonaro tem mantido a condução das manifestações e as bandeiras em defesa do afastamento do presidente, das medidas sanitárias (especialmente, a aceleração da vacinação) e das políticas de manutenção de emprego, salário e renda (com destaque para a retomada do auxílio emergencial de R$ 600). Quem se deslocou da influência da extrema-direita, mudou de posição e aderiu à campanha contra Bolsonaro foram, justamente, esses atores. Quantos mais setores se desprenderem e aderirem ao impeachment, mais força para alcançar esse objetivo.

Mais uma vez, os grandes meios de comunicação fizeram uma cobertura factual dos atos, noticiando os protestos por todo o país, apresentando as pautas e reconhecendo os cuidados com as medidas sanitárias. As cenas de violência de pequenos grupos no ato de São Paulo, tanto as agressões aos militantes do setorial LGBT do PSDB como a quebradeira de vidraças de bancos e pontos de ônibus - sejam causadas por militantes com táticas equivocadas ou por provocadores infiltrados - são preocupantes. Esses acontecimentos isolados criam uma imagem ruim das manifestações e criam dificuldades para a massificação das manifestações. Além disso, abrem margem para a milícia dos bolsonaristas nas redes sociais estigmatizarem os manifestantes.

O levantamento do comportamento do público nas redes sociais, produzido por Fábio Malini, demonstra o impacto dessas cenas. Até o final da tarde (18h), os atos #3JForaBolsonaro registraram 500 mil postagens no Twitter. O campo bolsonarista teve uma redução expressiva, neutralizado com as denúncias de corrupção. Caiu de 25% das interações no último ato para 9%. No final da noite (23h), repercutindo as imagens de violência, o bolsonarismo voltou ao patamar de 25% do total de interações, com vídeos e imagens para circular pelos seus grupos. O presidente Bolsonaro aproveitou a onda e fez uma postagem sobre o tema para desqualificar as manifestações.

A responsabilidade das forças populares para conduzir as próximas manifestações cresce, assim como os desafios para massificar a mobilização. O salto de qualidade da luta depende, sobretudo, do envolvimento de faixas da classe trabalhadora. Até agora, os atos demonstram que um segmento da sociedade está em movimento e tem disposição para atender aos chamados. É um patrimônio que precisa ser preservado para evitar desgastes, com a convocação excessiva de atos.

Sectarismo e vandalismo podem obstruir o processo de ampliação necessário para avançar a luta popular. Além disso, abrem a guarda para a extrema-direita manipular o significado dos protestos, incidir sobre os agentes da repressão e, inclusive, justificar medidas autoritárias, como o endurecimento da lei do terrorismo, que tramita em comissão especial na Câmara dos Deputados.

As grandes manifestações e a evolução da crise política levaram à reabertura da discussão no Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre o impeachment, que tem um peso decisivo. Ao mesmo tempo, aumenta a pressão sobre o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e outras instituições para tomar medidas, como o STF (Supremo Tribunal Federal) e a Procuradoria Geral da República, que tem a responsabilidade de conduzir um inquérito contra o presidente por prevaricação no escândalo da Covaxin.

A descoberta do esquema para a compra das vacinas e o esquadrinhamento dos casos na CPI do Senado abriram a porteira para uma escalada de denúncias, que serão elementos catalisadores das próximas manifestações e podem forçar mais deslocamentos para a defesa do impeachment. As gravações que apontam o envolvimento pessoal de Bolsonaro no esquema das “rachadinhas”, o procedimento ilegal de entrega de salários pagos a assessores pelo Estado ao parlamentar contratante, sinalizam que mais casos podem vir a público, o que torna o cenário imprevisível.

* Igor Felippe Santos é jornalista e atua em movimentos populares. @igorfelippes no Twitter.

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