Charge: Vargas |
Como se não bastasse o universo Marvel que nos persegue em todas as telas, a mídia ocidental – caudatária, a brasileira vai na carona – está construindo uma nova narrativa fantástica e um novo vilão. Está afivelando em Vladimir Putin a máscara de Darth Vader -- a Rússia, claro, é a Estrela da Morte. Assim determina a máquina de fabricação de consensos operada pelo Departamento de Estado que atende às agências noticiosas as quais, na sequência, filtram o que chega ao conhecimento dos mortais.
Mas se está colocando a máscara de vilão no russo – que, aliás, nem carece dela para ser vilanesco – a guerra na Ucrânia ajuda a arrancar algumas máscaras no Brasil. A começar pela mídia hegemônica, que proclama oferecer uma visão profissional, equilibrada e equidistante das paixões que certos acontecimentos desencadeiam.
“Na guerra, a primeira vítima é a verdade” é uma frase batida do senador norte-americano Hiram Johnson (1866-1945). Na nossa guerra, a primeira baixa foi o jornalismo, alvejado pelo opinionismo, aqui e ali adornado por uma robusta ignorância e, não raro, pela prepotência.
Geopolíticos instantâneos produzidos com a velocidade de um copo de nescau, doutores em relações internacionais diplomados pelo Whatsapp e cientistas políticos egressos da terra plana ergueram uma barragem de fogo contra a verdade factual. Faz uma semana eram apenas jornalistas.
Na TV, a sofreguidão levou a Globo a exibir um tanque russo passando por cima de um carro com o motorista dentro. Perfeito para a narrativa, exceto pelo fato, mais tarde constatado, de que o tanque era ucraniano e seu condutor perdera o controle de veículo e fizera aquela barbeiragem.
Barbeiragem também fez a Globonews. Jorge Pontual, seu correspondente nos Estados Unidos, passou seu tanque sobre um entrevistado que sequer teve direito à réplica porque sua imagem e voz foram cortadas durante o piti do jornalista acostumado deglutir o prato feito da matriz. O crime do entrevistado, um historiador, fora elencar alguns argumentos invocados pela Rússia na crise do Leste Europeu.
Uma das razões invocadas por Putin é o risco que representaria a presença de mísseis em solo ucraniano que, disparados, fulminariam Moscou em minutos. Com ironia, chegou a indagar o que os EUA – que dá cartas e joga de mão na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – achariam da Rússia implantar mísseis no México ou no Canadá...
Mas houve momento em que as Organizações Globo – Viu, Pontual? --achavam maneiro atacar um país se ele estivesse ameaçando outro com mísseis.
Em 1962, isto aconteceu. Meses antes, Washington havia enfeitado a Turquia com seus foguetes Júpiter, todos apontados para a Rússia bem ali, do outro lado da fronteira. No troco, os russos instalaram mísseis em Cuba e os jornalões surtaram.
O Globo exasperou-se. Trovejou manchetes de capa em rajadas contra aquele absurdo, aquela ameaça à civilização ocidental e cristã.
“A intromissão russa é problema da maior urgência para a comunidade do hemisfério”, mancheteou em 4 de outubro daquele ano. No dia 10, informou que “O mundo livre coopera com os EUA no boicote aos fretes para Cuba”.
Vejam: Cuba sofreu um bloqueio por ter foguetes que ameaçavam o vizinho. E, caso não desmontasse aquelas armas, seria atacada. Haveria guerra. Hummm...
“Apoio maciço da OEA ao bloqueio naval de Cuba”, estrondou no dia 24. Já então, a Organização dos Estados Americanos era uma tarefeira da Casa Branca, assim como a OTAN.
No dia 26, o aviso garrafal na capa era “Os EUA só negociarão com o desmonte das bases soviéticas”. É um argumento muito parecido com o dos russos em 2022, não é mesmo?
E o capítulo das invasões? Desde 1945, entre invasões, intervenções e guerras híbridas, nosso pacífico irmão do Norte patrocinou mais de 50. A de Granada, em 1983, foi uma e das menos lembradas.
Invasão também é um negócio supimpa dependendo do invasor e do invadido. Aos olhos de O Globo foi assim quando os EUA desembarcaram na diminuta ilha do Caribe, área que é, desde sempre, seu play ground.
Hoje, as mídias choram pela “pequena” Ucrânia. Não choraram por Granada que, com seus 344 km², assenta-se sobre território menor do que Porto Alegre (RS). Se comparada com a Ucrânia, com 603 mil km2 e com 44 milhões de habitantes, a ilhota é 1.754 vezes menor e possui uma população 440 vezes inferior numericamente.
Granada, que rabiscava um governo socialista, foi atacada pela 22ª Unidade Anfíbia da Marinha, a 82ª Divisão Aerotransportada, o 75º Regimento Ranger, o 160º. Regimento de Operações Especiais de Aviação, os Night Stalkers, a Delta Force e os SEALs da Marinha. Como seguro morreu de velho, as tropas contavam ainda com o apoio de 23 navios de guerra...
Em editorial, O Globo justificou o assalto. Após chamar de Granada de “mininação com soberania de opereta”, argumentou que a ilha poderia se tornar “uma pedra significativa do processo e influir na relação de forças de cujo equilíbrio depende o destino da humanidade”.
