Entre o mea culpa sobre o apoio a Jair Bolsonaro em 2018, a possibilidade de um racha interno e as avaliações sobre a economia e a democracia no Brasil, o primeiro debate entre os pré-candidatos do PSDB à Presidência da República acabou revelando mais sobre seus patrocinadores que de fato sobre as representações tucanas nas eleições de 2022. Cientistas políticos que acompanharam, ontem (19), o evento promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico, ambos do grupo Globo, concluíram que a busca pela "suposta terceira via" já tem ao menos um grande incentivador. “Eles (das Organizações Globo) desejam que venha pelo PSDB essa candidatura”, observa Denise Mantovan, pós-doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora no campo de mídia, política e gênero.
A afirmação vem do estranhamento provocado pela transmissão – pelo maior grupo de mídia do país – de um evento interno de um partido. Na disputa estão o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto e os governadores do Rio Grande do Sul e de São Paulo, Eduardo Leite e João Doria, respectivamente.
Jogo de interesses
De olho nas eleições de 2022, a empresa de comunicação anunciou a transmissão do debate como “o começo de uma história de muitos capítulos”. E que, para além das disputas nos bastidores, terá de ser “capaz de fazer frente em um cenário contra Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Atualmente o petista lidera as pesquisas em todos os cenários. Jornalista de formação, Denise vê na realização do evento o que o estudo da construção da notícia define como enquadramento e agendamento, a “agenda setting“.
“Nessa teoria, não é só chamar atenção para o assunto como eles fazem nesse debate da terceira via. Eles além de chamarem a atenção, dizendo que é um tema que é importante para todo mundo, que é preciso parar para pensar e ver o debate dentro do PSDB como uma questão de importância nacional, – e não específica do partido –, eles vão construindo ao longo do período deste ano até o ano que vem um determinado posicionamento desse debate”, explica Denise.
Nas redes sociais, as Organizações Globo também se aliaram às prévias do PSDB para promover o jornal O Globo a quem assistisse os debates tucanos. “Acesse o link e ganhe 1 mês de assinatura digital do O GLOBO”, conforme reportado pelo site DCM. A peça publicitária foi questionada pelo ex-prefeito Fernando Haddad, que a considerou “imoral e ilegal”. “Configura doação de recursos em proveito de um partido político”, tuitou. A campanha foi retirada do ar ainda ontem.
Partidarismo
De acordo com o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), não há nada na lei eleitoral que proíba alguma emissora de transmitir a prévia de algum partido. Ou que configure, nesse caso, doação de empresa privada. Por outro lado, pondera Niccoli, também “nada impede que outros partidos levem a questão à Justiça. Para que o TSE crie alguma regulamentação a respeito, que ainda não existe”, analisa.
O analista também adverte para o que classifica como uma “contradição” nos Princípios Editoriais do Grupo Globo. Destaque no site da empresa, o documento, por duas vezes, cita que as organizações jornalísticas que o formam são “apartidárias”. “Nada impede a Globo de praticar a mesma atitude com outros partidos e outras coberturas políticas. Agora, é óbvio que há um direcionamento e um certo privilégio dado ao PSDB”, continua.
“Ilegal não é, mas não é de bom tom, considerando que outros partidos não tiveram o mesmo privilégio. Ou mesmo uma cobertura tão ampla de suas prévias ou do que ocorre nos bastidores. O problema de se declarar neutra é que O Globo tomou uma atitude. Ela adotou uma postura que é exatamente de dar mais ênfase ao PSDB, como sempre fez, diga-se de passagem. E isso mostra que é um discurso de certa forma hipócrita. Esse é um discurso que realmente a imprensa precisa rever e ter um conhecimento melhor, exatamente para demonstrar que não existe imparcialidade”, completa.
Em 2002, por exemplo, nenhuma cobertura foi dada às prévias do PT. Naquele ano, na disputa interna da legenda concorriam o então senador, hoje vereador paulistano, Eduardo Suplicy (PT-SP) e Lula, posteriormente levado à Presidência por voto popular.
