Ilustração: Nando Motta |
Acabamos de receber a notícia de que dois corpos humanos sem vida foram encontrados amarrados a árvores no meio da Floresta Amazônica.
Embora ainda não tenha sido possível confirmar a identificação dos cadáveres, todos temos o forte pressentimento de que se trata daquilo que não queríamos que fosse: a morte do indigenista brasileiro Bruno Pereira e seu amigo jornalista britânico Dom Phillips.
Mesmo que nos possa restar a maravilhosa esperança de estarmos enganados, prevalece a convicção de que eles já não estão vivos. Por isso, nossa luta maior passa a ser outra. Como não pudemos impedir que este monstruoso crime fosse cometido, devemos nos dedicar agora a fazer com que essa valorosa entrega de vidas não tenha ocorrido em vão.
Por que foram tão brutalmente assassinados Bruno Pereira e Dom Phillips? É com a resposta a esta pergunta que vamos encontrar o caminho para direcionar nossa reação. Tanto Bruno como Dom eram desse tipo de pessoas que são capazes de entregar a própria vida em prol da causa em que acreditam. E demonstraram na prática que eram fieis a essa crença.
Bruno Pereira tinha um profundo comprometimento com a defesa das populações indígenas da região amazônica, esses povos que são constantemente perseguidos e ameaçados por grupos interessados em eliminá-los para se apropriarem de suas terras. São eles as principais vítimas de empresas madeireiras, de latifundiários do agronegócio, de multinacionais mineradoras, de exploradores do garimpo ilegal, entre outros.
Não devemos nos esquecer que Bruno Pereira tinha sido coordenador regional da Funai em Atalaia do Norte e que, em razão de sua coerência no trabalho de proteção aos povos indígenas da região, sofreu forte repressão por parte do então ministro bolsonarista da Justiça Sérgio Moro. Foi esse ministro bolsonarista um dos maiores responsáveis por sua exoneração da Funai.
No entanto, mesmo fora do quadro de funcionários da Funai, Bruno Pereira não renunciou à causa em que acreditava, e procurou dar seguimento ao trabalho que exercia em favor dos povos da floresta em sua eterna luta contra os grupos econômicos capitalistas que veem aquela área apenas como uma imensa fonte de riquezas para seu engrandecimento econômico exclusivo.
Sabemos que o jornalista Dom Phillips também era um apaixonado pela questão da preservação da Amazônia e de suas populações indígenas. Em seus mais de 15 anos no Brasil, se empenhou para dar conhecimento ao mundo das tremendas dificuldades enfrentadas por aqueles povos que já habitavam aquelas áreas há milhares de anos antes da chegada dos colonizadores europeus. A força de sua palavra, divulgada através de vários órgãos da imprensa internacional, servia como um poderoso instrumento para ajudar na resistência à maquina de destruição da voracidade do grande capital.
Portanto, se o que queremos é prestar homenagem a duas figuras que foram capazes de morrer em favor daquilo que defendiam, nossa obrigação é não deixar que seu sacrifício tenha sido em vão. Independentemente de qual fosse a orientação religiosa de Bruno Pereira e Dom Phillips, podemos dizer, sem medo de nos equivocarmos, que ambos estavam imbuídos de um profundo e sincero sentimento cristão. Todos aqueles que sentem na figura de Jesus de Nazaré o exemplo e símbolo maior da dedicação às causas dos mais humildes e mais vulneráveis não terão nenhuma dúvida em reconhecer que Bruno e Dom morreram como defensores do legado de Jesus.
Portanto, muito além de clamar pela identificação, a captura, o julgamento e a condenação daqueles que executaram o plano macabro que os levou à morte, devemos fazer avançar a luta para que o objetivo maior que eles buscavam possa ser alcançado. E isto significa combater e derrotar as forças que estão por trás dos executores diretos das ações que ceifaram as vidas de nossos dois abnegados humanistas.
O que nos cabe é retomar e erguer com ainda mais disposição as bandeiras de luta por eles empunhadas. Devemos exigir o fim das invasões de terras indígenas e a condenação das pessoas e empresas que as promovam. Precisamos cobrar total respeito às terras indígenas já demarcadas e a continuidade dos processos que ainda não foram concluídos. É nossa obrigação lutar para que o processo de reforma agrária avance de modo a beneficiar tanto aos povos indígenas originários como aos pequenos agricultores produtores de alimentos, mas não prioritariamente aos grandes produtores de commodities, como ocorre atualmente.
Em quanto à política, nosso compromisso não pode deixar de incluir a determinação de nos empenharmos para que nosso país se encaminhe num rumo de caráter democrático e popular. Não podemos admitir que crápulas e serviçais dos interesses mais nefastos do imperialismo e do grande capital, como Sérgio Moro e Jair Bolsonaro, voltem a exercer cargos de destaque no Estado. Mas, fundamentalmente, toda nossa dedicação deve ser exercida para impedir que as forças poderosas que impulsam e sustentam os sergiomoros e os bolsonaros da vida continuem a demarcar o curso a seguir pela nação, em detrimento das maiorias populares.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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