quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

O que fazer com o Telegram?

Por Marcos Dantas, no Jornal GGN:


No último dia 14, o Tribunal Superior Eleitoral anunciou ter concluído importantes acordos de cooperação com as plataformas YouTube, Facebook, WhatsApp, Instagram, Twitter, TikTok e Kwai: pelos acordos, as plataformas se comprometem a adotar medidas internas que possam filtrar ou bloquear a disseminação de notícias falsas, mentiras, desinformação durante o próximo período eleitoral. Se essas medidas serão mesmo efetivas, ou não, é uma outra história. Dos acordos, porém, esteve ausente um importante ator, o Telegram, plataforma de mensageria que hoje já se encontra instalada em mais de 50% dos aparelhos celulares brasileiros.

O ministro Luis Roberto Barroso, presidente do TSE, até que tentou: mandou e-mails e cartas para o proprietário do Telegram, o russo Pavel Durov, e para o suposto endereço da sede da empresa no sultanato do Dubai. Não teve resposta. Durov e o Telegram ignoraram solenemente uma das mais altas autoridades do Estado (democrático) brasileiro. Consta que essa é sua usual atitude diante das instituições ou autoridades de qualquer Estado. Se assim é, cabem exceções. Nesse mesmo mês de fevereiro, o Telegram aceitou bloquear mais de 60 canais de veiculação de grupos definidos como “terroristas” por exigência do governo alemão. Se não o fizesse, o Estado alemão ameaçava banir o Telegram do país. E, nos Estados Unidos, Durov fez acordo numa ação judicial contra ele movida pela Securities and Exchange Comission (SEC), a CVM estadunidense, concordando em desistir de lançar um sistema de criptoativos ignorando os trâmites exigidos pela legislação estadunidense. Para chegar a esse acordo, Durov deu, por teleconferência, um depoimento de 21 horas para as autoridades judiciais dos Estados Unidos [1]. Ou seja, para a Justiça dos Estados Unidos parece não ter sido muito difícil saber onde encontrar Pavel Durov…

A soberba do russo autoexilado em Dubai criou um sério problema para o TSE e para a democracia brasileira: sendo inaceitável que uma empresa, ainda por cima estrangeira, ignore as demandas e disposições da Justiça brasileira, como agir face esse problema? A resposta torna-se ainda mais difícil devido a um singular detalhe: o Telegram não tem qualquer representação no Brasil. Está presente, repetindo, em 50% dos celulares brasileiros. Porém não está legalmente presente no país. É inalcançável pelas nossas autoridades, não apenas as judiciais ou policiais, mas também, por exemplo, as fiscais.

Numa situação como essa, a única atitude que as autoridades podem tomar é determinar o bloqueio geral do acesso à plataforma. Bani-la do país a exemplo do que chegaram a ameaçar as autoridades alemãs. É uma medida tecnicamente possível mas ainda assim, graças à estrutura da internet, de eficácia discutível, embora de eficiência político-simbólica indiscutível. É uma decisão polêmica. As autoridades e demais personagens envolvidos no debate pisam em ovos ao tratar do tema. Em princípio, ninguém quer assumir tão drástica decisão. Porém, não parece haver outra.

Problema-raiz. O detalhe de o Telegram não ter representação, muito menos CNPJ, no Brasil está ligado às próprias origens e evolução da internet em todo o mundo. De fato, boa parte dos aplicativos e videojogos que acessamos e usamos em nossos celulares ou computadores são oferecidos por empresas que não têm presença no Brasil e, muitas delas, se formos examinar os seus “termos de uso”, eventualmente escritos num canhestro português, informarão que as questões judiciais serão dirimidas na Justiça da… Califórnia. Ou de algum outro lugar do mundo. No entanto, para a quase totalidade das pessoas que hoje em dia faz uso cotidiano, até mesmo intensivo, de aplicações como Google, Facebook ou YouTube, sobretudo os jovens acríticos mas também cabeças politizadas, das quais se esperaria uma postura minimamente crítica, esse ambiente e suas possibilidades parecem assim tão naturais quanto o Oceano Atlântico… É como se sempre estivessem aí à nossa disposição; não nos perguntamos de onde vieram e para onde vão e, melhor, tornaram bem mais fácil e mesmo divertida a nossa vida.