Aposta às cegas
Na esteira das repercussões, o escritor e crítico de cinema Pablo Villaça também chamou atenção para uma “gafe” cometida na rede social do mesmo veículo. Em uma postagem, já após o início do debate, o O Globo escreveu “Além dos políticos do PSDB, conheça os outros sete pré-candidatos à Presidência”. O que foi interpretado como uma mais uma amostra da preferência eleitoral. Quase duas horas depois, a publicação foi corrigida para “conheça todos os pré-candidatos à Presidência para as eleições de 2022”.
Para Niccoli, mais do que impulsionar uma “terceira via”, o Grupo Globo. indiretamente ou não, vem buscando em “um candidato para chamar de seu”. “Com essa questão da terceira via o que está ocorrendo hoje com a direita é uma espécie de fragmentação de suas bandeiras. Então, enquanto em 2018 houve a possiblidade de conglomerar essa bandeiras todas na figura do Bolsonaro, – e isso justifica inclusive o apoio de Doria e dos demais que estavam ali na prévia do PSDB, – o que está acontecendo de fato é uma diluição das posições de direita”, aponta.
“Elas estão ficando mais fragmentadas, o que torna a direita mais fraca na concorrência contra o Lula. Uma vez que Lula vai na via oposta, ele consegue somar partidos de esquerda e até mesmo antigos desafetos. A figura do Lula consegue atrair mais diferentes posições de esquerda, inclusive tirando votos de Ciro Gomes. Por isso mesmo, hoje ele (Ciro) se encontra em uma situação um tanto desesperada e atirando vários ataques ao ex-presidente Lula”.
Na esteira das repercussões, o escritor e crítico de cinema Pablo Villaça também chamou atenção para uma “gafe” cometida na rede social do mesmo veículo. Em uma postagem, já após o início do debate, o O Globo escreveu “Além dos políticos do PSDB, conheça os outros sete pré-candidatos à Presidência”. O que foi interpretado como uma mais uma amostra da preferência eleitoral. Quase duas horas depois, a publicação foi corrigida para “conheça todos os pré-candidatos à Presidência para as eleições de 2022”.
Para Niccoli, mais do que impulsionar uma “terceira via”, o Grupo Globo. indiretamente ou não, vem buscando em “um candidato para chamar de seu”. “Com essa questão da terceira via o que está ocorrendo hoje com a direita é uma espécie de fragmentação de suas bandeiras. Então, enquanto em 2018 houve a possiblidade de conglomerar essa bandeiras todas na figura do Bolsonaro, – e isso justifica inclusive o apoio de Doria e dos demais que estavam ali na prévia do PSDB, – o que está acontecendo de fato é uma diluição das posições de direita”, aponta.
“Elas estão ficando mais fragmentadas, o que torna a direita mais fraca na concorrência contra o Lula. Uma vez que Lula vai na via oposta, ele consegue somar partidos de esquerda e até mesmo antigos desafetos. A figura do Lula consegue atrair mais diferentes posições de esquerda, inclusive tirando votos de Ciro Gomes. Por isso mesmo, hoje ele (Ciro) se encontra em uma situação um tanto desesperada e atirando vários ataques ao ex-presidente Lula”.
De onde vem a terceira via?
No momento em que a democracia está sob ameaças, o argumento por trás da “terceira via” que tentam construir o Grupo Globo e outros veículos da mídia comercial, pode ser, no entanto, tão perigoso às instituições quanto os ataques do presidente Bolsonaro, adverte a cientista política e pesquisadora Denise Mantovan.
Segundo ela, o debate sobre essa alternativa vem “enviesando a discussão”, polarizando a candidatura das esquerdas, do ex-presidente Lula, à da extrema direita, com Bolsonaro. “O que não faz uma reflexão central de quem é essa figura do Bolsonaro em uma eleição em 2022 com a postura que ele vem adotando ao longo de seu governo. Ele é antidemocrático, fascista e questiona a estrutura do processo democrático, como o processo eleitoral, o sistema de votação, as leis, as regras e o ordenamento jurídico e o papel do STF. Ele ameaça a própria mídia. Bolsonaro vem demonstrando no exercício de seu poder que ele não é parte de nenhum oposto ou outro lado. Ele é uma candidatura que destrói a democracia”, ressalta.
