Charge: Cau Gomez |
Envolvida até a medula na operação que tentou excluir Lula da vida pública, a grande mídia brasileira até hoje se mostra incapaz de reconhecer seu renascimento político.
Modelo formal de boa parte das revistas semanais surgidas nos anos dourados da mídia impressa do século XX, em abril de 2022 a Time retrata o retorno de Lula ao centro da cena política brasileira com o distanciamento possível que marca o jornalismo profissional de um dos grandes grupos de comunicação do planeta.
Abriu espaço para uma entrevista detalhada e foi atrás de informações relevantes, numa reportagem que mantém o tom adequado do ponto de vista informativo e politico, cumprindo uma função importante - deixa claro que, nas atuais condições de temperatura e pressão da política brasileira, Lula é parte do jogo democrático.
É trágico constatar que, ao menos até agora, nenhum dos veículos da grande mídia brasileira foi capaz de exibir, nem de longe, uma postura semelhante, a única aceitável em 2022.
Não custa sublinhar.
O país enfrenta o risco de um novo assalto a democracia, contra o qual a candidatura Lula surge como a principal, quem sabe única, força de resistência.
A capa da Time sinaliza essa percepção.
Já a postura da mídia verde-amarela traduz outra situação.
Capaz de cobrar uma permanente autocrítica de Lula e do Partido dos Trabalhadores em função de denúncias, erros e deslizes que não puderam ser sustentados dentro das regras do Estado Democrático de Direito, a grande mídia brasileira mostra-se incapaz de olhar com serenidade e espírito público para sua própria atuação num dos períodos lamentáveis de nossa história publica.
Nos anos terríveis do Mensalão e da Lava Jato, não apenas trazia informações produzidas em operações truculentas, anti-democráticas.
Tornou-se cúmplice de um processo autoritário, dando uma contribuição decisiva para a construção do estado de exceção que produziu um golpe sem crime de responsabilidade, em 2016, e a vitória de Bolsonaro, dois anos mais tarde.
Em março de 2021 - apenas um ano atrás! - os jornais, revistas e emissoras de TV do país se encontravam do outro lado da barricada quando, por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo reconheceu a parcialidade da Lava Jato, confirmada pelo plenário em setembro do mesmo ano. Mantiveram a mesma postura seis meses depois, quando a decisão foi confirmada pelo plenário, por 7 votos a 4.
No Comitê de Direitos Humanos da ONU, as denúncias contra a perseguição a Lula chegaram oficialmente em 2018.
Naquele ano, ele foi recolhido à cela em Curitiba, depois de ter sido retirado da campanha pelo tuíte do general Villas Boas e o silencio cúmplice da mídia, que pretendia evitar criar uma nuvem no céu da campanha de Bolsonaro.
Em abril de 2022, o Comitê da ONU avaliou cinco denúncias específicas contra a Lava Jato.
Dois jurados concordaram com uma acusação, de que o réu não fora respeitado na presunção de inocência. Os outros 16 concordaram com todas as denúncias, inclusive a mais importante, que reconhece que Lula não teve "um julgamento justo, perante um tribunal imparcial e independente".
Incapaz de manter o silêncio diante de uma mudança desse porte, os jornais brasileiros criaram uma jurisprudência de encomenda para enfrentar a situação. Divulgaram a tese de que a Lava Jato fora apenas condenada pelos métodos empregados - mas não pelo mérito das acusações.
Como sabe qualquer calouro dos cursos de Direito, o respeito absoluto pelos métodos consagrados de uma investigação representa a única garantia de veracidade a uma denúncia - caso contrário, os vícios de forma contaminam o conteúdo, gerando provas forjadas e mesmo falsas.
Por essa razão, é forçoso assegurar "um julgamento justo, perante um tribunal imparcial e independente".
A conta final dessa história é fácil de compreender.
Numa situação em que Bolsonaro tenta conduzir nossa democracia a um precipício, o silêncio obsequioso da mídia sobre seu papel na história só facilita o trabalho de quem quer levar o país ao abismo.
Alguma dúvida?
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