O problema é que a todo instante surge algum problema. Só então, alguma parcela da sociedade ou a sociedade inteira se dá conta de que esses objetos não são assim tão naturais, não funcionam por si sós, precisam de gestão social. Foi o que aconteceu, por exemplo, em dezembro de 2015, quando um juiz paulista de primeira instância, sentindo-se desrespeitado, determinou o bloqueio, em todo o Brasil, do acesso ao aplicativo WhatsApp. Não durou muito, algum desembargador logo derrubou a decisão. Mas o feito alertou muita gente, até então alienada do problema, para total falta de regras sobre as operações dessas plataformas em nosso país. Não só em nosso país. O problema da não regulação da internet é hoje mundialmente reconhecido e debatido.

A internet nasceu, nos anos 1970-80, como um projeto militar estadunidense implementado por um punhado de cientistas e pesquisadores trabalhando em algumas das melhores universidades dos Estados Unidos, as principais na Califórnia. Quando já estava razoavelmente desenvolvida do ponto de vista tecnológico e de engenharia, em 1998, o Estado dos Estados Unidos, mais precisamente o seu Departamento (Ministério) do Comércio (DoC), delegou, por contrato, a gestão da internet a uma entidade de direito privado sem fins lucrativos organizada e comandada por aquele núcleo inicial de cientistas. Era a década em que os Estados Unidos pareciam pontificar isolados na liderança política, econômica, militar, ideológica do mundo, depois da derrocada da URSS. Fim da história, chegaram a acreditar. Era também a década do auge da hegemonia das políticas neoliberais. Assim se explica essa “entrega” da internet, pelo DoC, à ICANN, aquela entidade acima referida.

No Brasil aconteceria algo similar. Percebendo que a internet começava a ganhar o mundo, a então empresa estatal Embratel começou a se preparar para oferecer esse novo promissor serviço, no país. Em 1995, governo Fernando Henrique Cardoso, o seu ministro Sergio Mota baixou um decreto conhecido como “norma 4” pela qual a internet, no Brasil, era definida como um “serviço de valor adicionado” a ser oferecido por prestadores privados ainda que sobre as redes públicas de telecomunicações (Embratel e Sistema Telebrás). Mota, então, já estava empenhado em promover a privatização das telecomunicações brasileiras, o que viria de fato a finalmente acontecer em 1998.

A internet chegou no Brasil e em todo o mundo a partir do centro de decisões localizado na Califórnia. Inicialmente, a ela aderiam núcleos acadêmicos. No Brasil, o pioneirismo coube à paulista Fapesp. Cresceu mundo a fora sem pedir licença às autoridades locais. Até porque também as leis locais não estavam nada preparadas para lidar com o novo meio. Apesar de profundamente reformadas ao longo dos anos 1990 para promover a generalizada privatização, em todo o mundo capitalista, das telecomunicações, ainda continuavam a ser leis de “telecomunicações” e “radiodifusão”. Alguns pesquisadores até já falavam em “convergência”. Mas isso ainda parecia um futuro remoto.

