Ilustração do site Graffiti News |
O indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio) e o jornalista Dom Phillips, correspondente do jornal The Guardian, foram assassinados de maneira bárbara, covarde e desumana no estado do Amazonas. A princípio, governo federal, Polícia Federal, Forças Armadas e Ministério Público ficaram inertes diante da atrocidade. Somente depois que setores da imprensa nacional e internacional começaram a divulgar os fatos e exigir atitudes do governo, foi que os órgãos de Estado começaram a se movimentar.
Após o caso ganhar repercussão global, as ações do governo foram intensas. Em uma semana, prenderam os possíveis assassinos, acharam os restos mortais dos dois assassinados, fizeram coletivas de imprensa centradas em duas ou três autoridades e encerraram o caso de forma peremptória. Missão cumprida??? Quanto mais rápida a ação do aparato policial, menos crise e desgastes para os verdadeiros responsáveis.
A pergunta, porém, continua: quem matou Bruno e Dom?
Para entendermos o enredo dessa história covarde e trágica, que levou ao assassinato dos dois ambientalistas, devemos recuar aos anos 80 do século passado. Há 34 anos, o capitão Jair Messias Bolsonaro planejou executar ações terroristas em quartéis do Exército na Vila Militar, na Academia de Agulhas Negras e na adutora de água Guandu, que abastece a cidade do Rio de Janeiro. A ação terrorista foi descoberta pela inteligência do Exército e o então capitão foi responsabilizado pela tentativa de ato terrorista contra o Estado brasileiro e expulso da corporação militar.
Encerrada a carreira militar de forma humilhante, o ex-capitão Bolsonaro enveredou pelo mundo da política. Mundo efêmero onde cabem gatos e sapatos, para o bem ou para o mal; de psicopatas a estadistas.
Em 1988, Jair Messias Bolsonaro candidatou-se a vereador pela cidade do Rio de Janeiro. Ganhou as eleições, mas ficou apenas 2 anos na função, pois, em 1990, foi eleito deputado federal, cargo no qual permaneceu por longos 28 anos.
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, sempre esteve no chamado baixo clero, que reúne deputados sem nenhuma expressão e excluídos da articulação e das discussões políticas no Legislativo federal. Contudo, se apresentava nos debates públicos de forma reacionária, autoritária, homofóbica, racista, machista e, em várias ocasiões, agressivo contra seus oponentes políticos e ideológicos, principalmente as mulheres.
Com a crise política iniciada em 2013, a partir das chamadas revoluções coloridas, a sociedade brasileira foi absorvendo de maneira gradativa a cultura do ódio. Ódio à política, ódio à cultura, ódio à educação, ódio ao trabalhador, ódio às políticas públicas de inclusão, ódio às empresas estatais, ódio aos negros, ódio às mulheres, ódio aos gays, ódio aos povos originários, ódio ao meio ambiente. Ódio, ódio, ódio…
A cultura do ódio se entrelaça à crise econômica provocada pelas ações da elite nacional, que tinha como objetivo desestabilizar o governo petista. A crise instalada foi absorvida pela ação política institucional e ampliada cotidianamente pela imprensa corporativa e empresarial. A essa convergência de interesses políticos, ideológicos e econômicos se juntaram setores da classe média que defendiam golpe militar e destituição da presidenta Dilma Rousseff. Logo, pretendiam encerrar um ciclo de 14 anos de governos da centro-esquerda no comando do País.
Unificados, os liberais, os conservadores, as várias frações das elites, a classe média, os religiosos etc. decidiram golpear o Brasil. Conforme Romero Jucá, senador do MDB, “um grande acordo nacional, com o Supremo e com tudo”. Em 2016, afastaram definitivamente Dilma da Presidência da República, por meio de um impeachment fraudulento, e empossaram Michel Temer.
Com o golpe de Estado, iniciaram um conjunto de contrarreformas consolidadas no programa 'Uma ponte para o futuro'. Com um programa profundamente antipopular, os golpistas sabiam das dificuldades políticas de manter por muito tempo o apoio da população às medidas regressivas e ultraliberais. Temer, com menos de 2 anos de governo, tinha uma aprovação popular de menos de 10%. Contudo, era necessário avançar com o projeto e, ao mesmo tempo, construir e consolidar uma nova liderança capaz de levar o programa as últimas consequências. Liberalismo e fascismo: a saída para enfrentar a crise em gestação.