Pesquei tudo isso no diário dos Marinho. É uma pescaria que nunca decepciona. É ali que encontramos a hipocrisia em estado de arte. São páginas memoráveis, tesouros de contradições. Ah, os arquivos implacáveis, agora digitalizados, corporificam o advogado de acusação da mídia empresarial. São as confissões irrefutáveis de uma conspiração perene contra a verdade factual que alega defender. Bingo!
Mas se está colocando a máscara de vilão no russo – que, aliás, nem carece dela para ser vilanesco – a guerra na Ucrânia ajuda a arrancar algumas máscaras no Brasil. A começar pela mídia hegemônica, que proclama oferecer uma visão profissional, equilibrada e equidistante das paixões que certos acontecimentos desencadeiam.
“Na guerra, a primeira vítima é a verdade” é uma frase batida do senador norte-americano Hiram Johnson (1866-1945). Na nossa guerra, a primeira baixa foi o jornalismo, alvejado pelo opinionismo, aqui e ali adornado por uma robusta ignorância e, não raro, pela prepotência.
Geopolíticos instantâneos produzidos com a velocidade de um copo de nescau, doutores em relações internacionais diplomados pelo Whatsapp e cientistas políticos egressos da terra plana ergueram uma barragem de fogo contra a verdade factual. Faz uma semana eram apenas jornalistas.
Na TV, a sofreguidão levou a Globo a exibir um tanque russo passando por cima de um carro com o motorista dentro. Perfeito para a narrativa, exceto pelo fato, mais tarde constatado, de que o tanque era ucraniano e seu condutor perdera o controle de veículo e fizera aquela barbeiragem.
Barbeiragem também fez a Globonews. Jorge Pontual, seu correspondente nos Estados Unidos, passou seu tanque sobre um entrevistado que sequer teve direito à réplica porque sua imagem e voz foram cortadas durante o piti do jornalista acostumado deglutir o prato feito da matriz. O crime do entrevistado, um historiador, fora elencar alguns argumentos invocados pela Rússia na crise do Leste Europeu.
Uma das razões invocadas por Putin é o risco que representaria a presença de mísseis em solo ucraniano que, disparados, fulminariam Moscou em minutos. Com ironia, chegou a indagar o que os EUA – que dá cartas e joga de mão na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – achariam da Rússia implantar mísseis no México ou no Canadá...
Mas houve momento em que as Organizações Globo – Viu, Pontual? --achavam maneiro atacar um país se ele estivesse ameaçando outro com mísseis.
Em 1962, isto aconteceu. Meses antes, Washington havia enfeitado a Turquia com seus foguetes Júpiter, todos apontados para a Rússia bem ali, do outro lado da fronteira. No troco, os russos instalaram mísseis em Cuba e os jornalões surtaram.
O Globo exasperou-se. Trovejou manchetes de capa em rajadas contra aquele absurdo, aquela ameaça à civilização ocidental e cristã.
“A intromissão russa é problema da maior urgência para a comunidade do hemisfério”, mancheteou em 4 de outubro daquele ano. No dia 10, informou que “O mundo livre coopera com os EUA no boicote aos fretes para Cuba”.
Vejam: Cuba sofreu um bloqueio por ter foguetes que ameaçavam o vizinho. E, caso não desmontasse aquelas armas, seria atacada. Haveria guerra. Hummm...
“Apoio maciço da OEA ao bloqueio naval de Cuba”, estrondou no dia 24. Já então, a Organização dos Estados Americanos era uma tarefeira da Casa Branca, assim como a OTAN.
No dia 26, o aviso garrafal na capa era “Os EUA só negociarão com o desmonte das bases soviéticas”. É um argumento muito parecido com o dos russos em 2022, não é mesmo?
E o capítulo das invasões? Desde 1945, entre invasões, intervenções e guerras híbridas, nosso pacífico irmão do Norte patrocinou mais de 50. A de Granada, em 1983, foi uma e das menos lembradas.
Invasão também é um negócio supimpa dependendo do invasor e do invadido. Aos olhos de O Globo foi assim quando os EUA desembarcaram na diminuta ilha do Caribe, área que é, desde sempre, seu play ground.
Hoje, as mídias choram pela “pequena” Ucrânia. Não choraram por Granada que, com seus 344 km², assenta-se sobre território menor do que Porto Alegre (RS). Se comparada com a Ucrânia, com 603 mil km2 e com 44 milhões de habitantes, a ilhota é 1.754 vezes menor e possui uma população 440 vezes inferior numericamente.
Granada, que rabiscava um governo socialista, foi atacada pela 22ª Unidade Anfíbia da Marinha, a 82ª Divisão Aerotransportada, o 75º Regimento Ranger, o 160º. Regimento de Operações Especiais de Aviação, os Night Stalkers, a Delta Force e os SEALs da Marinha. Como seguro morreu de velho, as tropas contavam ainda com o apoio de 23 navios de guerra...
Em editorial, O Globo justificou o assalto. Após chamar de Granada de “mininação com soberania de opereta”, argumentou que a ilha poderia se tornar “uma pedra significativa do processo e influir na relação de forças de cujo equilíbrio depende o destino da humanidade”.
Pesquei tudo isso no diário dos Marinho. É uma pescaria que nunca decepciona. É ali que encontramos a hipocrisia em estado de arte. São páginas memoráveis, tesouros de contradições. Ah, os arquivos implacáveis, agora digitalizados, corporificam o advogado de acusação da mídia empresarial. São as confissões irrefutáveis de uma conspiração perene contra a verdade factual que alega defender. Bingo!
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