Para acessar à internet bastava um “provedor de acesso”, ou seja uma empresa que fornecia ao interessado um endereço eletrônico (e-mail), com base em regras definidas pela ICANN, e, por linha telefônica, permitia-lhe conexão à rede física de telecomunicações por onde trafegariam os bits. Esse provedor era, de fato, neutro relativamente aos conteúdos produzidos pelo “internauta”. Cumpria uma função técnica similar à de qualquer outro operador de telecomunicações. E os usuários, por sua vez, ainda constituíam um grupo social relativamente pequeno, de formação universitária, status de classe média, visão progressista ou “liberal”, no sentido político que dão a esse termo nos Estados Unidos, para os quais o novo meio parecia ser um interessante espaço de intercâmbio dialógico de idéias políticas, artísticas, científicas ou culturais no geral. Houve mesmo um roqueiro de nome John Barlow que, num onírico manifesto, chegou a imaginar que a internet seria um espaço “sem matéria”, sob a autoridade da “ética, do interesse individual esclarecido e do bem público”, no qual os governos não eram bem vindos e deviam se manter à distância. Barlow leu essa sua declaração anti-estatal, em 1996, no Fórum Econômico Mundial de Davos [2]. Para a audiência de banqueiros e grandes financistas deve ter soado como Mozart aos ouvidos…

Infelizmente, não foi assim que a internet evoluiu. Na medida em que se disseminava, cada vez mais era penetrada pelo mercado, enquanto dela os governos mantinham-se afastados. No final da década 1990 e nos primeiros anos do século XXI, aparecem as empresas que hoje dominam a internet e parecem dominar o mundo: Google, Facebook, Amazon etc. Antes delas, já vinham sendo feitas experiências visando “monetizar” a rede: AOL, Yahoo, Altavista, MySpace, Orkut… Os fracassos pioneiros indicaram os caminhos para o sucesso de Larry Page, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e outros. E súbito, como se assim do nada, nossas vidas foram invadidas, para sempre, pelo Google, YouTube, Facebook, Instagram, WhatsApp…

Para abrir-se um mero botequim, precisa-se de licença (alvará) da prefeitura e obedecer a vários regramentos ou posturas municipais verificáveis pelas devidas autoridades. Para dirigir-se um automóvel, precisa-se de carteira de motorista e obedecer aos códigos de trânsito sob penas da lei. Para se colocar um medicamento nas farmácias ou mesmo vacinas contra o Covid, agências como a FDA estadunidense ou a Anvisa brasileira precisam concordar e autorizar. Para oferecer um serviço de telecomunicações móveis, agências como a FCC nos Estados Unidos ou a Anatel no Brasil precisam autorizar, estabelecendo e fiscalizando regras de prestação do serviço. Uma lista como essa, tratando da vida dos indivíduos, de pequenas ou de grandes empresas, de indústrias ou serviços, preencheria páginas e páginas de um artigo como este. No entanto, para funcionar nos Estados Unidos, na Alemanha, no Brasil ou em qualquer outro país, um Google ou uma Netflix não pedem autorização, permissão, outorga, concessão, que nome tenha, a autoridade nenhuma. Você compra um aparelho celular e é obrigado a ter uma conta no Google. Você compra um aparelho de televisão e, no controle remoto, já vem um botão de acesso ao Netflix e outro, ao YouTube. E você acha tudo isso tão natural quanto o morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

Só que não. Ou #sqn, como se escreve no Twitter. Esse modelo político-econômico que pôs essas assim chamadas big techs acima e à margem de qualquer regime regulatório mais efetivo nasceu nos Estados Unidos e tem servido justamente para fortalecer a economia dos Estados Unidos. O consultor de empresas e especialista Christian M. Dippon, reconhece que o “setor de internet dos Estados Unidos é um dos mais dinâmicos e bem sucedido setor da economia, tendo dobrado sua fatia na economia estadunidense entre 2007 e 2014. Esse setor é comandado pelos intermediários da Internet […] alguns desses intermediários, a exemplo da Amazon, Facebook ou Google estão entre as mais conhecidas empresas do mundo. O rápido crescimento dessas companhias e seus benefícios para os consumidores devem-se ao que eu denomino ‘portos seguros’ [safe habors] da internet. Essas disposições legais protegem os intermediários de internet e outros que publicam conteúdos de terceiros de serem responsabilizados pelos esses conteúdos“ [3]. Mais à frente, Dippon insiste: “atribui-se parcialmente o sucesso desse setor a uma específica legislação que protege as companhias da internet de ações legais devido a conteúdos de terceiros”.

