Editorial do site Vermelho:
É difícil apontar, no período recente, um avanço para a democracia tão significativo quanto a adoção das federações partidárias, concretizada nesta segunda-feira (27), no Congresso Nacional. Graças a uma articulação pelo PCdoB – mas que contou com a adesão de partidos de distintos espectros político-ideológicos –, o Senado e a Câmara dos Deputados rejeitaram, em sessão conjunta do Congresso, o veto do presidente Jair Bolsonaro às federações partidárias.
Veto, por sinal, absolutamente estapafúrdio, uma vez que o conjunto das legendas partidárias já havia se manifestado a favor da medida. Os senadores aprovaram, em 2017, o Projeto de Lei do Senado (PLS) Nº 477/2015, que altera duas leis (a dos Partidos Políticos e a das Eleições), “para instituir as federações de partidos políticos”. Na Câmara, onde tramitou como Projeto de Lei (PL) Nº 2.522/2015, a proposta foi igualmente aprovada, em 12 de agosto passado, por 304 votos a 119.
Em 8 de setembro, porém, Bolsonaro vetou integralmente o projeto, alegando que o texto “contraria interesse público” ao, supostamente, ressuscitar as coligações partidárias, hoje vedadas devido a uma nefasta Emenda Constitucional. Embora a coligação entre partidos nas eleições também seja um expediente democrático e legítimo, a comparação bolsonarista é não apenas uma falsidade. É também uma afronta à Constituição, cujo 1º artigo assegura o pluralismo político.
Na prática, a principal semelhança entre coligações e federações partidárias é que, nos dois casos, os partidos continuam a existir, preservando seus programas. Mas há uma imensa diferença no alcance de uma e outra parceria.
Até 2018, as coligações eram firmadas nos marcos de um processo eleitoral específico, perdendo validade formal ao fim da apuração dos votos e da proclamação dos resultados. Do ponto de vista legal, encerrado o pleito, os partidos coligados não tinham mais a obrigação de marcharem juntos. De resto, essa união eleitoral entre partidos podia variar de estado a estado.
Quanto às federações partidárias, a eleição é somente o ponto de partida de uma atuação conjunta e qualificada. Depois que duas ou mais siglas anunciam uma federação entre elas em suas respectivas convenções eleitorais, o passo seguinte é estabelecer um programa, um estatuto e uma direção comuns. Os partidos mantêm seus próprios diretórios, suas identidades e seus princípios, mas firmam um acordo político programático, com validade nacional e vigência de uma legislatura (quatro anos).
Nada disso era estranho a Bolsonaro e a seu entorno, mas o presidente optou pelo veto – em vez da sanção pura e simples – por um casuísmo: o presidente trabalha efetivamente pelas restrições democráticas. A legislação vigente já impõe uma cláusula draconiana de barreira e o fim das coligações. A federação não reverte esses males, mas reduz os danos à democracia. Impedir as federações partidárias era uma forma de deixar o quadro político-partidário mais ao gosto e aos caprichos das elites políticas.
Por se tratar de rejeição de veto presidencial, era preciso ter maioria absoluta nas duas Casas – ou seja, que mais da metade dos 81 senadores e dos 513 deputados federais votassem pela derrubada do veto. No Senado, a federação, apreciada em destaque, necessitava do apoio de ao menos 41 parlamentares – e alcançou 45. Na Câmara, os deputados derrubaram, em bloco, quatro vetos de Bolsonaro – incluindo aquele à federação partidária –, por 353 votos (96 a mais que o necessário) a 110. Nasceu, assim, a Lei Haroldo Lima, uma homenagem ao saudoso deputado constituinte que foi pioneiro na defesa das federações.
“O PCdoB se empenhou, com sua bancada na Câmara dos Deputados, sob a liderança de Renildo Calheiros, em conjunto com um amplo leque de legendas, pela aprovação da federação de partidos. E atuamos assim porque temos certeza de que esse modelo fortalece a democracia e o pluralismo político”, ressaltou Luciana Santos, presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco.
Vários parlamentares fizeram questão de exaltar a importância de partidos ideológicos – notadamente o PCdoB – para a saga da democracia no País. Foi o caso do líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), segundo o qual as federações ajudavam “partidos histórico” contra o autoritarismo. “Bolsonaro quer destruir, por exemplo, o PCdoB, para depois ficar criando fake news na sua bolha, afirmando que acabou com os comunistas no Brasil”, afirmou o senador. “Não estamos falando de legendas políticas de aluguel – mas de legendas políticas que têm identidade programática, como é o caso do meu partido, a Rede Sustentabilidade. Estamos falando de legendas políticas que têm quase cem anos de história, como o Partido Comunista do Brasil”, agregou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Sim, o Brasil precisa combater as chamadas “legendas de aluguel”, mas não à custa de partidos históricos e ideológicos, que engrandecem a democracia. As federações partidárias serão relevantes nesse sentido, conferindo um caráter mais nacional às agremiações e, em especial, a suas propostas, além de estimular a unidade entre partidos do mesmo campo. É uma forma, ainda, de combater o fisiologismo e a progressiva fragmentação do sistema partidário – afinal, quem trair a federação, desligando-se dela antes do prazo legal, perderá Fundo Partidário, tempo de TV e outros direitos.
Países como Alemanha, Portugal, África do Sul, Uruguai e Chile experimentam há anos a federação partidária, com grande apoio popular. Este há de ser o caminho do Brasil também. Sem coligações e com cláusula de barreira, as eleições no Brasil corriam o risco de avançar rumo à oligopolização de grandes partidos, que canibalizariam os menores e ficariam mais livres para impor a pauta política do País. As federações partidárias freiam este e outros retrocessos.
Viva o pluripartidarismo! Viva a democracia brasileira!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: