Por Manuel Domingos Neto
Cedinho, topei com meu velho amigo Zé Afonso na fila do pão. Arqueado e triste, disse que esse país não tinha jeito.
Afonso sempre achou que o problema nacional fosse a corrupção. Brasília seria um antro de meliantes. Parlamentares e juízes, nem se fale, todos ladrões. Daí apostar na necessidade de um corajoso que botasse todos na cadeia. Bolsonaro, era mal educado e até podia ser corno, mas, coragem o homem tinha, acreditara o inocente Afonso.
Na volta para casa, encontrei Toinho da Carlota estacionando sua moto possante. Toinho gosta de lustrá-la. Malha todo santo dia e veste camiseta apertada. Respondeu à contragosto meu cumprimento habitual. Havia retirado o adesivo verde-amarelo do “Brasil acima de tudo”. É protegido do Arquimedes, um médico que, dizem, ganha mais dinheiro vendendo reprodutores bovinos e equinos do que atendendo clientes. Duas coisas Arquimedes nunca perde: missa aos domingos e oportunidade de comprar imóveis a preço abaixo do mercado.
Antes de entrar em casa, ouvi de meu colega Quixaba, abrindo as portas de seu curso preparatório de candidatos ao vestibular: “Bolsonaro deu um tiro no pé!”
O Brasil amanheceu diferente. O indomável guerreiro antissistema esfarelou. Consta que fora comunicado ser difícil segurar líderes do centrão tendentes ao impeachment. Nervoso, pediu socorro à Temer Ponte Para o Futuro.
Aí eu lembrei Genoino, que conviveu com o fanfarão e, repetidas vezes me disse que Bolsonaro não é homem para ir aos finalmente. Grita, ameaça, xinga, estica a corda, mas amarela na hora decisiva.
O “bolsonarismo” não conta mais com Bolsonaro. O Mussolini de araque abdicou do comando das hostes adoradoras da força bruta assinando um texto escrito pelo sedoso Temer. Jogou ao mar seus seguidores bestializados, que acreditavam na interdição do Supremo, na caça aos comunistas e aos “moralmente degenerados” como caminho para a redenção do Brasil.
Bolsonaro vergou diante da reação de instituições fragilizadas, mas ainda não respirando. O Cavalão ganhara a cadeira para fazer valer a vontade insaciável dos ricaços e o sonho de generais com vontade de mandar em tudo. Não deixou de atender a seus interesses, promoveu a destruição e açulou os piores instintos de parcela ponderável da sociedade. Uma sólida maioria de brasileiros quer se livrar desse homem.
Ontem à noite Luís Nassif observava que o sujeito é tão curto que não percebeu ser a hora de negociar uma saída para si e para os seus.
De fato, a negociação agora ficou mais difícil. Bolsonaro perdeu a confiança dos alquebrados Zé Afonso, Paulão e Arquimedes... e mais, facinorosos do quilate de Zé Trovão.
Deixou na orfandade repentina as hordas sensíveis ao proselitismo conservador. O fascismo não campeia dissociado da imagem de força e da prática da truculência.
Certamente, Bolsonaro, enquanto estiver na cadeira, ainda arguirá macheza. Quem lhe dará crédito?
Bolsonaro tornou-se disfuncional para assegurar a “ponte para o futuro”.
Hoje, em sua defesa, talvez conte apenas com a condição de portador de segredos. Em outras palavras, de potencial delator. Contando o que sabe, o outrora implacável guerreiro destruiria reputações a perder de vista.
Mas alguém que se habilite a tais expedientes, usualmente, tem o destino do capitão Adriano, atravessado de balas.
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