Esses “portos seguros”, segundo Dippon, são o “Communications Decency Act” de 1996 e o “Digital Millenium Copyright Act (DMCA)” de 1998. Porém, adverte ele, a “robusteza” desses “portos seguros” está sob crescente ameaça, nos Estados Unidos e em todo o mundo, por iniciativas governamentais ou parlamentares que, se vingarem, poderiam desmontar um sistema mundialmente estabelecido de proteção às plataformas, porém com base em leis nacionais exclusivas dos Estados Unidos.

Segundo cálculos feitos por Dippon, se tais “portos seguros” vierem a ser enfraquecidos ou derrocados, os preços para os consumidores subiriam; as receitas dos serviços de “nuvem” e de publicidade cairiam em 7,8%; poderiam ser perdidos 53 mil empregos; e o PIB dos Estados Unidos cairia em 5 bilhões de dólares. Considerando os demais serviços prestados pelos assim chamados “intermediários”, as perdas em empregos, nos Estados Unidos, poderiam chegar a 425 mil postos de trabalho e a do PIB a 44 bilhões de dólares, anualmente. É claro que tais cálculos e argumentos podem ser questionados em suas premissas ou metodologias mas isto, aqui, não vem ao caso. Importante é constatar como os formuladores político-econômicos estadunidenses, ou seus ideólogos, estão bem ciosos da importância de um determinado arranjo jurídico-legal para o dinamismo de suas empresas e de sua economia. Esse arranjo foi essencial para a expansão mundial de corporações como Google ou Facebook. Daí que, nos diz Dippon, a receita do Facebook com publicidade, em 2016, foi de USD 26 bilhões, sendo 54% oriunda de fora dos Estados Unidos. A do Google chegou em USD 63 bilhões, dos quais 53% vieram de fora dos Estados Unidos. Quanto disso saiu do Brasil? Só eles sabem…

“Os intermediários da internet são cruciais tanto para a economia doméstica quanto para as exportações dos Estados Unidos para o resto do mundo”, pontifica Christian Dippon.

Mirar a totalidade. Se examinamos os problemas políticos que hoje envolvem a internet para além de uma casuística, muito embora necessária, busca por algum regramento de aplicação eleitoral, vamos entender que alguma solução para valer de fato, só pode ser encontrada em um debate que envolva a necessidade de se regular as plataformas. Para começar, precisamos clarificar conceitos. Não se trata propriamente de internet mas dessas grandes plataformas de mercado que operam sobre a internet. Trata-se de regular a camada de negócios e conteúdos visando não somente minimizar os abusos já sobejamente acusados em documentários cinematográficos e livros, mas também buscar que essa enorme riqueza econômica seja melhor distribuída pelo mundo, inclusive no Brasil.

Movimento nesse sentido avança no mundo e no nosso país. Em 2018, na abertura do Fórum Global da Internet, em Paris, o presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu claramente uma regulação das plataformas que não fosse, nas suas palavras, nem “chinesa”, nem “californiana”. Ou seja, nem autoritária, nem ultra-liberal, esta dos “portos seguros” para as big techs estadunidenses. De lá para cá, os europeus têm avançado vários passos regulatórios, entre eles o Regulamento Geral de Proteção de Dados, a lei alemã contra a desinformação (conhecida como “Lei NetzDG”), a recente proposta de uma lei para a “segurança online” (“online safety bill”) publicada pelo Parlamento britânico, etc. No Brasil, a proposta mais avançada, no momento, é o projeto de lei 2630/2020, em vias de ser votado na Câmara dos Deputados.

