domingo, 19 de setembro de 2021

Em quanto tempo esqueceremos da pandemia?

Por César Locatelli

Ao mesmo tempo em que nos enlutamos com os quase seiscentos mil mortos, temos dúvidas profundas se o Brasil, a sociedade brasileira, aprenderá alguma coisa com a tragédia, se a usará para reduzir os danos dos próximos cataclismos.

Será que daqui a vinte anos negaremos que houve uma matança, da mesma forma que alguns negam hoje que houve uma ditadura? Será que as vítimas sobreviventes, órfãos, parentes e sequelados, continuarão a receber um sonoro ‘virem-se’ do Estado brasileiro? Será que aqueles que contribuíram para que as infecções e mortes atingissem números muito superiores ao que seria possível com ações sérias e coordenadas continuarão circulando livremente, ocupando cargos públicos e desencaminhando muitos?

Entre tantas dúvidas há a certeza de que só a mobilização de muita gente pode fazer com que estejamos melhor preparados para enfrentar dificuldades semelhantes que certamente surgirão. Só com demanda popular conseguiremos que se cuide das vítimas e se responsabilize quem agravou a calamidade. Assim surgiu Vida e Justiça.

Criada em abril de 2021, a Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid19 - Vida e Justiça - está congregando pessoas e movimentos sociais para, nas palavras de Renato Simões, da coordenação da associação, dar uma resposta organizada ao conjunto de aflições que nos atingem a todos, mas muito mais fortemente os mais pobres:

“Ao lidar com a pobreza, as redes de solidariedade encontraram as vítimas da Covid e não é aquele vírus democrático que ataca ricos e pobres. Hoje nós temos uma pandemia que virou um genocídio por uma ação deliberada do governo federal, que ao negar as políticas públicas para a grande maioria do povo, negou as condições de sobrevivência para os mais pobres.

Esse processo de contaminação em massa, em busca da tal imunidade de rebanho, atingiu fundamentalmente que tinha que trabalhar, quem tinha que entrar nos ônibus, quem tinha que ir de metrô, quem tinha que, de alguma forma, buscar sua sobrevivência.”

Em certas regiões, conta Sueli Bellato, uma das coordenadoras da Vida e Justiça, às quais levavam cestas básicas e máscaras, as redes de solidariedade se viam diante do pedido dos moradores para trocar essas ofertas por urnas funerárias para, com alguma dignidade, enterrarem seus mortos.

Dos encontros de profissionais da saúde, entidades religiosas e de direitos humanos, parlamentares, entre outros, surgiu a ideia de montar uma associação nacional para dar voz às vítimas dessa calamidade. Prossegue Simões:

“Que não seria propriamente uma entidade representativa de vítimas. Mas que seria o espaço de uma aliança estratégica entre vítimas, familiares e entidades e movimentos sociais que se contrapõe à política oficial do Estado brasileiro.

(…)

Estamos falando de algo muito grande. Potencialmente estamos falando de um processo muito similar àqueles que outros genocídios na humanidade viveram. Com vistas a quê? Com vistas à busca da verdade histórica. Não é vontade de Deus, não é um descuido do Governo Federal, não é uma incapacidade que o mundo inteiro teve de lidar. Aqui há uma especificidade, uma verdade que precisa ser contada para que haja reparação e justiça.

O que as vítimas da Covid e o que a sociedade brasileira demandam do Estado brasileiro que hoje é hegemonizado por uma aliança entre neoliberais e fascistas? Não há nada para as vítimas da Covid nem no projeto fascista nem no projeto neoliberal”

* A exposição completa de Renato Simões sobre a associação Vida e Justiça pode ser assistida no site do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé.

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