Para consolidar a narrativa e a consolidação de uma nova liderança nacional forjada no caos, desenvolvia-se, desde 2013, em Curitiba, a Lava Jato. Um conjunto de ações criminais desencadeadas pelo poder Judiciário local e pelo MPF (Ministério Público Federal) que miravam a principal empresa estatal nacional, a Petrobras, bem como o conjunto de bancos públicos e empresas da construção civil e do setor agropecuário, dentre outras áreas da economia. Porém, o objetivo central da operação Lava Jato era perseguir Luiz Inácio Lula da Silva, evitando, dessa maneira, a viabilidade eleitoral do ex-presidente, que, mesmo diante de inúmeras acusações, permanecia em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais de 2018.
Com o objetivo alcançado — ou seja, Lula preso —, os golpistas ganharam fôlego. Pensavam em eleger um candidato neoliberal, que poderia concluir a “ponte para o futuro” e consolidar o programa ultraliberal e conservador do governo golpista. Entretanto, a candidatura de Fernando Haddad, apoiada pelo então prisioneiro político Lula, foi ganhando força e colocando em xeque a eleição de um representante das elites nacionais. No percurso eleitoral, o capitão Bolsonaro, candidato à Presidência da República, com o discurso da antipolítica e do antissistema, foi atingido por uma facada, até hoje não explicada. Esse episódio fortuito criou as condições políticas e emocionais para levá-lo ao cargo mais elevado da sociedade. O capitão Jair Messias Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil.
Bolsonaro fez acordo com as elites nacionais e definiu pela implantação do programa ultraliberal de Paulo Guedes e do setor financeiro nacional e internacional. Nas questões que envolviam o projeto econômico, o novo governo anunciou a destruição de tudo que fora construído no século XX, de Getúlio Vargas ao regime militar. Ou seja, não haveria pedra sobre pedra ao final de 4 anos de governo Bolsonaro. Para substituir o programa desenvolvimentista nacional, elegeu duas frentes para o programa econômico: mineração e agronegócio/pecuária. Estava decretado o Brasil do minério, da soja e do gado. O Brasil da economia primária e desindustrializada.
Para alcançar seus objetivos econômicos e políticos, elegeu ambientalistas, povos indígenas, servidores do Estado (Incra, Ibama, Funai), ONGs e lideranças rurais como inimigos do governo e do projeto bolsonarista. Com o ataque às organizações da sociedade e ao Estado, o governo enfraqueceu as estruturas estatais, a legislação ambiental, a fiscalização e todo o complexo aparato necessário ;à proteção da sociedade, do meio ambiente e da Constituição.
Ao mesmo tempo que desregulamentou e desarticulou a ação estatal, fortaleceu as milícias, o narcotráfico, o crime organizado, as minerações clandestinas, as ações criminosas de expansão das áreas de cultivo e criação de rebanho, destruindo o meio ambiente pela ação predatória com motosserras e queimadas. Para garantir a segurança dos seus apoiadores, liberou a compra de armas para assegurar aos usurpadores o direito de matar em nome de um pseudodesenvolvimento baseado no latifúndio e na mineração predatória, com práticas de crimes, destruição e sangue.
Todos os dados de criminalidade contra povos indígenas, ambientalistas e lideranças rurais cresceram de maneira exponencial nos últimos anos, resultado de uma política de Estado organizada e direcionada pelos vários esquemas criminosos ligados ao bolsonarismo. A determinação de Bolsonaro e seus capitães do mato é desconsiderar qualquer ação legal, judicial e diplomática. Para alcançar seus objetivos, a ordem é passar a boiada. Se, no caminho, atravessarem Brunos e Dons, a ordem é matar, esquartejar e destruir qualquer possibilidade de luta e resistência.
Não sabemos ainda quem matou, quem planejou, quem pagou, quem mandou matar Bruno e Dom. Existem, sobre os cadáveres dos dois mártires do Vale do Javari, um amontoado de digitais ligadas ao crime organizado, ao narcotráfico, a grileiros, posseiros, fazendeiros e outros “eiros” por aí. Está a digital das Forças Armadas que não protegem nossas fronteiras e não garantem a segurança nacional. Está o Estado brasileiro e seu aparato institucional. E está, nos rastros desse crime bárbaro e desumano, a principal digital, o chefe supremo. A digital de um certo capitão, miliciano, alucinado e psicopata: Jair Messias Bolsonaro.
* Gilson Reis é professor e diretor licenciado da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee).
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