O Brasil dispõe de legislação sobre a internet: o Marco Civil da Internet. Embora datado de 2014, quando Google ou Facebook já eram realidades político-econômicas, ele inspira-se, não por acaso, nos “portos seguros” da legislação imperial estadunidense: seu artigo 19 assegura a inimputabilidade dos assim definidos “provedores de aplicação”, exceto se acionados judicialmente. O responsável pelo conteúdo é quem o postou, não quem contribuiu para a sua disseminação. No entanto, em todo o mundo, no Brasil também, já está ficando cada vez mais claro que as receitas das plataformas derivam do impulsionamento dos conteúdos postados. Realizados por algoritmos, as plataformas que os desenvolvem se tornam corresponsáveis pelo “sucesso”, ou não, de alguma postagem. Como querem faturar, promovem os conteúdos que aumentam as receitas. A literatura sobre isso já é vasta e não mais admite ilusões barlowianas [4]. As plataformas, aliás, confirmam estar cientes do problema ao estabelecerem “termos de uso” que advertem seus usuários quanto a conteúdos que podem ser suprimidos ou bloqueados por motivos geralmente morais ou éticos, ou mesmo criminosos nos termos da lei. Atribuem-se poderes de censura. Na verdade, assim como qualquer outro empreendimento cujo objeto seja publicar conteúdos, a exemplo de jornais ou emissoras de radiodifusão, assumem poderes editoriais. E, diante da crescente pressão que sofrem, se dizem favoráveis a mecanismos de “autorregulação” antes que se vejam submetidas a alguma real regulação de natureza pública.

O PL 2630, ao estabelecer regras que impõe maior transparência ao tratamento de conteúdos pelas plataformas, avança um importante passo no sentido normativo, embora ainda vacilante quanto à necessidade de uma efetiva lei regulatória. A “ideologia californiana”, definida pelo sociólogo britânico Richard Barbrooke [5] e retomada por Macron, é muito forte no meio dos personagens e organizações mais presentes nesse debate. A carência de compreensão, pelo pensamento crítico, das amplas implicações politico-econômicas e mesmo geopolíticas, da internet e suas plataformas, também contribui para limitar o debate a alguns dos seus aspectos, ignorando muitos outros. Sem dúvida importante, a agenda da “liberdade de expressão” parece hipostasiar a discussão. Vimos que, para os estadunidenses, ao menos para alguns, importante mesmo é a questão econômica.

No caso do Telegram, discute-se se haveria “base legal”, ou não, para o bloqueio do aplicativo. A advogada Flávia Lefèvre demonstrou que há [6]. Mas sempre surgirá algum outro advogado ou advogada para argumentar em contrário. Fica-se na aparência formal jurídica do problema, não se discute a sua essência. A questão é política, quando não geopolítica. O que está em jogo são a democracia e mesmo o princípio de Soberania. Se a lei formal está ausente – mas Lefèvre mostra que não, pelo contrário – o Tribunal superior decide. E deveria decidir pensando não apenas na próxima eleição, mas nas próximas gerações.

Quanto ao Telegram… Quanto a Pavel Durov trata-se de um russo que tornou-se milionário criando, na Rússia, uma rede social semelhante ao Facebook, a VK. Entrou em conflito com o governo Putin, acabou vendendo sua participação na empresa e vive das rendas de uma fortuna calculada em USD 3,4 bilhões. Dessa dinheirama, aloca cerca de USD 1 milhão por mês no Telegram, por ele criado, nos Estados Unidos, em 2013 [7]. O Telegram, depois de 2017, recebeu também copiosos recursos de diversos fundos ou clubes de investimento, num total superior a USD 2 bilhões: Lightspeed Venture Capital, Elysium Venture Capital, Klever Internet Investments, Da Vinci Capital, Roman Abramovich, Sergey Solonin, Mubadala Capital Ventures, Abu Dhabi Catalyst Partners etc [8]. Certamente, esses investidores não são motivados por filantropia. De fato, fora as doações de Durov, a origem das receitas do Telegram é um mistério. Provavelmente, o russo pôde bancar as despesas até agora mas anunciou, no final de 2020, que começaria a “monetizar” a plataforma [9].

