Charge: Paolo Calleri |
No último dia 6 de janeiro se completou o “1º aniversário” do atentado à sede do Congresso dos EUA, o Capitólio, liderado por Donald Trump desde a Casa Branca.
O mundo inteiro ficou estupefato com aquele cenário – que oscilou entre o bizarro e o distópico – no coração da suposta “maior” democracia mundial.
Nos dias seguintes, muito se profetizou sobre o desgaste inexorável e irrecuperável de Trump. Não faltaram, inclusive, previsões de que o bufão estaria definitivamente proscrito da política.
Estas profecias não só não se confirmaram, como ocorreu exatamente o inverso. O ex-presidente desfrutou da impunidade para continuar ocupando o centro da política partidária republicana.
Não há, além disso, indicativo de que ele venha a ser responsabilizado politicamente e/ou criminalmente. Até agora, mais de 700 pessoas foram indiciadas, denunciadas ou presas; todavia, Trump, seus familiares e demais arquitetos políticos e intelectuais do atentado não foram punidos.
Com isso, o líder da ultradireita estadunidense segue vivo e ativo política e eleitoralmente. Ele desalojou tradicionais lideranças republicanas, se adonou do Partido e pavimenta o caminho para sua candidatura presidencial em 2024, considerada bastante competitiva.
A retórica trumpista de fraude na eleição fideliza e engaja milhões de seguidores lunáticos e fanáticos. Além disso, serve de combustível para mudanças legislativas antidemocráticas que deputados republicanos já promoveram em mais de 30 Estados do país para dificultar o voto do potencial eleitorado do Partido Democrata em 2024.
Para Martin Wolf, editor-chefe de economia do Financial Times, “o Partido Republicano é [hoje] definido não por sua ideologia, mas por sua lealdade a Trump”. Em decorrência disso, na visão dele, “os republicanos já cruzaram o Rubicão”, e já não têm compromisso com a democracia. Vários estudiosos sobre democracia pensam na mesma direção.
Com a pregação de fraude eleitoral, Trump reforça no imaginário da ultradireita o delírio de que é uma “pessoa antissistema”, que foi roubada pelo próprio sistema pois representa uma “ameaça” à sobrevivência do status quo [sic].
A partir da “batalha de Capitólio” Trump inaugurou a estratégia da luta política violenta e em estado de guerra permanente, com a qual prepara o caminho para retornar ao poder em 2024. Para Trump, a política não é um espaço de disputas legítimas e democráticas por hegemonia e poder, mas um palco de guerra permanente, engendrada com recursos sujos, ilegais e ilegítimos como propagação de ódio, desinformação, mentiras e violência.
Na mensagem da tarde daquele dia 6/1, quando “pediu” para seus seguidores desocuparem o Capitólio, Trump enalteceu o significado da batalha para a guerra permanente contra a democracia: “Estas são as coisas e eventos que acontecem quando uma sagrada vitória eleitoral esmagadora é tão sem cerimônia e cruelmente retirada de grandes patriotas que foram mal e injustamente tratados por tanto tempo. Vá para casa com amor e em paz”, e terminou com uma conclamação épica: “Lembre-se deste dia para sempre!”, disse ele.
Assim como aconteceu com Trump, se continuar desfrutando da garantia de impunidade, Bolsonaro também deverá lucrar com seu “Capitólio de Brasília”. Por um lado, mantém sua base ensandecida fidelizada e engajada em torno de delírios e aberrações; e, de outro, se preserva como principal liderança da extrema-direita na oposição grotesca e violenta – na guerra permanente – contra o futuro governo Lula.
Com a derrota do voto impresso no Congresso em agosto passado, Bolsonaro e os generais ganharam o discurso que queriam para tumultuar a eleição e causar caos institucional. “Se não tiver voto auditável, não terá eleição”, ameaçou o inconsequente e conspirador general-ministro da Defesa Braga Netto, sem que nada lhe acontecesse.
Toda esta retórica extremista, em conjunto com as políticas irresponsáveis do governo, sobretudo acerca da vacina e da pandemia, serve para Bolsonaro conservar seu eleitorado-raiz caninamente fiel, engajado e disposto a qualquer sandice.
Nas últimas semanas Bolsonaro sintomaticamente voltou a questionar a lisura das urnas eletrônicas, a insinuar uma curiosa fraude na eleição de 2018, na qual foi beneficiado, e também voltou a ofender e agredir ministros da Suprema Corte – sem que nada lhe aconteça; pois, afinal, as instituições continuam “funcionando normalmente”.
Assim como para Trump, para Bolsonaro também interessa o caos institucional e o clima de guerra permanente. Naquele 6 de janeiro de 2021, Eduardo Bolsonaro, o Zero3, adquiriu expertise sobre a coisa acompanhando o ensaio diretamente da Casa Branca, transformada em quartel-general da sedição.
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