“Então quando o O Globo cria essa ideia de ter uma terceira alternativa, ele naturaliza a presença de uma candidatura antidemocrática dentro do debate eleitoral. O que é para mim o maior problema”.
Sem mudanças, não é alternativa
A pesquisadora finaliza alertando que não pode ser alternativa a Bolsonaro um conjunto de candidaturas de centro-direita que, não apenas favoreceram a sua eleição, como “também apoiaram o processo de criminalização do campo da esquerda e das ideias que defendem uma sociedade com mais igualdade e que enfrente as desigualdades estruturais que estamos passando hoje”.
“Todas elas (da terceira via), de uma forma mais ou menos profunda, têm um limite na defesa do Estado Democrático por interesses de grupos oligárquicos, tradicionais, de defesa do estado mínimo e do sistema financeiro, do corte no orçamento em meio ao contexto que estamos vivendo, que é de profunda destruição do tecido social, de miséria, fome e desemprego. Esse debate é posto como algo que vai se resolver por um mecanismo que não passa por uma mudança do modelo econômico. O desejo e o desespero desses veículos é encontrar uma alternativa que não seja o Bolsonaro. Mas que no limite não confrontem os discursos que o Bolsonaro no seu extremo expressa e que outros candidatos desse campo da chamada centro-direita já expressava também”, conclui.
No momento em que a democracia está sob ameaças, o argumento por trás da “terceira via” que tentam construir o Grupo Globo e outros veículos da mídia comercial, pode ser, no entanto, tão perigoso às instituições quanto os ataques do presidente Bolsonaro, adverte a cientista política e pesquisadora Denise Mantovan.
Segundo ela, o debate sobre essa alternativa vem “enviesando a discussão”, polarizando a candidatura das esquerdas, do ex-presidente Lula, à da extrema direita, com Bolsonaro. “O que não faz uma reflexão central de quem é essa figura do Bolsonaro em uma eleição em 2022 com a postura que ele vem adotando ao longo de seu governo. Ele é antidemocrático, fascista e questiona a estrutura do processo democrático, como o processo eleitoral, o sistema de votação, as leis, as regras e o ordenamento jurídico e o papel do STF. Ele ameaça a própria mídia. Bolsonaro vem demonstrando no exercício de seu poder que ele não é parte de nenhum oposto ou outro lado. Ele é uma candidatura que destrói a democracia”, ressalta.
“Então quando o O Globo cria essa ideia de ter uma terceira alternativa, ele naturaliza a presença de uma candidatura antidemocrática dentro do debate eleitoral. O que é para mim o maior problema”.
Sem mudanças, não é alternativa
A pesquisadora finaliza alertando que não pode ser alternativa a Bolsonaro um conjunto de candidaturas de centro-direita que, não apenas favoreceram a sua eleição, como “também apoiaram o processo de criminalização do campo da esquerda e das ideias que defendem uma sociedade com mais igualdade e que enfrente as desigualdades estruturais que estamos passando hoje”.
“Todas elas (da terceira via), de uma forma mais ou menos profunda, têm um limite na defesa do Estado Democrático por interesses de grupos oligárquicos, tradicionais, de defesa do estado mínimo e do sistema financeiro, do corte no orçamento em meio ao contexto que estamos vivendo, que é de profunda destruição do tecido social, de miséria, fome e desemprego. Esse debate é posto como algo que vai se resolver por um mecanismo que não passa por uma mudança do modelo econômico. O desejo e o desespero desses veículos é encontrar uma alternativa que não seja o Bolsonaro. Mas que no limite não confrontem os discursos que o Bolsonaro no seu extremo expressa e que outros candidatos desse campo da chamada centro-direita já expressava também”, conclui.
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