O Telegram tornou-se, sabidamente, um valhacouto para todo tipo de atividade fraudulenta, ilegal ou mesmo criminosa [10]. Não apenas “terrorismo”, conforme definido pelos europeus e estadunidenses, ou infringência de direitos de propriedade intelectual, tópicos com os quais se preocupa – mesmo assim sob pressão, como vimos. Definindo-se como “libertário” [11], ou seja, alguém que se opõe ou despreza leis e autoridades, Durov aceita que sua plataforma permita a manifestação individualista e a liberdade radical de expressão, não importa do que seja. Na prática, na medida em que os Estados, até mesmo o Estado dos Estados Unidos, começaram a se preocupar com a transformação daquela internet que um dia se imaginava a serviço da democracia e da civilização no seu contrário, o Telegram passou a ser visto como o último refúgio do obscurantismo e da barbárie. Caso prossiga se recusando a colaborar para recolocar a internet a serviço da Civilização terá de ser banido. Ou mergulhará na deep web.

* Marcos Dantas é professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ, representante do setor de Ciência e Tecnologia no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Notas

[1] Alexandre Aragão, “Telegram ignora Brasil mas fechou acordo com autoridades nos EUA”, Núcleo, 3/02/2022, disponível em https://www.nucleo.jor.br/reportagem/2022-02-03-telegram-acordo-eua/?s=09, acessado em 07/02/2022

[2] Ver Pierre Mounier, Os donos da rede: as tramas políticas da internet, São Paulo: Loyola, 2006, pp. 169-172.

[3] Christian M. Dippon, “Economic Value of Internet Intermediaries and the Role of Liability Protections”, disponível em https://internetassociation.org/wp-content/uploads/2017/06/Economic-Value-of-Internet-Intermediaries-the-Role-of-Liability-Protections.pdf, acesso em 13/01/2022, itálicos meus – MD.

[4] Ver Cathy O’Neil, Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia, Santo André, SP: Ed. Rua do Sabão, 2020; Giuliano Da Empoli, Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, São Paulo: Vestígio, 2020; Sergio Amadeu da Silveira, Joyce Souza, J. F. Cassino (Orgs.), Colonialismo de dados: como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal, São Paulo: Autonomia Literária, 2021.

[5] R. Barbrooke e A. Cameron, “The Californian Ideology”, Mute, v. 1, n. 3, disponível em http://www.metamute.org/editorial/articles/californian-ideology, acessado em 21/02/2022.

[6] Flávia Lefèvre, “Eleições 20221 e bloqueio de aplicações na Internet – base legal”, 25/01/2022, disponível em https://flavialefevre.com.br/pt/eleicoes-2022-e-bloqueio-de-aplicacoes-na-internet?s=09, acesso em 07/02/2022

[7] Wikipédia, “Pavel Durov”, disponível em https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Especial:DownloadAsPdf&page=Pavel_Durov&action=show-download-screen, acesso em 19/02/2022

[8] https://app.dealroom.co/companies/telegram, acesso em 19/02/2022

[9] Gadgets360, “Telegram to Launch Paid Features for Business and Power Users in 2021”, 23/12/2020 disponível em https://gadgets360.com/apps/news/telegram-private-messaging-app-500-million-users-premium-subscription-2021-pavel-durov-2342668, acessado em 20/02/2022

[10] Adi Bleih, “Telegram: A Cybercriminal Hotspot – Comporomised Financial Accounts”, disponível em https://www.cybersixgill.com/blog/telegram-a-cybercriminal-hotspot-compromised-financial-accounts/, acessado em 19/02/2022

[11] El American, “Who is Pavel Durov, the Mysterious Russian Behind Telegram?”, 14/05/2021, disponível em https://elamerican.com/who-is-the-mysterious-creator-telegram/, acesso em 20/02/2022

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