Foto: Ricardo Stuckert |
Lula precisa mudar sua estratégia de comunicação. Falar em eventos organizados por correligionários, para aqueles que nunca deixaram de ser lulistas, é como se estivesse falando com o espelho. Esse moimento não amplia o campo de sua atuação e, em realidade, acaba que por acirrar um efeito nocivo nos tempos atuais, que é a polarização, onde o resultado já foi visto nas últimas eleições.
Fato é que, neste momento, alguns eventos estão dentro do contexto da formação das alianças; no entanto, Lula precisa ampliar o discurso para os diversos segmentos da sociedade, tratar de temas palpáveis, do dia a dia da imensa maioria dos brasileiros e recolocar-se como um moderador social, capaz de apaziguar o país dividido e governar para todos os brasileiros.
Os discursos iniciais do Lula seguiam neste sentido, depois, gradativamente, foram subindo o tom, abordando questões como democracia, soberania, carestia, entre outros que, na prática, soam de forma abstrata a 90% da população.
O povo não tem abstração. Não é preconceito, mas constatação, conforme pesquisa quanto a ler/ver e compreender o que está lendo/vendo. Vide em: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/so-8-dos-brasileiros-sabem-se-expressar-plenamente-diz-pesquisa-18773598
A vida do povo está no concreto. Ele sente que a vida piorou com a pizza a menos; na hora em que vai ao supermercado e o dinheiro não é suficiente para comprar tanto quanto gostaria (e como antes); no momento em que vai abastecer o carro; no churrasco que não dá mais para fazer, nas ofertas de emprego ou nos empregos precarizados, até abaixo dos subempregos.
A compreensão do povo está na conta de energia, na conta de água. Soberania, democracia, carestia, taxa Selic, spread, estagnação, micro, macro, dentre outras nomenclaturas, são elementos abstratos, que não levam comida à mesa e não melhoram a qualidade de vida.
É importante o pensamento de Lula ao falar que governará para os mais pobres. O problema é que o Brasil possui uma imensa classe média, que na prática é pobre, mas não se considera pobre. Essa classe média se incomoda com esse discurso dos mais pobres, então é necessário encontrar um meio termo no discurso que compreenda a classe média (capaz de decidir uma eleição) e também os mais necessitados, ampliando o discurso em todos os sentidos.
Segmentos como os aposentados, pensionistas e idosos, que somam 40 milhões de brasileiros, merecem espaço especial nos discursos e nos programas de governo. Isso atrelado ao salário mínimo, em que 70% dos aposentados e pensionistas ligados ao INSS sobrevivem com esta soma.
É um público muito grande, muitas vezes descrente, mas que tem poder de decidir uma eleição, se sentirem que Lula tem projetos palpáveis para essas categorias.
Outro ponto é o discurso que acirra a polarização. Neste campo a direita vence, ainda mais com o aparato digital que se instalou nos moldes de Steve Bannon e foi determinante nas últimas eleições, quando também se venceu com temas absurdos como “mamadeira de piroca”, “kit gay”, entre outras barbaridades do ponto de vista cognitivo, mas que adentrou o imaginário coletivo de parte da população inserido no contexto da falta de informação e compreensão.
Lula também não pode incorrer ao erro de cair nessa esparrela do “nós contra eles”. Em muitos momentos, falando para os correligionários, recai nessa situação...
Como posto, considerando que a maioria não tem abstração, Lula precisa ter um discurso que demonstre, com uma linguagem simples, tudo o que ele fez de bom durante os seus governos, tirando do campo da abstração levando para a materialização nas mentes das pessoas, fazendo-as relembrar como o Brasil era melhor naquele tempo. E de fato há muita coisa a ser mostrada.
Mesmo com o custo de vida nas alturas, grande parcela da população não está indignada com a situação do atual governo, mesmo com a vida se deteriorando em sentido amplo.
Tem muita gente também que sabe que a crise no país é profunda, no entanto, quando surge um discurso mais radical da esquerda, eles parecem desistir de votar em Lula. É momento de muita ponderação.
A eleição está longe de estar ganha. A direita, muito mais plástica e menos sectária quanto a esquerda, capaz de rapidamente deixar as diferenças de lado para um propósito maior; ainda nem abriu a caixa de ferramentas, que nesses tempos de comunicação digital a compreensão é muito maior, complexa e invasiva.
Há muitos meses para a definição da eleição. Há uma margem positiva para Lula nas pesquisas e outra margem de milhões de indecisos, mas de fato o jogo da direita, com a máquina, as grandes corporações, o mercado financeiro, ainda nem começou.
Lula precisa relembrar os tempos da Carta ao Povo Brasileiro...
* Ricardo Flaitt é jornalista.
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