Charge: Genildo |
O engenheiro Íkaro Chaves falou como dirigente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás, onde analisa as ilegalidades do processo da privatização por dever de ofício e sempre se surpreende com novos mecanismos inaceitáveis neste processo. Ele destaca como a possibilidade de privatização na Eletrobras, no próximo dia 13 de junho, pode afetar a governabilidade do país no futuro, conforme se intensifique uma crise energética.
“Eu duvido que algum governo sobreviva a uma empresa que para de gerar energia e passa a cobrar o que ela quiser pelo pouco que produzir”, alerta ele, sobre as inúmeras crises hídricas que certamente virão nos próximos anos.
A análise foi feita durante o Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”. O debate sobre a crise do setor energético no Brasil e os desafios para a sua recuperação, continuou, na segunda (30), tratando mais especificamente do caso da Eletrobras, em vias de privatização, após discutir o desmonte da Petrobras. O seminário foi realizado pela Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos e também discutiu o papel da Petrobras nesse processo, na mesa anterior.
Para Íkaro, a Eletrobras será um problema do amanhã, mais difícil de ser resolvido que a Petrobras, por se tratar de um produto/serviço peculiar. Um produto universal complicado de ser substituído por outro, com baixa elasticidade na demanda, pois não pode ser deixado de comprar, independente do custo, o que leva a energia elétrica a ser um produto com a capacidade de dominação total da economia.
Ele comparou o caso britânico, em que a flexibilidade no trato da energia se resolve abrindo novas termelétricas, por não poder contar com os recursos hídricos que o Brasil dispõe. Com isso, o Brasil está empregando os piores modelos de matriz energética, mesmo podendo contar com capacidade de geração de energia limpa e renovável.
Íkaro apontou as irregularidades que cercam o processo de privatização da Eletrobras, conforme observadas pelo próprio TCU na subavaliação. O que está subavaliado, segundo ele, diz respeito ao valor adicionado às concessões de 22 usinas hidrelétricas, com seus regimes prorrogados por mais 30 anos como produtor independente. Todo o sistema de transmissões da Eletrobras está sendo entregue gratuitamente, explica ele. “Mais de cem ativos sendo vendidos por R$ 0,00, sem que a União receber nada pela perda do controle desse ativo”.
“O que está sendo vendido é o direito da Eletrobras, privada, vender uma energia que hoje é barata por um preço mais caro, ainda assim com subavaliação de mais de 100%, comprovada matematicamente”, resumiu.
Ele também explicou como o setor eletronuclear se insere nessa privatização, ainda que de maneira inconstitucional, talvez sob controle de fundos de investimento estrangeiros ou algum fundo soberano de outro país. Pois 70% do capital deste setor será da Eletrobras privatizada, o que coloca um delicado setor que deveria ser monopólio da União sob controle de outros países.
Concluído o crime, como qualifica a privatização, Íkaro acredita que um próximo governo pode sofrer as consequências de uma crise energética, pois as secas serão uma certeza no futuro. Os efeitos do apagão sobre a eleição de FHC, em 2001, ou o tarifaço de energia no governo Dilma, em 2015, tiveram reflexos claros sobre as popularidades desses governos. Da mesma forma, Michel Temer teve suas pretensões atingidas pela greve de caminhoneiros, assim como a inflação de combustíveis corrói a possibilidade de reeleição de Bolsonaro.
Ele citou como a Espanha enfrenta grave crise energética sem possibilidade de reação de seu governo de esquerda, devido à privatização da Iberdrola, uma gigante que só beneficia acionistas com as tarifas mais caras de sua história. No Brasil, a Eletrobras já é uma das empresas que mais distribui dividendos para acionistas, enquanto a população está em “crise”. A solução de Bolsonaro para a inflação não é controle de ganhos, mas de impostos, reduzindo recursos para investimentos sociais dos estados, para manter intocado o lucro dos empresários.
Segurança energética é algo que se perderá no país, pois energia elétrica sofre grandes limitações para ser importada em caso de crise, sendo muito sensível pela falta de estoque. “Estamos entregando armazenamento estratégico de nossas hidrelétricas que serão cada vez mais valiosas, pois podem, inclusive, exportar energia por armazenamento”, diz ele, explicando que o Brasil será o primeiro país do mundo a vender suas hidrelétricas, pois nem os EUA fizeram isso.
Outro problema tarifário, segundo o engenheiro, diz respeito ao custo de amortização da construção das hidrelétricas que já foi pago pela população. Agora, que ela poderia se beneficiar de custos mais baixos, vai começar a pagar por preços ainda mais altos. “É como se um condômino tivesse amortizado todas as prestações de seu apartamento e, quando achava que ia pagar só o condomínio, voltou a pagar novamente pelas prestações”, compara.
Íkaro lembrou que, nos EUA, a participação estatal no setor é maior que no Brasil, com 70%, sob a justificativa de que as usinas não são apenas fábricas de energia elétrica. Elas são valiosos estoques de água para irrigação, para consumo animal, até para o lazer, turismo e consumo humano. “Se não fosse a usina da Chesf, não haveria transposição do rio São Francisco de forma alguma”.
Quando os opositores da privatização afirmam que estão sendo privatizados os rios, dizem que é exagero, mas o representante dos trabalhadores prova isso lendo o contrato de concessão que a Aneel pretende assinar: as áreas lindeiras aos reservatórios das usinas e as ilhas desses reservatórios serão de responsabilidade das concessionárias, podendo controlar as atividades dessas áreas e fazer contratos de concessão para uso delas. “Todos terão que pedir autorização para utilização de margens desses rios, até mesmo agricultores para plantio”, citou.
Ele é contra um referendo revogatório da privatização, porque não houve sequer audiência e formação de Comissão Especial na Câmara dos Deputados para discutir o assunto. A privatização foi definida por meio de Medida Provisória. “A população é majoritariamente contra a privatização e sua opinião foi flagrantemente desrespeitada”.
Não basta cancelar a privatização, na opinião dele, mas aprovar uma Medida Provisória que cancele a lei 14.182, que reduz a um quarto o poder de voto da União entre os acionistas, mesmo ela sendo o maior deles com 45% das ações. Para ele, seria fácil retomar o controle sobre a empresa, devido às características desta privatização.
Também seria necessário descotizar a energia, pois na opinião dele, a Eletrobras não deveria ter a função de gerar excedentes financeiros, como tem feito a Petrobras, mas excedentes de energia para alavancar o desenvolvimento da nação e energia barata e limpa para o povo. Ele ainda citou os “jabutis” legislativos contrabandeados para o contrato de privatização, como a contratação de gás natural onde nem tem gasoduto.
O engenheiro Íkaro Chaves é secretário-geral da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás desde 2018 e atuou nas Centrais Elétricas do Norte do Brasil, foi do Conselho Deliberativo da Caixa de Assistência do Setor Elétrico – EVIDA – representando os empregados até 2021.
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