Editorial do site Vermelho:
O definhamento do presidente Jair Bolsonaro se agravou nesta semana, mas por um script absolutamente inesperado. Tudo indicava que a retomada dos trabalhos da CPI da Covid-19, no Senado, daria protagonismo ao Poder Legislativo no noticiário nacional, com novas inquirições e denúncias sobre a negligência do governo federal no combate à pandemia. Como se sabe, além da omissão do governo em relação à pandemia de Covid-19, há evidências cada vez mais fartas de que o Ministério da Saúde se envolveu em esquemas de corrupção na compra de vacinas anti-Covid.
De fato, ao tomar agora o depoimento de assessores “informais” do governo nos escândalos da vacinação – como o reverendo Amilton Gomes de Paula e o empresário Airton Soligo, o “Cascavel” –, a Comissão Parlamentar de Inquérito voltou a desgastar Bolsonaro. Os testemunhos evidenciaram ainda mais a lama em que o bolsonarismo está metido – e pelos quais deve satisfação – nas negociações de imunizantes.
Mas foi o Poder Judiciário que, efetivamente, começou a emparedar o presidente e seu governo nestes dias, numa série de reações à altura da nova escalada golpista de Bolsonaro. Desta vez, o presidente passou dos limites e ameaçou rasgar a Constituição com sua defesa chantagista do voto impresso, a ponto de dizer que, sem a impressão do voto, não haverá eleição em 2022.
Tanto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) quanto o STF (Supremo Tribunal Federal) não passaram recibo às bravatas vindas do Planalto. Ao contrário: ao confrontarem publicamente Bolsonaro, os membros dessas Cortes o cercaram de forma contundente.
A decisão de Luiz Fux, presidente do STF – que nesta quinta-feira (5) anunciou publicamente o cancelamento de uma reunião pré-agendada entre os Três Poderes, com a presença de Bolsonaro – foi apenas o ponto culminante do enfrentamento. Raramente um ministro à frente da mais alta Corte do País usa palavras tão duras quanto à credibilidade da maior autoridade nacional.
“O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Mores, sendo certo que, quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro. Sua excelência mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário, bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro”, declarou Fux.
O Judiciário não se limitou ao discurso. Quando Bolsonaro usou uma live e a TV Brasil, na semana passada, para acusar as urnas eletrônicas, usadas em eleições no País desde 1996, de serem passíveis de fraude, o TSE respondeu a cada ponto de imediato em seu site, com esclarecimentos ágeis e categóricos. O presidente confirmou, de modo constrangedor, que não tinha provas – mas só “indícios”, risíveis – de que a eleição presidencial de 2018 foi fraudada. E o TSE, protocolarmente, rebateu todos esses “indícios”.
Porém, diante da insistência do presidente na desinformação e nos ataques a magistrados, os membros do tribunal aprovaram por unanimidade, na segunda-feira (2), mais duas medidas: a abertura de uma “apuração administrativa” a respeito das falsas denúncias de fraudes no sistema eleitoral e um pedido ao STF para que Bolsonaro também seja investigado no “inquérito das fake news”.
Como o Supremo atendeu à solicitação na quarta-feira (4), o presidente agora é formalmente investigado. O “inquérito das fake news” apura, desde 2019, ameaças feitas a ministros da Corte e a seus familiares por bolsonaristas. Ao justificar a inclusão do presidente no rol de investigados, Alexandre de Moraes, relator do inquérito, informou que Bolsonaro pode ter cometido crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, bem como no Código Penal e no Código Eleitoral.
Para Moraes, o presidente agiu com “o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia”. Ainda que seja improvável, passa pelas mãos do Judiciário a possibilidade de condenação de Bolsonaro por abuso de poder político e econômico, tornando o presidente inelegível.
Seja qual for o desfecho do caso, as contestações de ministros do TSE e do STF ao golpismo de Bolsonaro estimularam outros setores da sociedade a se posicionarem com semelhante firmeza. Na mesma quarta-feira, um manifesto em defesa da urna eletrônica, assinado por representantes de OAB, CNBB, Comissão Arns, ABC, ABI e SBPC, foi entregue ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. “É espantoso como, sob o impacto de mais de 550 mil vidas perdidas na maior crise sanitária já enfrentada pelo País, perca-se tanto tempo e energia em tentar demolir o edifício democrático”, apontam as instituições.
Empresários, intelectuais, políticos e artistas também se uniram em outro documento com a mesma finalidade – o manifesto “Eleições Serão Respeitadas” –, que já conta com mais de 250 signatários, muitos dos quais votaram em Bolsonaro em 2018. “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias. O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados”, afirma o texto.
Assinam o manifesto, entre outros, nomes como dom Odilo Scherer, Monja Coen, Luiza Trajano, Guilherme Leal, Horácio Lafer Piva, Arminio Fraga, André Lara Resende, Edmar Bacha, Pedro Malan, Roberto Setubal, Pedro Moreira Salles, Celso Lafer, Renato Janine Ribeiro, Paulo Vannucchi, Paulo Sérgio Pinheiro, Drauzio Varella, Marcos Palmeira, Regina Braga e Priscila Cruz.
Ao fim desta semana agitada, Bolsonaro sai menor e mais isolado em seu intento golpista. Conforme reconheceu Walter Schalka, presidente do grupo Suzano, “o meio empresarial se omitiu durante muito tempo”, mas agora se juntou a outros setores para reverter a “situação de deterioração” do Brasil. Um a um, os últimos bastiões de Bolsonaro se descolam do governo e se somam à inadiável luta em defesa da democracia.
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